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Franco Moretti busca fazer história mundial da literatura

09/10/2009

Franco Moretti
 

Utilizando trabalhos como o de Roberto Schwarz, autor alia estilo, humor e análise rigorosa

LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não faz muito que o nome de Franco Moretti passou a ocupar algum espaço no debate literário no Brasil -o artigo que primeiro o colocou em evidência entre nós saiu em 2001, sob o título vasto e vago de "Conjecturas Sobre a Literatura Mundial" (em "Contracorrente", organizado por Emir Sader, editora Record).

Mas o texto revelou logo o tamanho da briga que este italiano, especialista em romance inglês, comprava: nem mais, nem menos, estava repassando criticamente as principais alternativas concebidas até hoje na direção de uma história mundial da literatura. Nada óbvio, nada fácil.

Ele se sai otimamente bem da empreitada. Não porque tenha qualquer ilusão de esgotar o assunto nos termos acadêmicos em que ele se apresenta -seja na forma das já velhas histórias nacionais (tantas vezes nacionalistas) de literatura, seja na moda da literatura comparada (tantas vezes um simples rebaixamento do problema)-, justo pelo contrário.

Arguindo a noção de que estudar literatura implica mergulhar profundamente em muito poucos livros, os canônicos, Moretti propõe uma perspectiva darwinista, isto é, materialista e empirista, animada pela tradição marxista, mas longe da variante adorniana.

Caso raro

Em sua mão, o que vai falar é um objeto muito mais vasto, que se compõe virtualmente da totalidade dos livros escritos, em qualquer parte. Vale conferir o quanto isso rende em seu primeiro livro traduzido aqui, o "Atlas do Romance Europeu" (Boitempo).

O que torna sua análise possível são duas restrições. Primeira: ele se ocupa do romance, e não de toda a literatura. Como se sabe, o romance é uma forma relativamente fácil de discernir em qualquer paisagem, em qualquer idioma, por variadas que sejam suas encarnações concretas.

Segunda: sem ilusões de poder ler todos os romances do mundo, nem mesmo os de um só país de cultura letrada sólida, ele se serve de leituras já feitas, de estudos que tenham já detectado modos particulares de ser do romance naquele contexto -daí, por exemplo, a centralidade que em sua teoria ocupa a figura de Roberto Schwarz, que estudou minuciosa e proficientemente a forma do romance brasileiro do século 19, entre [José de] Alencar e Machado de Assis.

Daqui se segue que o âmbito de trabalho morettiano é um caso raro na área, porque permite compartilhamento de tarefas e cumulatividade de trabalhos, como se fossem os estudos literários um ramo de ciência da natureza.
"A Literatura Vista de Longe": esse é o nome de um de seus grandes livros (edição brasileira: Arquipélago) e uma designação abreviada de seu método. Trata-se de olhar em perspectiva, a ponto de poder discernir os grandes veios, as tendências, os caminhos que o romance tomou.

Não quer estudar estrutura narrativa em abstrato; sua batalha é com a empiria que estrutura os romances. Cidade, campo, a rua, a divisão das classes pelo espaço, proximidade ou distância, essas variáveis geográficas são convocadas em paralelo com o desenho dos enredos, com o perfil das personagens, com o destino dos heróis.

Tudo isso vem com um acréscimo nada desprezível: Moretti escreve com um estilo marcante e eficaz, composto de muitos dados, confissões do pesquisador e um bom humor desconcertante, mas sempre orientado pela eficácia argumentativa. E nada disso impede que levante voos interpretativos, em que formula hipóteses de imenso valor analítico, em contraste com a relativa frivolidade da área, como se lê em "Signos e Estilos da Modernidade" (Civilização Brasileira).

LUÍS AUGUSTO FISCHER é crítico literário, professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Machado e Borges" (ed. Arquipélago), entre outros livros.

(© Folha de S. Paulo)


Isto não é um artigo de economia

As inovações do crítico italiano que usa gráficos e outras medições para estudar literatura

Jerônimo Teixeira

Assim como existe um poema ou romance que lhe causou aquele "estalo" inicial, quase toda pessoa apaixonada por literatura contou com um guia – um crítico que aguçou sua curiosidade e a fez sentir que os livros continham algo de maravilhoso. O número de críticos dispostos a fazer esse trabalho de "casamenteiro" tem diminuído ao longo dos anos. Pior ainda. Cada vez mais enclausurada, a crítica parece perder apelos para os próprios acadêmicos.

No prefácio de A Literatura Vista de Longe (tradução de Anselmo Pessoa Neto; Arquipélago Editorial; 184 páginas; 36 reais), o crítico italiano Franco Moretti, professor de literatura comparada da Universidade Stanford, conta de um colega norueguês que abandonou os temas literários para se dedicar ao estudo de videogames. "E eu acredito que o que ele fez foi correto", observa Moretti, com ironia. Mas ele não está interessado em lamentar a decadência da cultura ocidental. Ao contrário, vê o esvaziamento dos departamentos de literatura como uma oportunidade: "Uma disciplina que está perdendo o seu fascínio pode tranqüilamente arriscar tudo e procurar um novo método". O novo método de Moretti pode ser resumido assim: ler menos, contar mais. No lugar das leituras cerradas de uma só obra ou autor que são costumeiras nas teses de doutorado em letras, ele propõe o estudo de largos panoramas literários, com base em métodos quantitativos que são mais familiares a geógrafos ou economistas do que a professores de literatura. É uma abordagem inovadora e algo herética para os críticos tradicionais, gente muito pouco afeita a fazer contas. Mas os resultados apresentados no livro de Moretti – embora ele mesmo os qualifique de preliminares – são instigantes.

Os gráficos dão uma idéia do trabalho peculiar de Moretti. O primeiro deles diz respeito ao estabelecimento de um mercado para o romance. No que se refere ao Reino Unido, não há tanta novidade. Já existe um consagrado estudo do crítico inglês Ian Watt, A Ascensão do Romance, que identifica as razões sociais – o surgimento de novas classes médias urbanas – do crescimento do gênero na Inglaterra do século XVIII. O que impressiona é a constância com que o fenômeno se repete em outros lugares e datas. Onde quer que tenha se estabelecido, o romance observa curvas de crescimento similares. De acordo com Moretti, a história da literatura obedece a alguns ciclos regulares. A guerra dos sexos seria um exemplo. O gráfico do centro mostra a situação do Reino Unido – mas dados parecidos teriam sido levantados também na França, na Espanha e nos Estados Unidos. No início do século XIX, o romance britânico era dominado pelas mulheres. Foi a geração de Jane Austen, com seus dramas domésticos povoados de pobres meninas casadoiras. Pelos anos 1820, os homens dão a virada, com a geração do escocês Walter Scott, autor de romances históricos como Ivanhoé – livros mais aventurescos e "masculinos". A disputa dos sexos responde, portanto, a uma certa alternância dos subgêneros do romance, que é demonstrada no gráfico da direita: um tipo de romance só começa a crescer quando outro decai. "Os livros sobrevivem se são lidos e desaparecem se não o são", diz Moretti. Ou seja, o público leitor periodicamente se desinteressa do gênero estabelecido e se volta para as novidades. Compilando várias periodizações feitas por historiadores, Moretti descobriu nada menos do que 44 gêneros romanescos entre 1740 e 1900. Conforme a moda, liam-se romances sentimentais, folclóricos, náuticos, religiosos, políticos etc.

No seu passo mais ousado, Moretti importa conceitos da moderna biologia evolutiva para explicar mudanças de forma narrativa – dos clássicos do século XIX à literatura latino-americana contemporânea. Assim como a evolução da vida é ditada em grande parte pela seleção natural desvendada pelo naturalista inglês Charles Darwin, uma espécie de "seleção cultural" operaria sobre o romance, em uma linhagem evolutiva que se diversifica e divide, como os galhos de uma árvore, de Goethe a Mario Vargas Llosa, passando por Flaubert, Proust, Joyce. Derivada de fontes para lá de ecléticas – cartografia, estatística, história, biologia darwinista –, a abordagem de Moretti vai na contracorrente de várias tendências bem estabelecidas nos departamentos de literatura. A objetividade que o crítico herdou das ciências naturais não condescende com o que ele chama de "metafísica franco-alemã" – leia-se, as obscuridades de Lacan, Derrida, Deleuze e outros mestres franceses ainda hoje muito populares nas universidades americanas (e brasileiras). Mas seu método também tromba com as preferências de Harold Bloom, influente crítico de Yale, cujos estudos têm uma fixação nas obras "canônicas" – os clássicos consagrados pelo tempo. O leitor pode conferir os destaques nas figuras acima: obras-primas de Swift, Jane Austen e Mary Shelley são apenas pontos perdidos na curva de um gráfico. O estudo exclusivo do cânone proposto por críticos como Bloom, argumenta Moretti, recorta uma fração insignificante do panorama literário. Do romance britânico do século XIX, por exemplo, sobrariam 200, talvez 300 livros canônicos, quando possivelmente se publicaram mais de 30.000. As duas perspectivas, é verdade, não são excludentes. Crítico de corte mais tradicional, Bloom se centra no detalhe, na leitura "de perto". Com seus gráficos, Moretti toma distância para mostrar novas paisagens. É com esse espírito aberto que a crítica pode reencontrar o seu caminho para o leitor comum.

(© Veja, 13.02.2008)
 

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