SÃO PAULO - Uma seleção de sete filmes exibidos na última edição
do mais antigo festival de cinema do mundo, o de Veneza, que
existe desde 1932, ganham projeção grátis em duas salas de
cinema de São Paulo a partir desta quinta-feira. Seis deles são
inéditos. Além das novidades, a mostra traz ao Brasil uma cópia
restaurada de "A estratégia da aranha", um clássico dirigido por
Bernardo Bertolucci em 1970.
A 64ª edição do mais famoso festival italiano aconteceu entre
os meses de agosto e setembro deste ano e apresentou cerca de
sessenta longas-metragens. Em São Paulo, no Cine Bombril e no
Centro Cultural São Paulo, o público pode conferir uma amostra
do melhor do cinema italiano da atualidade. Na abertura da
mostra, intitulada Venezia Cinema Italiano, estarão presentes
Luigi Cuciniello, diretor do setor cinematográfico da Bienal de
Veneza, e o ator Luigi Lo Cascio, protagonista de "Il dolce e
l'amaro (O doce e o amargo).
Confira abaixo os filmes que fazem parte da programação e
lembre-se de retirar seu ingressso com uma hora de antecedência.
Il doce e l'amargo (O doce e o amargo)Vinte
anos da vida diária de um mafioso, Saro Scordia, da juventude à
maturidade. Uma viagem através da existência doce e amarga de um
homem que fez a escolha errada. Um grande amor, rebelde, que
subverte tudo. A normalidade cotidiana do mal contra a
"banalidade do bem". Quinta, dia, 21h, no Cine Bombril, e
domingo, dia 25, 20h30, no Centro Cultural São Paulo.
Non pensarci (Não pense nisso)Stefano
Cardini toca desde os cinco anos e do conservatório acabou aos
poucos transformando-se em um pequeno star do punk rock
independente. Mas os tempos de suas fotos nas capas das revista
já se passaram e agora, aos trinta e seis anos, olha ao seu
redor: toca com jovens endemoniados de vinte anos, não tem
namorada nem cama onde dormir, restou-lhe apenas uma guitarra e
um carro com portas que não se abrem. Chegou o momento de
procurar proteção, de retornar à família que não vê há muito
tempo, de refletir. Mas em casa encontra tudo mudado. Quinta,
dia 22, 20h30, no Centro Cultural São Paulo, e domingo, dia 25,
21h, no Cine Bombril.
L'ora di punta (O horário de pico)Filippo
Costa, jovem fiscal da receita, de classe social modesta,
alimenta uma enorme ambição que o distancia de seus colegas e da
sua origem. A princípio, pensa em fazer carreira dentro do
trabalho que escolheu, mas depois, quando deve enfrentar
diretamente a corrupção, entende que pode mirar muito mais alto.
Na sua irresistível ascensão social, ele é ajudado por Caterina,
uma mulher mais velha do que ele, bela, culta, elegante, muito
rica e muito apaixonada. Graças a ela, Filippo entra em contato
com o mundo das altas finanças e começa a escalada. Mas para não
ser esmagado pelas cínicas regras daquele mundo, Filippo é
obrigado a abandonar qualquer resíduo de escrúpulo moral e
humano. Sexta, dia 23, 21h, no Cine Bombril, e sábado, dia 24,
20h30, no Centro Cultural São Paulo.
Valzer
Este
filme foi feito em um único plano de seqüência. Mesmo as partes
em flashback não interrompem o fluxo contínuo da narração
principal porque são simultâneas a ela. A Valsa [Valzer] do
título é tocada em cena por um pequeno conjunto musical que dá o
andamento musical da história. Em uma hora e meia (o tempo da
projeção coincide com o da ação) a vida de duas pessoas muda de
modo definitivo: nos andares inferiores de um grande hotel, na
área de serviço, uma jovem camareira e um homem estão em uma
situação que coloca em crise qualquer identidade e certeza. A
história de Assunta, de Lucia e de seu pai: um pai que acredita
ter encontrado sua filha depois de vinte anos de ausência, mas
na verdade encontra uma mulher desconhecida que assumiu sua
identidade. Ao mesmo tempo, nos andares superiores, dirigentes
de clubes de futebol representam a si mesmos no cinismo e na
sofreguidão de seus gestos, procurando entender, e conter, o
vendaval do escândalo que se abateu sobre eles. As duas
histórias seguem paralelas e em certo momento irão encontrar-se,
causando um curto-circuito dramático. O plano de seqüência une
as histórias e sub-histórias em uma única, e aparentemente leve,
valsa que, dessa forma, torna-se um tipo de atordoamento. Terça,
dia 27, 21h, no Cine Bombril, e quarta, dia 28, 20h30, no CCSP.
Hotel MeinaO filme é baseado em fatos reais
narrados em um livro de Marco Nozza. Um grupo de seis judeus
italianos, provenientes da Grécia, está hospedado no Hotel
Meina, de propriedade de Giorgio Benar, um judeu com passaporte
turco, ou seja, cidadão de um país neutro. Depois de 8 de
setembro, dia do armistício entre Itália e os Aliados, uma
divisão da SS chefiada pelo comandante pelo comandante Krassler
chega a Meina. Dois jovens namorados, Noa Benar e Julien Fendez,
são violentamente separados pelo brutal aparecimento dos
nazistas. Os judeus são enclausurados no hotel e começa uma
semana de expectativas, terror e esperança. Segunda, dia 26,
21h, no Cine Bombril, e terça, dia 27, 20h30, no Centro Cultural
São Paulo
La ragazza del lago (A garota do lago)São
oito da manhã quando Marta, comendo uma rosquinha, está voltando
para casa depois de ter dormido na casa de uma tia. Um furgão
pára: Mario, um rapaz com deficiência mental, convence-a a ir
com ele para seu sítio. Logo é dado o alarme, Marta tem só seis
anos. Na cidadezinha chega o comissário Sanzio, um policial
experiente, transferido há pouco tempo para aquela região
afastada. Siboldi, seu colega mais jovem, morador do local,
torna-se seu guia, inclusive para apresentar as ligações
familiares e afetivas da pequena comunidade. Os dois,
acompanhados por Alfredo, fiel colega de Sanzio dos tempos da
delegacia de homicídios, são obrigados a ficar na cidade pois
outro crime está para acontecer; um crime nascido, seguramente,
dentro de uma das famílias da cidade, fruto de uma ligação
afetiva ou sentimental. Todos os que Sanzio encontra e interroga
podem ser os potenciais assassinos. O comissário envolve-se
nessa história de maneira insólita. Até mesmo sua família é
atingida por um grande sofrimento que acontece paralelamente à
investigação. Sexta, dia 23, 20h30, no Centro Cultural São
Paulo, e sábado, dia 24, 21h, no Cine Bombril.
A estratégia da aranha (La strategia del ragno)
Athos Magnani, que tem o mesmo nome do pai, chega a Tara,
povoado da bassa padana, para investigar a morte de seu pai.
Para os habitantes de Tara, Athos pai é um herói da luta contra
o fascismo, que havia sido morto porque preparara, com outras
pessoas, um atentado terrorista contra Mussolini. O jovem Athos
encontra Draifa, a amante oficial do pai, e três amigos dele,
além de um dos inimigos, o latifundiário e ex-fascista, Agenore
Beccaccia, acusado, entre outras coisas, de ser o responsável
pelo assassinato do pai. Quarta, dia 28, 21h, no Cine Bombril e
quinta, dia 29, às 20h30, no Centro Cultural São Paulo.
Venezia Cinema Italiano III - Mostra
gratuita de cinema italiano - Data: de 22 a 29 de novembro.
Local: Cine Bombril e Centro Cultural São Paulo. Grátis. Espaço
Bombril (retirada de ingressos para o dia na bilheteria a partir
das 20 horas). Av. Paulista 2.073 - Conjunto Nacional. Centro
Cultural São Paulo (retirada de ingressos para o dia na
bilheteria a partir das 19h30 horas). Rua Vergueiro, 1000 -
Paraíso
(©
O Globo)
O festival
continua em outras quatro cidades brasileiras: Rio de
Janeiro (Cine Odeon), Brasília (Cine Brasília), Curitiba
(Cineplex Batel) e Recife (Fundação Joaquim Nabuco).
“O
Festival de Veneza é como uma safra de vinhos”
Para o diretor de um dos
mais importantes festivais de cinema do mundo, a greve
dos roteiristas nos Estados Unidos comprometeu a
qualidade dos filmes produzidos no ano passado. Para
ele, a crise econômica pode ter o mesmo efeito negativo
no ano que vem
Foto:
Gisela Anauate/Época
Para Luigi Cuciniello,
diretor de cinema do Festival de Veneza, o evento
não se tornou mais "hollywoodiano": "Como o festival
acontece em setembro, tem uma posição importante no
calendário de estréias na Europa, mas não está muito
americanizado"
A Bienal de Veneza realiza um
dos festivais de cinema mais importantes do mundo. É ali que
os grandes cineastas fazem suas estréias de gala e onde se
anuncia o cobiçado Leão de Ouro, o prêmio de melhor filme. O
de 2008, divulgado em setembro, foi para The Wrestler,
do americano Darren Aronofsky. "O Festival de Veneza é como
uma safra de vinhos", diz o diretor de cinema da Bienal,
Luigi Cuciniello. "Há anos bons e anos ruins. A safra de
2008 foi interessante, mas não linda". Alguns exemplares
dessa safra "interessante" aportam agora no Brasil, durante
o Venezia Cinema Italiano. O evento é promovido pela Bienal
de Veneza e pela Embaixada da Itália no Brasil, passando por
cinco cidades (São Paulo, Rio, Brasília, Curitiba e Recife)
de 25 de novembro a 13 de dezembro (confira aqui a
programação aqui). Todos os sete filmes que serão exibidos
são produções italianas. Segundo Cuciniello, este é um dos
objetivos do festival: divulgar o cinema italiano pelo
mundo, que está todo sob a influência esmagadora de
Hollywood. Ele falou a ÉPOCA por telefone, do escritório da
Bienal de Veneza, na Itália.
ÉPOCA – Após 65
edições, qual o papel do Festival de Cinema de Veneza
hoje?
Luigi Cuciniello – O Festival de Veneza foi o
primeiro evento importante de cinema. Ele começou em
1932, e depois vieram os festivais de Cannes, de Berlim,
etc. A importância do Festival de Veneza hoje é a
tradição que ele representa e a qualidade da seleção de
filmes que ele apresenta. E há o Leão de Ouro, que é um
dos prêmios mais importantes de cinema do mundo.
ÉPOCA – Que
critérios são usados para selecionar os filmes? O
que um filme precisa ter para ser exibido em Veneza?
Cuciniello – É uma pergunta muito difícil
de responder (risos). Se falarmos de critérios
objetivos, podemos citar primeiro o caráter de
estréia mundial. Na última edição do festival, todos
os filmes eram inéditos na Europa e nos Estados
Unidos. O filme de abertura, Queime depois de
Ler, dos irmãos Coen, não havia passado em
lugar nenhum. O momento de estréia em Veneza é
importante para o futuro do filme, na crítica, no
público e na mídia. A diferença de Veneza para os
outros festivais é a qualidade da seleção e dos
autores dos filmes. Não temos uma necessidade de
vender os filmes, como acontece em Cannes ou Berlim.
Nosso objetivo único é passar filmes de qualidade.
ÉPOCA – Por
que os festivais de Cannes e Berlim têm um
caráter mais de mercado?
Cuciniello – A projeção de Cannes e
Berlim no cenário internacional está ligada ao
mercado de cinema. Em Veneza, não precisamos nos
preocupar com os estúdios que não têm seus
filmes indicados aos prêmios, por exemplo. A
logística também é diferente. Berlim é uma
grande capital da Europa e Cannes é uma cidade
importante no turismo e nos negócios. Já Veneza
é uma cidade turística muito seleta e especial.
O público também se torna seleto. Além do mais,
o evento é promovido pela Bienal de Veneza, que
é uma instituição que organiza as famosas
mostras de arquitetura e de artes visuais. Tudo
isso faz o prestígio do festival de cinema.
ÉPOCA – Alguns
críticos dizem que o Festival de Veneza se
tornou mais “hollywoodiano”, com uma grande
presença do cinema americano. O que acha
disso?
Cuciniello – (Risos) Nããão... Temos
uma importância nos Estados Unidos, por
causa das estréias mundiais. Como o festival
acontece em setembro, ele tem uma posição
importante no calendário de estréias na
Europa, por exemplo. Mas não acho que o
festival de Veneza esteja muito
americanizado.
ÉPOCA – No
texto de apresentação do último
festival, o diretor Marco Muller escreve
que "cinema também é entretenimento".
Cuciniello – Um grande festival
é arte e entretenimento. O cinema é uma
indústria, tem aspectos artísticos e
questões de negócios também. Tentamos
balancear essas duas características.
ÉPOCA – O
senhor acredita que essa dupla face
do festival é algo novo? Ou sempre
foi assim?
Cuciniello – O filme que
abriu o primeiro festival de Veneza,
em 1932, foi um longa-metragem
americano, Dr. Jeckyll e Mr.
Hyde, de Rouben Mamoulian. É a
melhor resposta à sua pergunta: já
se uniam as duas coisas. No início,
o objetivo do festival era mostrar
que o cinema era uma nova arte.
Estávamos no começo do século, e
isso não estava claro para todo
mundo. Mas o cinema sempre foi
ligado aos negócios e à indústria. A
Bienal de Veneza está atenta a isso.
Por essa razão, fazemos atividades
como a mostra Venezia Cinema
Italiano no Brasil. Buscamos
promover o cinema italiano pelo
mundo. Como o Festival de Veneza é
muito conhecido, podemos ajudar a
divulgar o cinema italiano. Não é
algo orientado só pelos negócios,
mas pelo diálogo cultural.
ÉPOCA – Os cineastas
brasileiros falam da dificuldade
de emplacar um filme nacional na
competição principal do
festival, que dá o Leão de Ouro
de melhor filme. Por que isso
acontece?
Cuciniello – As coisas
mudam com o passar dos anos. No
início do festival, o critério
para escolha dos filmes que
entrariam para a competição
principal era geográfico. Havia
um filme para a Rússia, um para
a Espanha, dois para os Estados
Unidos, um para a América do
Sul... Nos últimos dez ou 15
anos, o critério se tornou
apenas baseado na qualidade e no
diretor do filme. Isso também
mudou nos festivais de Berlim e
Cannes. É importante dizer que
esse critério geográfico não era
algo formal, mas o que chamamos
em italiano de "non detto". Não
era algo expresso. O problema da
seleção agora varia conforme os
anos. O Festival de Veneza é
como uma safra de vinhos. Há
anos bons e anos ruins para os
filmes.
ÉPOCA – A última
edição foi uma boa safra?
Cuciniello – Foi
uma safra interessante, mas
não linda. Vi as seleções de
Cannes e Berlim e foi a
mesma coisa. Não estava um
ano muito bom para filmes.
Tivemos a greve dos
roteiristas no início do ano
nos Estados Unidos. No ano
que vem, provavelmente
teremos mais problemas com a
crise econômica, sobretudo
para os filmes que não
começaram a ser produzidos
ainda. Por outro lado, este
foi um bom ano para o cinema
italiano. Tivemos
Gomorra, por exemplo,
que ganhou o prêmio
principal em Cannes.
ÉPOCA – O senhor
falou de como o cinema
mudou nos últimos anos.
Qual a principal mudança
que o senhor nota nos
filmes europeus?
Cuciniello – O
cinema europeu caminha
em duas direções. Uma
delas é a dos grandes
autores, que seguem uma
tradição de cinema de
arte. Outra é a dos
filmes mais comerciais e
populares. Mas esses
filmes não são
exportados, pois não têm
o poder do cinema
comercial americano, que
consegue chegar ao mundo
inteiro.
ÉPOCA – Isso
é bom ou ruim para o
cinema europeu?
Cuciniello
– Não sei (risos). O
"american way" está
muito presente no
imaginário de todos
nós. Nos anos 60, os
diretores italianos
tinham uma
influência muito
forte no mundo.
Havia Fellini,
Visconti, Antonioni.
Para nós, essa
influência agora é
impossível. Para
tanto, é preciso ter
o dinheiro que os
Estados Unidos têm.
(©
Época)
|