"No estúdio de Copacabana, quando vi o projeto pela primeira vez - era setembro de 2000 - fiquei sem palavras". É assim que o sociólogo italiano Domenico De Masi descreve a emoção que teve ao ver o projeto do Auditorium de Ravello, presenteado por Oscar Niemeyer à cidade italiana, graças à amizade dos dois. Situada na costa amalfitana, numa escarpa sobre o Mediterrâneo, Ravello, com seus 2.500 habitantes, se estende por sete quilômetros. Ao longo dos séculos, a beleza natural e as vilas esplêndidas tornaram o balneário um dos locais de veraneio preferidos de intelectuais como Wagner, Escher, Virginia Wolff e, recentemente, o escritor Gore Vidal, vizinho de De Masi. Apenas agora - sete anos depois da gênese do projeto - as obras do Auditorium começaram, após uma longa polêmica envolvendo intelectuais, arquitetos e organizações ambientalistas italianas. Catedrático de sociologia da universidade La Sapienza (Roma), De Masi é autor do polêmico O ócio criativo. Velho amigo do Brasil e de Niemeyer, o italiano veio ao Rio para a comemoração dos 100 anos do arquiteto na Casa das Canoas, em São Conrado. E conversou com o JB sobre sua relação com Niemeyer. O que representa o dia de hoje? Como pode-se medir a importância de Niemeyer, que chega aos 100 anos? - Niemeyer não é somente um dos maiores arquitetos do nosso tempo. É um mito. Influenciou a arquitetura mundial durante 70 anos. Seus amigos - Kubitschek, Sartre, Portinari, Villa-Lobos, Fidel Castro, Chico Buarque - são nomes ligados à cultura brasileira e mundial. Trabalhou com Le Corbusier, Lúcio Costa, Burle Marx. Foi ferrenho opositor da ditadura militar, que terminou o exilando. Durante o exílio na França, De Gaulle aprovou uma lei que permitia que Niemeyer pudesse assinar projetos naquele país. Projetou uma cidade-capital e outros 600 prédios e, no entanto, sempre viveu modestamente. Encerra em si mesmo as virtudes do povo brasileiro: a solidariedade, o sincretismo, a sensualidade, a alegria, a criatividade. Quando nasceu a amizade entre você e o Niemeyer? Como é conviver com um criador da estatura dele? - Queríamos muito conhecer um ao outro, então meu editor brasileiro fez a ponte. Aconteceu num domingo, há alguns anos, em seu estúdio na Avenida Atlântica. Ficamos bons amigos de imediato. Toda vez que vou ao Rio, passo por lá ao meio-dia, almoçamos, conversamos até o pôr-do-sol. A sala fica num entra-e-sai de gente que pára e participa da conversa; discute-se arte, política, arquitetura, estética. Mas o assunto sempre deriva para as diferenças gritantes entre ricos e pobres no Brasil e no mundo. O dia de Niemeyer é assim, um entra-e-sai de amigos. De repente ele se levanta, começa a desenhar novos projetos. Para minha sorte, tive grandes mestres e amigos geniais, mas, de todos, Niemeyer é o que mais mensagens conseguem passar. De onde surgiu a idéia de convidá-lo para projetar o auditório de Ravello? - O (jornalista) Roberto D'Ávila estava de férias em Ravello. Era o verão de 2000 e numa conversa o prefeito confidenciou que era imperativo ter um espaço multifuncional para as artes, a música, o cinema. A cidade encomendara um projeto a um arquiteto conhecido, mas o valor era alto. Roberto sugeriu que eu pedisse ao Niemeyer; ele, por nossa amizade, faria um esboço. Niemeyer é muito generoso, sempre me presenteia com desenhos, mas dessa vez tratava-se do projeto de um edifício complexo. De volta ao Brasil, um dia, no estúdio de Niemeyer, Roberto mencionou o auditório de Ravello. E em menos de três meses ele desenhou o prédio, detalhado posteriormente durante 18 meses. Qual foi o contato de Niemeyer com Ravello? Ele chegou a estudar a região em pessoa? - Não, ele não gosta de viajar de avião. Muitos de seus projetos são elaborados através de fotos e desenhos. Foi muito exigente; mandamos inúmeras plantas do local, sondagens geológicas da encosta, filmes. Quis ver tudo: a bela vista do Mediterrâneo, o mar, os monumentos, as praças, as ruas. No fim, ele conhecia mais sobre Ravello do que eu. Como foi elaborada a documentação do projeto? - Niemeyer é velho artesão, habituado a projetos internacionais nos mínimos detalhes, assinou todos os documentos e escreveu uma carta de autoria. E os arquitetos e a opinião pública na Itália? Como reagiram ao projeto? - Os maiores arquitetos e estudiosos de arquitetura foram, desde o início, muito entusiásticos. Os obstáculos, porém, foram criados pela Italia Nostra, uma associação ambientalista antiga e forte, que já conseguiu, anos atrás, vetar até uma obra de Le Corbusier, em Veneza. O projeto criou um debate e hoje é conhecido em toda a Europa. Foi uma luta, mas, no referendo para sua construção, a maioria dos cidadãos de Ravello votou a favor. As grandes associações ambientalistas o apoiaram, tivemos a solidariedade de grandes intelectuais italianos e a prefeitura foi incansável. A obra começou, é um milagre. Agora que foi aprovado, como o senhor se sente? - Só um gênio já na maturidade poderia criar algo tão belo, de uma simplicidade tão surpreendente. Imaginei essa obra-prima, criada por esse gênio universalmente respeitado, como uma jóia arquitetônica a ser visitada e admirada durante séculos. Ravello se sente honrada.
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