Retornar ao índice ItaliaOggi

   

Notizie d'Italia

   

 

Nanni Moretti lida com a dor da perda em 'Caos Calmo'

03/10/2008

Divulgação

Cena do filme 'Caos Calmo'
 

Diretor e ator vive um executivo que, após a morte repentina da mulher, começa a agir de forma estranha

Alysson Oliveira, da Reuters

SÃO PAULO - Nos últimos anos, o diretor e ator italiano Nanni Moretti criou uma marca registrada em seu cinema, combinando cinismo, humor e reflexão. Embora ele não dirija Caos Calmo, que estréia em São Paulo nesta sexta-feira, 3, é possível encontrar a força do seu cinema nesse longa, até porque o filme traz Moretti como protagonista e co-roteirista.    

Caos Calmo é baseado no livro homônimo de Sandro Veronesi e as comparações entre este filme e O Quarto do Filho - um dos mais famosos de Moretti - são inevitáveis. Mas as duas obras lidam com a perda de formas diferentes.

Aqui, Moretti é Pietro Paladini, um executivo cuja mulher repentinamente morre no exato momento em que ele e o irmão Carlo (Alessandro Gassman) salvam duas mulheres que se afogavam numa praia. O protagonista fica preocupado com a filha pequena, Claudia (Blu Yoshimi), que parece não reagir diante da tragédia. Ele também tem uma reação estranha e não desabou em lágrimas.

Quando começam as aulas da menina, Pietro promete que não sairá da frente da escola enquanto ela estiver lá. O que parece ser uma promessa de brincadeira se torna real. O executivo não vai trabalhar e fica postado num banco de um parque, observando as pessoas - em especial as mães - enquanto a filha estuda. Um dia se transforma em dois.

E assim começa uma nova rotina na vida de Pietro, que todos os dias se posta à frente da escola. Familiares e amigos ficam preocupados e tentam convencê-lo de que deve voltar ao trabalho e deixar de lado esse comportamento surreal. Mas, aos poucos, eles o procuram por outros motivos: Pietro se torna uma espécie de conselheiro.

As pessoas querem lhe contar os seus problemas, querem sugestões de como agir e se comportar diante do caos que se instalou em suas vidas. Ele também começa a prestar atenção em uma bela jovem que sempre passeia com seu cachorro pelos arredores.

O diretor Antonello Grimaldi poderia facilmente cair num sentimentalismo barato e transformar Caos Calmo num vale de lágrimas de tristeza ou redenção - mas ele evita todas as armadilhas. Um menino, portador de Síndrome de Down, por exemplo, com quem Pietro interage, se torna o catalisador para o autoconhecimento do protagonista e sua relação com os outros.

Pela primeira vez desde Três Vidas e uma Só Morte (1996), Moretti apenas atua e não dirige um filme. Aqui, ele é a alma e o coração da história, unindo os pequenos dramas que lhe são contados, e tentando lidar com seu próprio problema, sendo pai e mãe da filha ao mesmo tempo.

Ganhador de três prêmios David Di Donatello (música, canção original e ator coadjuvante para Gassman), Caos Calmo causou certa polêmica na Itália, quando lançado no início do ano, por conta de uma cena de sexo. Talvez a discussão nem seja pela cena em si - que tem muito pouco de explícita - mas pela figura de Moretti, que é visto como uma espécie de Woody Allen italiano, cujos filmes falam muito sobre sexo, mas não mostram nada. No entanto, no contexto do filme, o momento não é gratuito e diz muito sobre os personagens.

(© Estadão)

 


Caos Calmo, um estudo sobre o luto

Filme italiano tem Nanni Moretti no papel principal, o de um viúvo que passa a se ocupar inteiramente de sua filha pequena

Crítica Luiz Zanin Oricchio

O título - Caos Calmo - evoca uma possível contradição. Como pode um caos ser calmo? De que maneira estabelecer serenidade em uma situação de desordem? O filme, baseado no romance homônimo de Sandro Veronesi, tenta mostrar que não existe tanta incompatibilidade assim entre esse substantivo e esse adjetivo, e que uma estranha calma pode ser uma reação possível a uma situação caótica.

É bom que se diga, de entrada, que o filme, dirigido por Antonio Luigi Grimaldi, segura-se muito na interpretação de Nanni Moretti - aqui num papel dramático, mas sempre, segundo sua tendência, com algumas linhas de humor na costura final. Ele faz Pietro, executivo que, um dia, salva uma mulher que estava se afogando numa praia (Isabella Ferrari). Acontece que, enquanto Pietro praticava a sua boa ação, longe dali, a sua própria esposa morria, diante da filha, de um mal súbito. Quando volta à casa de veraneio onde a família passava férias, Pietro a encontra caída no chão, a filha inconsolável. Como resultado, Pietro deve administrar um luto bastante imprevisto em casal relativamente jovem e tem de assumir a responsabilidade paterna junto à filha em tempo integral.

Essa é a maior situação de estranheza, e que dá força à história. Pietro deseja tornar-se tão próximo da filha que praticamente abandona o trabalho, passa a levá-la à escola e fica à sua espera sentado num banco em frente do colégio.

Boa parte do filme se desenrola nesse ambiente - na pracinha defronte à escola, onde Nanni trava conhecimento com o vendedor de jornais, com a garota bonita que passeia com o cachorro, com o dono do restaurante onde faz as refeições, etc. Cria-se uma microssociedade. É lá também onde vão encontrá-lo as pessoas que têm assuntos a tratar com ele - sua cunhada (Valeria Golino), com quem teve um caso no passado, colegas da multinacional onde trabalha, e até o poderoso chefão da empresa, uma ponta de Roman Polanski.

Não se pode negar que o filme tenha qualidades. Consegue certa intensidade emocional nesse singular trabalho de luto a que se submete o personagem. Pois é bem disso que se trata, afinal. Pietro está traumatizado pela morte da esposa e sua vida entra em colapso; ao mesmo tempo, procura controlar-se, não demonstrar sentimentos, na esperança de que assim livre a filha de sofrimento. Em meio a essa salada de sentimentos, procura dar uma ordenação à vida. Na verdade, busca uma ordem total, na forma de dedicação integral à criança. Controla-se para que ela não sofra com a perda da mãe. Sem perceber que, sem o sofrimento, também o trabalho de luto, de que falava Freud, não pode ser realizado.

O luto comporta uma certa expiação, mesmo uma determinada culpa, por irracional que ela seja. Por exemplo, a garota Claudia (Blu di Martino) reprova o pai porque ele não estava em casa no momento em que a mãe passa mal, e termina morrendo. Ora, Pietro estava na praia, ali perto, em companhia do irmão (Alessandro Gassman) e, inclusive, salvava uma vida. Era algo assim: uma vida pela outra. Só que Pietro resgatava a vida de uma estranha e não de sua mulher e mãe de sua filha. Tudo isso é irracional, mas as culpas desse tipo também não são racionais. Quem for buscar a "lógica" da história terá de levar esses fatos em consideração. Não somos seres racionais. Pelo menos não inteiramente. Pietro é um exemplo disso. E tenta administrar a subversão interna que experimenta com um máximo de controle. Tenta conter o caos e manter-se calmo.

É pena que essa proposta inteligente sirva-se, muitas vezes, de situações próximas ao melodrama para, supostamente, tornar-se mais intensa ou emotiva. O filme poderia dispensar-se desses recursos. E orientar-se pela intuição de Nanni Moretti para esse tipo de coisa, mesclando mais humor e discrição aos tons pesados do enredo. Acontece que, nesse caso, Nanni era o ator e não o diretor.


Serviço
Caos Calmo (Itália/ 2008, 112 min.) - Drama. Direção Antonello Grimaldi. 12 anos.
Cotação: Bom

(© Estadão)

Publicidade

Pesquise no Site ou Web

Google
Web ItaliaOggi

Notizie d'Italia | Gastronomia | Migrazioni | Cidadania | Home ItaliaOggi