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Propensa a reabilitar em parte o fascismo, Itália reforma cidades construídas sob Mussolini

03/10/2008

O centro de Latina, vista no Google Earth
 

Philippe Ridet
Em Latina (Itália)


Todos eles concordam com o seguinte ponto: "Há dez anos ainda, a nossa iniciativa teria sido impossível". Na sexta-feira, 26 de setembro, em Latina (na região do Lácio, no centro do país), um grupo de quinze prefeitos e de adjuntos para assuntos culturais está reunido numa pequena sala da sede da província. Eles vieram de Alghero, Aprilia, Pontinia, Sabaudia, Foggia... O que os motiva a participarem deste encontro incomum? Um protocolo de acordo que eles se preparam para assinar, por meio do qual cada um deles se compromete a "trabalhar em prol da valorização do patrimônio arquitetônico e ambiental das cidades italianas de fundação".

O termo "cidades de fundação" designa na Itália um projeto urbano que foi implantado num território virgem, ou quase. Algumas cidades tais como Pienza (Toscana) ou Sabbioneta (Lombardia), por exemplo, surgiram durante o Renascimento. Mas aquelas que são objetos do protocolo de Latina foram fundadas ou reestruturadas por Benito Mussolini (1883-1945) durante o período do "Ventenio" fascista, ou seja, aquela vintena de anos (1922-1943) durante a qual o "Duce" reinou sobre a Itália.

Essas cidades são ao mesmo tempo o orgulho e o calvário desses eleitos, sejam eles de direita ou de esquerda. No total, existem 143 delas, segundo um levantamento realizado pelo escritor Giovanni Pennachi que lhes dedicou um livro - "Viaggio per le città del Duce" (Viagem pelas cidades do Duce), editora Laterza -. Todas elas carregam como um grande peso morto a idéia de serem a representação arquitetônica da "ordem" fascista, com as suas largas avenidas que conduzem até a sede da prefeitura, a igreja, o quartel e até uma "casa del fascio" (uma das sedes políticas do fascismo).

Contudo, as "città di fondazione" do período fascista também constituem exemplos de uma arquitetura moderna, ambiciosa e, sob muitos aspectos, utópica. Nelas, os seus planejadores tentaram construir uma ponte entre a Roma antiga e as contribuições do Bauhaus, buscando evitar as influências do Renascimento e do Barroco, períodos estes que o Duce considerava como decadentes. Para tanto, eles lançaram mão da simplificação das linhas e da gramática arquitetônica da Antiguidade, e buscaram racionalizar os deslocamentos: "A arquitetura racionalista" também foi motivada por bons sentimentos.

Implantadas, em sua maior parte, em terras que foram conquistadas sobre pântanos, os quais foram então drenados (num processo que foi chamado de "bonificação"), ou ainda, confiscadas dos latifundiários, essas cidades foram colonizadas pelos mais pobres dos habitantes da Península, muitos dos quais eram oriundos da região do Vêneto. Por meio de uma simples sobreposição do mapa das áreas que foram atingidas pela epidemia de malária durante os anos 1920 com aquele da implantação dessas cidades, é possível compreender porque as "città di fondazione" também constituíram uma resposta para um problema de saúde pública, além de uma tentativa para tirar a Itália do subdesenvolvimento.

O que fazer então com este patrimônio dotado de conotações ambíguas? Abandoná-lo aos nostálgicos das camisas pretas (usadas pelos militantes fascistas)? Enterrá-lo nos mais profundos rincões da sua má-consciência? Na opinião de Augusto di Lorenzo, um adjunto para assuntos culturais da prefeitura de Aprilia, uma cidade situada e cerca de sessenta quilômetros ao sul de Roma, trata-se de "oferecer raízes para aqueles habitantes que estejam em busca de uma identidade". O contexto, contudo, é bastante peculiar. Isso porque um vento revisionista, instigado por uma parte da população que ainda vê com bons olhos certos aspectos do fascismo, está soprando sobre a Itália. Liderado por Gianni Alemanno, o atual prefeito de Roma, ou ainda por Ignazio La Russa, o ministro da Defesa - ambos os quais são membros do partido Aliança Nacional -, este movimento visa a reabilitar o fascismo, tentando absolvê-lo das suas realizações mais condenáveis (as leis raciais, por exemplo).

Fica difícil, nessas condições, para os promotores desta iniciativa, tentar fugir da pergunta colocada pelo historiador de arte Giorgio Pellegrini no prefácio do catálogo de uma exposição que foi realizada em Latina, em 2005: "Será ainda possível ler a arquitetura das cidades de fundação a partir de um ponto de vista renovado, sem sentir o peso das tragédias que se desenrolaram atrás das fachadas de cada um desses edifícios?", indagava o autor, para então convidar os interessados a superarem os preconceitos "contra essas cidades, hoje consideradas como novas, onde aquela síndrome ideológica já pode ser dada como extinta".

Os dois principais redatores da Carta de Latina (que em momento algum menciona o nome de Benito Mussolini), o adjunto para questões de urbanismo de Predappio (de esquerda), e o assessor para assuntos culturais da província de Latina (de direita), não oferecem as mesmas respostas para esses questionamentos. Na opinião do primeiro, Giorgio Frassineti, "a história condenou o fascismo. No momento atual, trata-se de promover um patrimônio arquitetônico importante, e nada mais do que disso".

Mostrando-se mais ambíguo, o segundo, Fabio Bianchi, explica que daqui para frente "a nossa maneira de enxergar o fascismo mudou, e as condições de serenidade já estão reunidas para julgar. Este regime não vivenciou apenas momentos negros". Por enquanto, os eleitos que integram esse movimento decidiram se unir em torna desta causa comum e já estão vislumbrando as multidões de turistas desembarcando dos ônibus para visitarem as artérias das suas cidades, e partindo à descoberta deste patrimônio um tanto constrangedor.

No que vem a ser um sinal dos tempos, nenhuma polêmica veio perturbar esta iniciativa. Bem que o diário "La Stampa" tentou promover um debate em torno da questão, abrindo suas colunas para o especialista Antonio Pennacchi, para quem "os projetos do fascismo eram melhores que aqueles de Massimiliano Fuksas", um arquiteto famoso na Itália atual. Mas a tentativa não deu em nada. Ninguém reagiu à provocação. Entrevistado pela reportagem do "Le Monde", Fuksas recusou-se a alimentar qualquer polêmica: "Não existe nenhum estilo fascista específico, mas sim, apenas uma arquitetura moderna. Muitos chegaram a confundir o arquiteto com o fascista. Esta mistura de historicismo e de Bauhaus era praticada por pessoas cultas".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

(© UOL Mídia Global/Le Monde)

 

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