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''Tínhamos a Camorra nos vigiando''

20/12/2008

Foto: Divulgação

Gomorra
 

O ator Toni Servillo fala da dificuldade de participar de Gomorra, filme de Matteo Garrone em que protagoniza o mafioso Franco

Luiz Carlos Merten

Durante sua presença no Brasil, para participar do Festival do Rio, no começo de outubro, o diretor e roteirista italiano Gianni Di Gregorio falou bastante de sua parceria com Matteo Garrone, realizador do excepcional Gomorra, que estréia hoje, e também sobre o 'Leoncino' - o Leão de Ouro para melhor filme de diretor estreante - que recebeu no recente Festival de Veneza, por Pranzo in Agusto. Di Gregori teve, porém, mais um assunto para tratar com o repórter do Estado, que queria saber mais sobre Toni Servillo. "É o maior italiano vivo", talvez tenha exagerado um pouco o cineasta. "É um ator na tradição de figuras míticas do passado, como Marcello Mastroianni, Vittorio Gassman e Alberto Sordi, e num certo sentido os ultrapassa, porque nenhum possuía, como Toni, essa extraordinária capacidade de mudar, física e emocionalmente, para melhor servir ao personagem."

Quando se fala no revival atual do cinema italiano, a revalorização passa com certeza por dois autores de filmes que representaram a Itália no Festival de Cannes, em maio. Um deles foi justamente Gomorra, que Matteo Garrone adaptou do romance de não ficção de Roberto Savério, autor jurado de morte pelo crime organizado. O outro foi Il Divo, de Paolo Sorrentino, de quem Servillo é o ator fetiche, tendo interpretado, também, outras obras essenciais do autor, como As Conseqüências do Amor e O Amigo da Família. Ambos os filmes foram laureados em Cannes, um com o Grand Prix (Gomorra), o outro com o prêmio do júri (Il Divo), mas o prêmio que seria indiscutível - o de melhor ator para Servillo -, o júri presidido por Sean Penn preferiu atribuir ao Benicio Del Toro de Che, de Steven Soderbergh.

Júris são sempre imprevisíveis, fazem composições de prêmios, e, até quando acertam, é raro que não ocorra uma injustiça - uminha, que seja. Benicio Del Toro, que encerrou em alto estilo a Mostra de São Paulo, pode ser um astro e ter mais glamour do que Toni Servillo, mas melhor ator não é, com certeza. Gomorra é o indicado da Itália para concorrer a uma vaga no próximo Oscar. Pode até ser que consiga, mas é pouco provável que Servillo seja indicado para concorrer a melhor ator. Hollywood, com as exceções de praxe - a francesa Marion Cotillard foi melhor atriz no ano passado, por Piaf - Hino ao Amor, só consegue olhar para o próprio umbigo. Mas seria um caso elementar de justiça se Toni Servillo fosse pelo menos indicado entre os cinco.

Sendo diferentes em técnica e estilo - Gomorra é uma reportagem realista e violenta, na vertente de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles; Il Divo é uma representação elaborada, como costuma ser o cinema de Sorrentino, agora sobre o mundo da política -, ambos os filmes se completam e você terá oportunidade de confirmar isso quando, ou se, Il Divo também furar o bloqueio da distribuição e chegar às telas brasileiras. Gomorra trata das estruturas do poder no mundo do crime, mostrando como a Camorra, a Máfia napolitana, recruta seus integrantes e domina a cidade pela corrupção e pela violência. Gomorra trata de um poder paralelo, um fenômeno do submundo. Il Divo, cinematografia do ex-premier Giulio Andreotti, trata do poder no topo da pirâmide social e política.

Servillo consegue ser, com idêntica excelência, o persuasivo chefe criminoso de Gomorra e o político que encarava sua função como arte e a exercia com tanto virtuosismo que era chamado de 'divo'. O Servillo de Gomorra é mais próximo daquilo que o ator é, fisicamente. Sua composição é pesada em Il Divo, mas não mais do que a daquele usurário que interpretou no filme precedente de Paolo Sorrentino, O Amigo da Família. A questão é: quem é esse homem, um ator tão extraordinário e, ao mesmo tempo, tão pouco conhecido? Nascido em 1959 e irmão do músico Beppe Servillo, Toni freqüenta os palcos com a mesma desenvoltura como aparece na tela do cinema e da TV. No teatro, é também diretor (de montagens de textos clássicos e modernos). No cinema, a carreira tem apenas 16 anos, e seu primeiro papel importante foi em Morte di Um Matematico Napoletano, de Mario Martone. Na TV, o maior triunfo foi com Sabato, Domenica e Lunedi, adaptado da peça de Eduardo De Filippo.

Ele acaba de ganhar o troféu de melhor ator europeu do ano por seu papel como Franco, em Gomorra. Franco conduz o lucrativo negócio que consiste em transformar terras boas para agricultura em cemitérios para depósito de lixo tóxico. Andreotti, em Il Divo, exibe seu poder como num teatro. Franco esconde o jogo. Sua arte de criminoso consiste em ser discreto e ele parece um bom sujeito disposto a ajudar todo mundo.

Na coletiva de Il Divo, em Cannes, Servillo disse que, embora já tivesse trabalhado muitas vezes com Paolo Sorrentino, nunca, como neste filme, ele teve tanto a impressão de um (re)começo. "Filmamos com o entusiasmo de quem se iniciava na carreira, talvez porque o próprio personagem, embora muito conhecido, seja um intocável na Itália." Servillo documentou-se de todo material possível para fazer o seu Andreotti, mas chega um momento em que o ator tem de criar, não copiar. "Tentei fazê-lo humano, e cômico, mas evitando o risco da caricatura. Era o que Paolo (Sorrentino) me dizia o tempo todo - evitemos a caricatura." Depois de tantos dramas, ambos ensaiam fazer agora uma comédia que seja também uma forma de homenagem aos grandes do humor à italiana.

Embora seja napolitano, Servillo admite que não foi fácil fazer Gomorra. "Matteo (o diretor Garrone) filma somente em locações. Em todos os seus filmes, o cuidado com a escolha dos ambientes e a figuração faz parte de um método muito elaborado, por mais que seu realismo pareça espontâneo. No caso de Gomorra, tínhamos a Camorra de olho na gente, mas ao contrário de Savério (o escritor) eles perceberam que não estávamos documentando suas atividades e terminaram por nos deixar livres para filmar. O maior problema terminou sendo o dialeto. Matteo gosta de improvisar os diálogos, ele não apenas autoriza como incentiva os atores a se apropriarem das falas, para que fiquem mais verdadeiras. Eu próprio tive dificuldade para dominar o dialeto napolitano." O fato de ter sido lançado com legendas em italiano, não impediu que Gomorra fosse um grande sucesso de público no país e até no exterior. Gomorra concorre com Última Parada 174, de Bruno Barreto, outro filme sobre violência urbana, a uma vaga no Oscar. Em menos de um mês, saberemos qual dos dois - ou se ambos - vão disputar a estatueta dourada da Academia de Hollywood. A indicação mais merecida, a de Toni Servillo, esta parece improvável, mas... Quem sabe? O Oscar, afinal, não é, como se diz, uma caixinha de surpresas? 

Serviço
Gomorra (Gomorrah, Itália/2008, 137 min.) - Drama. Dir. Matteo Garrone. 18 anos. Cotação: Ótimo
 

(© Estadão)

 


ROBERTO SAVIANO

Ameaçado de morte pela Máfia, autor de 'Gomorra' diz que sua causa ganhou visibilidade

Rodrigo Fonseca

RIO - Com a cabeça a prêmio pela Camorra, a máfia napolitana, o jornalista e escritor Roberto Saviano, de 29 anos, autor de "Gomorra", encara as ameaças com coragem. Sua segurança pode ter crescido ao saber que o longa-metragem inspirado em seu romance-reportagem (recém-lançado pela editora Bertrand Brasil) vai representar a Itália na briga pelo Globo de Ouro de filme estrangeiro. Dirigida por Matteo Garrone, a produção, que estréia esta sexta-feira no Rio, ainda ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes. As vendas do livro, na ordem de dois milhões de exemplares, também são alentadoras. Mas, nesta entrevista por e-mail ao Globo, Saviano comemora outra vitória: sua causa se popularizou.

Apesar de ameaçá-lo pelas denúncias narradas em forma de romance por "Gomorra", a Máfia de Nápoles hoje vende DVDs piratas do filme de Matteo Garrone, do qual o senhor é co-roteirista. De que maneira o longa-metragem ampliou o debate do livro?

ROBERTO SAVIANO: Meu livro e o filme (que se concentra em apenas cinco dos vários núcleos de personagens do romance) são produtos muito diferentes entre si. E esta autonomia recíproca conserva a força dos dois, sem que um se sobressaia sobre o outro como vencedor. A atmosfera de detalhes que se respira no longa de Garrone é a mesma do livro. Ambos são marcados pela ausência de juízos morais e pelo desejo de catapultar nosso leitor ou espectador para o centro de um turbilhão de eventos que eles não gostariam de testemunhar. Uma morbidez sã cerca "Gomorra" em seu desejo de expor aquilo que, de cara, qualquer um repudia. O roteiro, com o qual pude colaborar, mistura-se ao que escrevi, mesclando as cores, os ruídos e as sensações da realidade. Parece um docudrama. Um documentário.

"Gomorra" expõe práticas das atividades da máfia e disseca com dados estatísticos sua importância para o florescimento da economia de Nápoles. Foram estes dados que o transformaram em um alvo vivo?

SAVIANO:O livro mostra que a Camorra oferece trabalho em nível local nas regiões onde se instala, o que lhe garante a aprovação dos habitantes. Estamos falando de uma organização que movimenta 150 milhões de euros por ano, contabilizando cerca de dez mil mortos anuais.

Falamos aqui de cinema e literatura em um momento em que corre o boato de que a Camorra quer a sua cabeça numa bandeja até o Natal. O que as ameaças que cercaram o livro lhe ensinaram sobre a morte?

SAVIANO: Cresci em um território onde as diferenças são resolvidas com armas. Antes de saber o que aprendi sobre morte, é mais urgente perguntar o que eu aprendi tendo nascido e crescido em um lugar como Nápoles. Essa seria a pergunta mais justa a ser feita. Essa realidade me ensinou a cultivar a desconfiança. "Gomorra" é a súmula das minhas experiências nesse sentido. As questões que hoje cercam o meu livro apenas afloram essas minhas vivências passadas.

A hipótese de ser morto a qualquer minuto o assusta?

SAVIANO: A morte me preocupa. Eu me preocupo em ter uma morte violenta. Isso faz com que eu sempre adote uma postura distanciada. A morte passou a fazer parte da minha vida. Mas ela é presente no dia-a-dia de qualquer um. Por enquanto, sinto que ela não me espreita de perto (o escritor anda acompanhado por seguranças onde quer que vá, incluindo sua passagem por Cannes, escoltada por agentes armados). Digo isso porque continuo a escrever, a fazer pesquisas com metodologias diferentes. Creio que esta seja a minha missão, o meu dever.

Omertà, o folclórico código de honra dos mafiosos, que impõe a lei do silêncio, ainda é válido para a Camorra dos anos 2000?

SAVIANO: Omertà é um código que será válido sempre, embora, como sugerem os dados que eu pesquisei, muitos mafiosos detidos nos últimos anos se propuseram a colaborar com a Justiça.

Visto por 500 mil espectadores na França, após ter virado fenômeno popular na Itália, "Gomorra", de Garrone, começa sua carreira internacional embalado em elogio de Martin Scorsese, que considerou a narrativa singular. Cotado para o Oscar de filme estrangeiro, o filme quebrou tabus cinematográficos em seu país?

SAVIANO: A Itália é a pátria da dublagem. A idéia de utilizar legendas no filme, para alcançarmos um formato bastante difuso no diálogo com o documentário, causou muita perplexidade. Mas isso vem mais de sua fidelidade ao real.

No filme, há histórias como a de dois marginais apaixonados por "Scarface", de Brian De Palma. Há ainda um chefão que dá uma aula sobre o papel da Camorra para as finanças da Itália. De que forma esses relatos pinçados do livro mudam a abordagem da violência?

SAVIANO: "Gomorra" foi um livro escrito em campo. Ele pode acrescentar aos estudos sobre crime organizado uma abordagem testemunhal. Mas a minha maior satisfação em relação ao livro é saber que ele ajudou a veicular as discussões sobre a Camorra fora de nossa região e fora do âmbito dos tribunais, das análises universitárias e das redações de jornal.

Com que referências literárias "Gomorra" dialoga?

SAVIANO: Entre os autores italianos, minhas referências literárias foram de Pier Paolo Pasolini (cineasta que escreveu livros de poesia como "Amado meu") a Leonardo Sciascia (autor de "O dia da coruja" e "A cada um o seu"). Também passei por Danilo Dolci ("Sicilian lives"), Vincenzo Consolo ("Il sorriso dell'ignoto marinaio"), Goffredo Fofi >ita<("Intocabili"), Ernesto Rossi ("Elogio della galera"), Primo Levi ("Os afogados e os sobreviventes"), Varlam Yalamov ("Grafite") e Anna Politkovskaia ("The dirty war"). Nos últimos anos, existem alguns livros aos quais eu me sito muito ligado, seja pelo argumento, seja pelo estilo: "Maximun City", de Suketu Metha, e "Beaufort", de Ron Leshem (cuja adaptação para o cinema concorreu ao Oscar de filme estrangeiro este ano).

A literatura brasileira hoje tem autores especializados na violência urbana como Ferréz ("Capão Pecado") e Julio Ludemir ("Rim por rim"). Há na Itália uma bibliografia farta sobre a Máfia?

SAVIANO: Existem muitos livros superficiais sobre a Camorra. Prefiro os romances de Anna Maria Ortese ("A iguana"), Giuseppe Montesano ("Di questa vita menzognera") e Raffaele LaCapria (roteirista de "Os bravos na arena", de Francesco Rosi) aos tratados técnicos que só têm utilidade para consulta e que esclarecem pouco a complexidade do fenômeno criminal. Um tratado que considero muito válido sobre a atividade do crime organizado foi escrito por Salvatore Lupo ("História da máfia - Das origens aos nossos dias", lançado no Brasil em 2002 pela editora da Unesp) e recentemente traduzido para o inglês.

Em Cannes, onde Gomorra foi classificado como uma mistura de "Z", de Costa-Gavras, com "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, o diálogo em que o mafioso Franco (Toni Servillo) descreve a dependência financeira de Nápoles pela Camorra arrancou palmas. Como é esse peso econômico?

SAVIANO: Graças aos ganhos com o tráfico de entorpecentes e ao contrabando de produtos diversos, incluindo materiais eletrônicos, a Camorra dispõe de capital para investir em empresas. Com suas ligações políticas, ela pode se envolver em empreitadas no mercado financeiro. Eis seu mecanismo, simples, mas útil.

(© O Globo)


Para Sophia Loren, italiano 'Gomorra' vencerá o Oscar

NÁPOLES - A atriz italiana Sophia Loren disse com convicção que o filme "Gomorra" (2008), do diretor Matteo Garrone e inspirado no best-seller homônimo do jornalista Roberto Saviano, irá vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2009.

"É um filme muito importante e tenho certeza que ele ganhará muitos prêmios. Eu votarei nele, é um belo filme, diz coisas, quer combater algo", falou a atriz, de 74 anos e vencedora de um Oscar.

"Gomorra", que retrata os meandros da Camorra (máfia napolitana), foi escolhido no último mês de setembro pela Associação Nacional de Indústrias Cinematográficas, Audiovisuais e Multimidiáticas (Anica) para representar a Itália na disputa pelas indicações ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

A produção, que estreou na Itália em maio deste ano, tem recebido criticas favoráveis da imprensa especializada e foi a vencedora do Grande Prêmio do Festival de Cannes.

Os cinco filmes estrangeiros que irão concorrer ao Oscar serão anunciados no próximo mês e a entrega do prêmio acontecerá no dia 22 de fevereiro de 2009, em Los Angeles, Estados Unidos.

(© O Globo)


Vídeo:

Trailer Gomorra

 

 

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