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Filme lança olhar ambíguo sobre índios

28/11/2008

Fotos: Divulgação

Matheus Nachtergaele vive o agenciador Dimas, que explora a miséria dos índios da região
 

"Terra Vermelha" enfoca conflitos entre fazendeiro e índios e entre os próprios guaranis; "Garage Olimpo" também é lançado

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Há uma tensão no ar em "Terra Vermelha" desde a primeira seqüência, em que turistas estrangeiros em passeio pelo Mato Grosso do Sul encontram o prêmio que, supõe-se pelo interesse demonstrado, já pagou a viagem: a proximidade com um grupo de índios, postados imóveis à margem do rio como modelos de uma tela.

Os selvagens românticos que interpretam naquele momento, em plena comunhão com a natureza e sem vínculos com a sociedade de consumo, parecem corresponder a uma idéia -não exclusiva de gringos- de como são as populações indígenas no século 21 e o que oferecer a elas, de forma superior e paternalista.

Não demora muito, contudo, para que a cena inicial se explique, bem ao modo ambíguo e conflituoso do Brasil no início do terceiro milênio. E, assim como entram na trama, os guaranis-kaiowá criados pelo diretor Marco Bechis e pelo roteirista Luiz Bolognesi vão permanecer até o final, mais complexos do que sugerem mesmo as leituras simpáticas a eles.

Em vez de reiterar o fato de que são vítimas históricas de brancos gananciosos e inescrupulosos, o filme prefere avançar um ponto, na crença de que já não seria mais preciso lembrar o óbvio, levando o espectador ao epicentro de uma crise de valores que pertence ao país, e que o destino das populações indígenas ajuda a iluminar.

É o que também faz, à sua maneira, o híbrido "Serras da Desordem" (2006), de Andrea Tonacci, documentário com elementos de ficção. "Terra Vermelha", como um longa de ficção que trabalha elementos do documentário, preocupa-se mais com a encenação e a costura de dramas.

Ao recorrer a guaranis-kaiowá da própria região para formar o elenco, encaminha-se muito bem o primeiro aspecto.

Já a dramaturgia adota a estratégia de núcleos paralelos: embora o conflito por terras entre índios e um fazendeiro (Leonardo Medeiros) faça o filme caminhar, há uma série de outros conflitos, principalmente entre os próprios índios, a enriquecer o conjunto.

Bastaria "Terra Vermelha" para atestar o interesse do italiano Bechis -que, nascido no Chile, viveu também no Brasil, na Argentina, nos EUA e na França- por temas espinhosos de seu tempo, mas a impressão será reforçada pelo lançamento de "Garage Olimpo" (1999), seu segundo longa, só exibido por aqui no circuito de festivais.

A exemplo do que também faria em seguida com "Filhos" (2001), Bechis foi motivado por experiências pessoais na Argentina. Olimpo é o nome de uma oficina mecânica que funcionava como fachada, nos anos 70, para os serviços de repressão da ditadura, uma macabra central de recepção e despacho de presos políticos.

O suspense do destino de quem passa por ali captura a atenção do público enquanto diversos personagens paralelos são apresentados e o cotidiano segue, em sua terrível banalidade, por uma sombria Buenos Aires. No fim, como em "Terra Vermelha", a sensação de incômodo é profunda e duradoura.

TERRA VERMELHA
Produção: Brasil/Itália, 2008
Direção: Marco Bechis
Com: Leonardo Medeiros
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo

GARAGE OLIMPO
Produção: Argentina/Itália, 1999
Direção: Marco Bechis
Com: Antonella Costa
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom

(© Abril) 

 


Questão indígena ganha destaque no filme "Terra Vermelha"

Co-produção entre o Brasil e a Itália que concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2008, "Terra Vermelha", de Marco Bechis, é um drama ficcional que tem muito de documental

Reuters

Co-produção entre o Brasil e a Itália que concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2008, "Terra Vermelha", de Marco Bechis, é um drama ficcional que tem muito de documental, ao retratar os dilemas dos índios guarani-kaiowás do Mato Grosso do Sul em sua luta por território.

O filme entra em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Mato Grosso do Sul (Campo Grande e Dourados).

O lançamento de "Terra Vermelha" serviu de estímulo para que também o mais conhecido filme anterior do diretor, "Garage Olimpo" (1999), inédito comercialmente no Brasil até agora, fosse também colocado no cinema, só que apenas em São Paulo.

O roteiro de "Terra Vermelha", escrito em parceria pelo chileno Bechis e o brasileiro Luiz Bolognesi ("Chega de Saudade"), apoiou-se em pesquisas realizadas no Mato Grosso do Sul, que elegeram os guarani-kaiowás não só como seu tema, como também seus atores. Boa parte do elenco provém das comunidades dessa nação indígena nos arredores de Dourados (MS), onde se situaram a maior parte das locações.

A história começa com a crise provocada pelo suicídio de duas jovens índias, devido ao desespero de uma aldeia confinada a um território extremamente limitado, sem opções econômicas ou profissionais para os seus habitantes.

Atrás de uma saída, o cacique Nádio (Ambrósio Vilhalva) resolve guiar seu povo para a retomada de seu território tradicional, ao lado do rio, que há décadas foi ocupado por grandes latifundiários da região.

A ocupação dos índios, embora pacífica, causa reação num fazendeiro (Leonardo Medeiros, de "Feliz Natal"). A princípio, ele conversa com os índios, mas não está disposto a tolerar sua presença. Enquanto não se decide a uma medida mais violenta, coloca para vigiá-los um capataz (o ator italiano Claudio Santamaría).

O personagem que melhor simboliza o conflito interno dos indígenas é o jovem xamã Osvaldo (Abrísio da Silva Pedro). De um lado, ele se sente tentado pelo suicídio. De outro, é chamado a assumir seu papel de liderança dentro do grupo que, por se tratar de uma função sagrada, exige que ele evite o sexo.

Uma opção difícil, não só por sua idade, mas pela aproximação das duas filhas adolescentes do fazendeiro, anunciando outra ameaça de choque com o mundo branco.

No elenco, destaca-se também outro brasileiro, Matheus Nachtergaele ("O Auto da Compadecida", como o agenciador Dimas. Além deste filme, o ator atuou recentemente numa outra produção internacional, o filme venezuelano "La Virgen Negra", de Ignácio Costillo Cottin, exibido na 32a. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

(© Folha de S. Paulo)
 

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