Miguel Mora
Em Roma (Itália)
O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, fará sua reforma
constitucional da Justiça sem a oposição, e depois a submeterá a um
referendo para que a população decida. A nova escalada contra os demais
poderes do Estado ganhou corpo na noite de quinta-feira em Sófia (Bulgária),
lugar onde há alguns anos o primeiro-ministro condenou ao ostracismo vários
jornalistas da RAI com o chamado édito búlgaro. "É preciso agarrar o touro
pelos chifres", disse Berlusconi.
"A justiça, em uma verdadeira democracia, não pode estar submetida ao
poder de uma categoria que não tem legitimidade eleitoral. Recorreremos ao
povo, estamos prontos para fazer um referendo." A proclamação não admitiu
matizes nem objeções. Para uma reforma desse tipo convém ter o consenso da
oposição, sugeriram os jornalistas. "A faremos como for possível fazê-la."
Mas dessa forma vai demorar muito. "As revoluções não são feitas em um dia."
E seus aliados estão de acordo? "Creio que sim. São vocês que veem
discórdias."
A reforma pretende separar as carreiras de juízes e promotores e diminuir o
poder do Conselho Superior da Magistratura. Inspira-se na velha compulsão
por garantia do homem mais processado do país. Por exemplo, no caso de uma
absolvição em primeiro grau, a justiça deve recuar. "Um cidadão acusado de
cometer um delito e declarado inocente uma vez não deveria ser chamado em
uma fase posterior do processo, e depois em outra fase ainda. Mas, claro, os
promotores vivem disso", disse o primeiro-ministro. "Quando um juiz não
ampara sua tese acusatória, recorre, e se a apelação também não, vão ao
Supremo. Para eles é um ofício, para o cidadão representa a destruição de
sua vida e a de sua família."
Preocupado porque todos os dias surgem novas revelações de arrependidos da
máfia no processo que se realiza em Palermo contra seu braço-direito
siciliano, Marcello Dell'Utri (condenado em primeira instância a nove anos
por associação mafiosa externa), Berlusconi voltou a criticar o Tribunal
Constitucional por ter rejeitado sua lei de imunidade: "Praticamente a corte
disse aos juízes vermelhos de Milão: reabram a caça ao homem contra o
primeiro-ministro".
Seus aliados tentaram na sexta-feira pôr um pouco de moderação.
Gianfranco Fini, presidente da Câmara, lembrou que "quando se fazem reformas
é preciso lembrar que as instituições são de todos", e acrescentou que a
Itália deve implementar um "sério projeto comum de futuro".
Nos últimos dias a tensão política não parou de aumentar. Berlusconi decidiu
elevar o tom do choque institucional, apelando a sua legitimidade popular e
atiçando seus meios de comunicação contra todos os seus adversários, que são
muitos.
O jornal de sua família, "Il Giornale", atacou durante dias o chefe de
Estado, Giorgio Napolitano, e o Tribunal Constitucional. Na quinta-feira uma
equipe da televisão Canale 5 perseguiu pelas ruas de Milão o juiz que
condenou a Fininvest a indenizar com 750 milhões de euros a CIR, empresa de
Carlos de Benedetti. O juiz foi gravado enquanto esperava sua vez no
barbeiro e já dentro, com o rosto cheio de espuma, enquanto a locução
repetia: "Vejam que ridículo é esse homem". Há alguns dias Berlusconi
prognosticou que os italianos saberiam de coisas "bonitas" sobre o juiz que
o condenou. Na sexta-feira acusou os programas críticos da RAI de fazer um
uso criminoso da televisão.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(©
UOL Notícias/El País)
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