Com Balada Branca, o cineasta italiano Stefano Odoardi investe na observação da vida e na flexibilidade da tristeza
Ubiratan Brasil
Uma viagem cinematográfica sobre o isolamento, a decadência e o amor - eis um resumo, por certo, vago demais para definir Balada Branca, do italiano Stefano Odoardi, que tem hoje sua última exibição na Mostra. Trata-se, na verdade, de uma obra que se constrói a partir do sentimento do espectador, principalmente aquele disposto a encarar longas cenas de poucos movimentos, em que a ação é trocada pela observação; o diálogo, pela introspecção; a beleza fugaz, pela harmonia eterna.
'Construí meu filme interiormente, a partir de sensações, ruídos, lembranças', conta Odoardi, que veio a São Paulo como convidado da Mostra. 'É meu primeiro longa, portanto, decidi utilizar os recursos criativos que me são caros.' Basicamente, o filme conta a história de um casal de octogenários que se prepara para a morte, finalizando uma relação que perdura há mais de 50 anos. 'Aparentemente, eles já vivem separados, pois suas ações acontecem como se o outro já não estivesse presente.'
Se o casal de velhinhos praticamente não interage entre si, a história conta ainda com duas crianças, que brincam juntas, e de uma narradora, que apresenta o espaço onde a trama acontece, uma belíssima fatia do sul da Itália, como Abruzzo, Fontecchio e Bomba. 'São lugares onde vivi e que raramente são utilizados como locações para filmes', conta Odoardi que, com exceção da atriz que vive a narradora, trabalhou apenas com amadores.
Sua intenção era contar com pessoas que vivessem e conhecessem bem a região, de forma a facilitar a interação. Os idosos, por exemplo, são, de fato, um casal e, ao contrário do que se vê na tela, são pessoas extrovertidas e muito comunicativas. 'Conversamos muito antes do período de filmagem para que eles entendessem o espírito da história. E, na fase de rodagem, aproveitei suas improvisações, muito valiosas.'
Esse é, na verdade, o estilo de filmar de Odoardi. O roteiro praticamente se resume a uma série de intenções, que serão desenvolvidas no set de filmagem. Como gosta de cenas externas, depende também da luz natural, o que resumiu alguns dias a apenas duas horas de trabalho. Finalmente, o som e a música - ciente de sua importância, Odoardi preserva não apenas os ruídos ambientes como encomendou uma belíssima trilha a Carlo Crivelli, cujo tom operístico complementa a mensagem de finitude da história, acentuando, inclusive, o título do filme, que se estende como uma balada.
O resultado é uma pequena jóia que, tal qual uma requintada iguaria culinária, tem de ser desfrutado com calma e delicadeza. Nada da aspereza e falta de fôlego que marca o cinema fast-food - é como um poema em que nenhum detalhe tem menor importância.
Odoardi sabe que viaja na contramão da indústria cinematográfica, mas luta para recuperar o prestígio da arte em seu país. 'Atualmente, o cinema acabou na Itália: figuras como Silvio Berlusconi transformaram a televisão na principal fonte de diversão das pessoas', critica ele, que se inspirou em grandes gênios, como Antonioni, para construir sua formação cinematográfica. 'O resultado é que somos obrigados a conviver com programas sem nenhum nível como os reality shows.'
Por conta disso, ele consegue financiamento na Holanda, onde também vive. São projetos de baixo orçamento, mas que privilegiam a arte.