Beatriz Milhazes representou o Brasil, em Veneza, em 2003
Faltando meses para a mostra, país ainda não definiu sua representação
nacional
Escolha do curador e artistas deveria ocorrer com um ano de antecedência;
outros países com o próprio pavilhão já anunciaram curadorias
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil está atrasado na escolha de um curador e dos artistas que devem
ocupar o pavilhão do país na próxima Bienal de Veneza, que começa em junho
do ano que vem.
Enquanto boa parte dos países que têm um pavilhão próprio
no evento já anunciaram suas curadorias, nada se sabe até agora sobre a
representação brasileira, o que leva a um receio do mundo das artes de que
se repita a Bienal do Vazio do outro lado do Atlântico.
"A gente sempre tem um atraso fisiológico", lembra Jacopo Crivelli
Visconti, curador da Fundação Bienal de São Paulo, instituição responsável
pela representação nacional em Veneza desde 1994.
Representações nacionais importantes já anunciaram seus artistas: Shaun
Gladwell representa a Austrália; Mark Lewis, o Canadá; Claude Lévêque, a
França; Miquel Barceló, a Espanha; Liam Gillick, a Alemanha; Bruce Nauman,
os Estados Unidos; Steve McQueen, a Inglaterra -todos têm o próprio pavilhão
nos Giardini ao lado do espaço brasileiro, que, aliás, está pedindo reformas
urgentes para conter uma infiltração na laje e readequar a rede elétrica
insuficiente.
Última hora
"O correto é definir tudo um ano antes, mas eles avisam a gente com três
meses de antecedência", revela uma pessoa ligada à produção do pavilhão
brasileiro em Veneza. E não foi diferente nas quatro últimas edições da
mostra na Itália: artistas foram convidados em cima da hora, tendo pouco
tempo para elaborar seus projetos.
Segundo galeristas dos artistas representados em outras edições, não há
verbas para o transporte aéreo e sempre houve o risco de que as obras, que
viajam de navio, não chegassem a tempo a Veneza.
"Eles estão atrasados", diz o curador da atual Bienal de São Paulo, Ivo
Mesquita. "É de novo aquela coisa de, na última hora, sair correndo."
A situação se arrasta desde 2004, quando foi quebrada a tradição de que o
curador da Bienal de São Paulo, quando escolhido, faça primeiro o pavilhão
nacional em Veneza antes de assumir a curadoria da mostra no Brasil. No
caso, Alfons Hug havia concluído a 26ª Bienal de São Paulo, mas, como não
havia sido escolhido o próximo curador, acabou tocando mais uma
representação brasileira em Veneza, a de 2005.
O mesmo se repetiu em 2006, quando Lisette Lagnado concluiu a 27ª Bienal
e Ivo Mesquita ainda não havia sido eleito curador da Bienal atual. Numa
medida que evitou que Lagnado fosse a curadora do pavilhão brasileiro em
Veneza, a Bienal de São Paulo criou o cargo de curador da fundação, hoje
ocupado por Jacopo Crivelli Visconti, que se encarregou da última
representação nacional em Veneza.
Visconti garante, no entanto, que não será ele o próximo curador, apesar
de não saber quem fará o trabalho. Ele descarta também a possibilidade de
Ivo Mesquita assumir a representação nacional, embora ele já tenha feito uma
delas.
"O ideal é que o próximo curador da Bienal daqui seja o curador de
Veneza, é como a gente gostaria que fosse", diz Visconti. "Estamos atrasados
em relação a alguns países e adiantados em relação a outros", lembra ele.
Nos bastidores, há pressão do Ministério das Relações Exteriores e do
Ministério da Cultura para que seja indicado logo o curador do pavilhão.
Até agora, no entanto, a expectativa da fundação é que a definição só
venha em fevereiro de 2009, quando faltarão quatro meses para a mostra.
Muito já se falou e publicou sobre esta que ficou conhecida como a Bienal do
Vazio, que deixou vazio um andar inteiro do prédio da Bienal. Prós e contras
à parte, acho mesmo que já é hora de deixarmos a discussão sobre essa Bienal
e voltarmos o foco para outra questão: o pavilhão do Brasil na próxima
Bienal de Veneza, que será inaugurada em 4 de junho de 2009. Afinal, essa
Bienal de São Paulo já está vazia mesmo, falem o que quiserem, mas a
oportunidade de "enchê-la" já era, passou.
O problema premente agora é outro e, se não o encararmos imediatamente,
perigamos perpetuar um conceito e apresentarmos em Veneza o "Pavilhão do
Vazio". Vamos lá. Para quem não sabe, a Bienal de São Paulo foi fundada em
1950 nos moldes da Biennale di Venezia, cujo formato inclui uma mostra
coletiva central ladeada por pavilhões nacionais, onde diversos países
apresentam por conta própria um ou mais artistas.
Aqui em São Paulo, isso acabou com a 27ª Bienal, quando a curadora
Lisette Lagnado e seus co-curadores aboliram as representações nacionais
optando pelo coletivismo geral -criando assim um modelo mais contemporâneo
para a Bienal de São Paulo, que foi seguido nesta atual edição. A Bienal de
Veneza, por sua vez, mantém o modelo e lidera o ranking das grandes bienais
de arte até os dias de hoje.
Retrógrada ou não, fato é que hordas de amantes da arte voam para Veneza
a cada dois anos para ver a Bienal, fazendo filas que serpenteiam ao redor
dos pavilhões de países como EUA, Alemanha e Inglaterra.
Convite-roubada
Sob o intenso sol italiano de junho, artistas, curadores, críticos e
colecionadores de arte contemporânea (boa parte deles vestidos de preto como
se estivessem no asfalto urbano de Nova York) circulam de um pavilhão ao
outro vendo, vivenciando e comentando a arte apresentada por cada país.
E é nesse momento que a história vai se reescrevendo nas páginas da arte
contemporânea; são nos pavilhões de Veneza que os gênios se afirmam, os
talentos se confirmam, sucesso e fama se propagam. Uma boa apresentação em
Veneza pode render o resto da carreira de determinado artista. Assim como
uma má apresentação pode ser fatal.
No total, 29 países mantêm pavilhões nos Giardini em Veneza. Existem
outros, mas estes estão fora da área nobre dos Giardini. É claro que o
Brasil não deixaria por menos: mantém seu pavilhão ali, de arquitetura
moderna e com piscina nos fundos, próximo ao pavilhão de Israel.
E é aí que começam nossos problemas: o pequeno prédio está sedento por
uma reforma já há algumas edições da Bienal, perderam-se as letras que
diziam "Padiglione Brasile". A não ser que o governo brasileiro -através da
Fundação Bienal de São Paulo que é a instituição responsável pela
representação nacional na Bienal de Veneza- tenha patrocinado a tal reforma
de 2007 para cá, as condições do nosso Pavilhão em junho de 2009 deverão
estar ainda piores. Bem deprê.
Mas a batata quente mesmo é a arte. Cadê ela, o que esperar da arte de
nosso país em Veneza? Até o momento, nem todos os países indicaram seus
artistas, mas ao menos anunciaram os curadores/comissários responsáveis pela
seleção dos artistas. O Brasil, nem isso.
Mesmo que se anunciem curador esta semana, e que este faça convite
oficial ao artista na semana que vem, já seria o chamado "convite-roubada".
Imagine a pressão: o pobre do artista irá representar o seu país na maior
das bienais mundiais, mas terá menos de quatro meses para ter uma grande
idéia, propor e conseguir aprovação da mesma por parte do curador, captar
boa parte do dinheiro para sua produção (pois, como sabemos, a Fundação
Bienal não tem sido exatamente eficaz na captação de recursos) e produzir a
obra.
Digo menos de quatro meses porque tudo terá que estar finalizado até
meados de março, pois certamente não haverá fundos para um transporte aéreo
e a obra deverá seguir de navio do porto de Santos até a bela Venezia,
cumprindo uma via sacra de cerca de dez semanas entre os primeiros papéis
requeridos pela burocracia brasileira e o aporte em solo ítalo.
Tudo isso com a seguinte pressão extra: nosso querido artista estará
competindo (sim, a Bienal de Veneza é uma competição que premia os melhores
pavilhões) com artistas do calibre de um Bruce Nauman, que representará os
EUA. Enfim, seja o que Deus quiser.
MÁRCIA FORTES é jornalista e sócia da galeria
Fortes Vilaça