"Terra Vermelha" enfoca conflitos entre fazendeiro e índios e
entre os próprios guaranis; "Garage Olimpo" também é lançado
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Há uma tensão no ar em "Terra Vermelha" desde a primeira
seqüência, em que turistas estrangeiros em passeio pelo Mato
Grosso do Sul encontram o prêmio que, supõe-se pelo interesse
demonstrado, já pagou a viagem: a proximidade com um grupo de
índios, postados imóveis à margem do rio como modelos de uma
tela.Os selvagens românticos que interpretam naquele momento,
em plena comunhão com a natureza e sem vínculos com a sociedade
de consumo, parecem corresponder a uma idéia -não exclusiva de
gringos- de como são as populações indígenas no século 21 e o
que oferecer a elas, de forma superior e paternalista.
Não demora muito, contudo, para que a cena inicial se
explique, bem ao modo ambíguo e conflituoso do Brasil no início
do terceiro milênio. E, assim como entram na trama, os
guaranis-kaiowá criados pelo diretor Marco Bechis e pelo
roteirista Luiz Bolognesi vão permanecer até o final, mais
complexos do que sugerem mesmo as leituras simpáticas a eles.
Em vez de reiterar o fato de que são vítimas históricas de
brancos gananciosos e inescrupulosos, o filme prefere avançar um
ponto, na crença de que já não seria mais preciso lembrar o
óbvio, levando o espectador ao epicentro de uma crise de valores
que pertence ao país, e que o destino das populações indígenas
ajuda a iluminar.
É o que também faz, à sua maneira, o híbrido "Serras da
Desordem" (2006), de Andrea Tonacci, documentário com elementos
de ficção. "Terra Vermelha", como um longa de ficção que
trabalha elementos do documentário, preocupa-se mais com a
encenação e a costura de dramas.
Ao recorrer a guaranis-kaiowá da própria região para formar o
elenco, encaminha-se muito bem o primeiro aspecto.
Já a dramaturgia adota a estratégia de núcleos paralelos:
embora o conflito por terras entre índios e um fazendeiro
(Leonardo Medeiros) faça o filme caminhar, há uma série de
outros conflitos, principalmente entre os próprios índios, a
enriquecer o conjunto.
Bastaria "Terra Vermelha" para atestar o interesse do
italiano Bechis -que, nascido no Chile, viveu também no Brasil,
na Argentina, nos EUA e na França- por temas espinhosos de seu
tempo, mas a impressão será reforçada pelo lançamento de "Garage
Olimpo" (1999), seu segundo longa, só exibido por aqui no
circuito de festivais.
A exemplo do que também faria em seguida com "Filhos" (2001),
Bechis foi motivado por experiências pessoais na Argentina.
Olimpo é o nome de uma oficina mecânica que funcionava como
fachada, nos anos 70, para os serviços de repressão da ditadura,
uma macabra central de recepção e despacho de presos políticos.
O suspense do destino de quem passa por ali captura a atenção
do público enquanto diversos personagens paralelos são
apresentados e o cotidiano segue, em sua terrível banalidade,
por uma sombria Buenos Aires. No fim, como em "Terra Vermelha",
a sensação de incômodo é profunda e duradoura.
TERRA VERMELHA
Produção: Brasil/Itália, 2008
Direção: Marco Bechis
Com: Leonardo Medeiros
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo
GARAGE OLIMPO
Produção: Argentina/Itália, 1999
Direção: Marco Bechis
Com: Antonella Costa
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom
(©
Abril)
Questão indígena ganha
destaque no filme "Terra Vermelha"
Co-produção entre o Brasil e a Itália
que concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2008, "Terra Vermelha",
de Marco Bechis, é um drama ficcional que tem muito de documental
Reuters Co-produção entre o Brasil e a Itália que concorreu ao Leão de
Ouro no Festival de Veneza em 2008, "Terra Vermelha", de Marco
Bechis, é um drama ficcional que tem muito de documental, ao
retratar os dilemas dos índios guarani-kaiowás do Mato Grosso do
Sul em sua luta por território.
O filme entra em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e
Mato Grosso do Sul (Campo Grande e Dourados).
O lançamento de "Terra Vermelha" serviu de estímulo para que
também o mais conhecido filme anterior do diretor, "Garage
Olimpo" (1999), inédito comercialmente no Brasil até agora,
fosse também colocado no cinema, só que apenas em São Paulo.
O roteiro de "Terra Vermelha", escrito em parceria pelo chileno
Bechis e o brasileiro Luiz Bolognesi ("Chega de Saudade"),
apoiou-se em pesquisas realizadas no Mato Grosso do Sul, que
elegeram os guarani-kaiowás não só como seu tema, como também
seus atores. Boa parte do elenco provém das comunidades dessa
nação indígena nos arredores de Dourados (MS), onde se situaram
a maior parte das locações.
A história começa com a crise provocada pelo suicídio de duas
jovens índias, devido ao desespero de uma aldeia confinada a um
território extremamente limitado, sem opções econômicas ou
profissionais para os seus habitantes.
Atrás de uma saída, o cacique Nádio (Ambrósio Vilhalva) resolve
guiar seu povo para a retomada de seu território tradicional, ao
lado do rio, que há décadas foi ocupado por grandes
latifundiários da região.
A ocupação dos índios, embora pacífica, causa reação num
fazendeiro (Leonardo Medeiros, de "Feliz Natal"). A princípio,
ele conversa com os índios, mas não está disposto a tolerar sua
presença. Enquanto não se decide a uma medida mais violenta,
coloca para vigiá-los um capataz (o ator italiano Claudio
Santamaría).
O personagem que melhor simboliza o conflito interno dos
indígenas é o jovem xamã Osvaldo (Abrísio da Silva Pedro). De um
lado, ele se sente tentado pelo suicídio. De outro, é chamado a
assumir seu papel de liderança dentro do grupo que, por se
tratar de uma função sagrada, exige que ele evite o sexo.
Uma opção difícil, não só por sua idade, mas pela aproximação
das duas filhas adolescentes do fazendeiro, anunciando outra
ameaça de choque com o mundo branco.
No elenco, destaca-se também outro brasileiro, Matheus
Nachtergaele ("O Auto da Compadecida", como o agenciador Dimas.
Além deste filme, o ator atuou recentemente numa outra produção
internacional, o filme venezuelano "La Virgen Negra", de Ignácio
Costillo Cottin, exibido na 32a. Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo.
(©
Folha de S. Paulo)
|