Ao traçar panorama histórico, Alceu aborda o peso dos cinema-novistas sobre a atual geração de cineastas brasileiros Francisco Quinteiro Pires
Em 2004, a parceria entre pesquisadores brasileiros, italianos, franceses e ingleses para estudar o cinema brasileiro resultou no livro Alle Radici del Cinema Brasiliano, publicado pela editora da Universidade de Salerno. Além de promover um intercâmbio entre estudiosos, o objetivo da publicação era apresentar a leitores italianos um panorama da história do cinema brasileiro, das produções pioneiras, passando pelas chanchadas e cinema novo, até as realizadas depois do governo Collor.
Filmes autorais e comerciais são contemplados, segundo o professor da Universidade de Milão e organizador do livro, Gian Luigi de Rosa, que parafraseia o crítico de cinema Paulo Emilio Salles Gomes, pois “todo filme brasileiro, feio ou belo que seja, tem a potencialidade de nos fazer compreender mais um pouco da complexidade deste enorme universo humano chamado Brasil”.
A fim de mostrar aos brasileiros as reflexões contidas na edição original em italiano, a Alceu - revista semestral de comunicação, cultura e política da PUC-Rio - decidiu publicar os ensaios no número 15 (de julho a dezembro de 2007), com o tema Raízes e Veredas do Cinema Brasileiro. Ela retirou dois artigos do livro italiano, por terem versões já publicadas no País, e acrescentou quatro novos, entre eles Humanizadores do Inevitável, de Ismail Xavier.
O professor da USP aponta Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz, como um marco, por promover uma mudança de tom - “a pauta até 2002 havia acentuado o comportamento destrutivo de figuras reduzidas à impotência ou atores de uma violência decomposta, fora do lugar. Agora, o confronto do protagonista com a opressão não gera o auto-envenenamento pois os traços do ressentimento estão ausentes da figura”, ele escreve. Homossexual negro mergulhado num universo de discriminação, Madame Satã luta para se afirmar como sujeito e o faz sem romantização ou sublimação. Ismail aborda outros longas-metragens recentes, como Cidade de Deus, Ônibus 174, Carandiru, Bicho de Sete Cabeças, etc., para mostrar como a temática e os personagens criados por eles têm a sua função de humanizadores do inevitável, que pode ser tanto a barbárie como a globalização.
Enquanto Ismail Xavier ilumina pontos de inflexão e de renovação no cinema brasileiro contemporâneo, Eryk Rocha argumenta em A Exaustão da Normalidade que a geração atual de cineastas, tachada de “cinema novinho”, é desmemoriada, produz um cinema “satisfeito, sem angústia formais, sem medo, sem sabor”, cuja intenção é reconciliar-se com o público e agradar ao mercado. Os “ímpetos criativos” e a “função contestatória” se submetem à abordagem pasteurizada, tímida e inconseqüente e à retórica e estética dos grandes números e dos cifrões. Para fugir dessa situação, Rocha defende o papel repensado do Estado como interventor do destino cultural do País e o diálogo entre tecnologias digitais e a herança estética do cinema autoral realizado nos anos 1960 e 1970.
Gian Carlo de Rosa discorda de Eryk Rocha e ressalta o dilema em que se meteu a cinematografia produzida desde meados dos anos 1990. Os cineastas olham hipnotizados para o passado; o peso do Cinema Novo ainda é massacrante. “O cinema brasileiro vive um eterno complexo edípico: Glauber Rocha é o contínuo ponto de referência, a eterna fonte de onde tirar nova linfa, o pai que se quer igualar e recusar.” A despeito dos críticos, somente o tempo dirá se os filmes brasileiros contemporâneos estão mesmo deixando a casa paterna.
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Estadão) |