Documentário revela a personalidade
de Mastroianni
23/12/2006
Mastroianni em cena do filme A Doce Vida
Marcello - Uma Vida Doce, de Mario Canale e Annarosa Morri, usa
depoimentos e cenas de filmes para compor um retrato do mais
charmoso dos atores italianos
Luiz Carlos
Merten
SÃO PAULO -
Pouco antes de morrer, em 1996, Marcello Mastroianni já havia sido tema
de um documentário realizado por sua mulher, Anna Maria Tatò. Eu me
Lembro, Sim, Eu me Lembro construía-se sobre lembranças do próprio
Marcello. Agora, um outro documentário sobre o mais charmoso dos atores
italianos chega aos cinemas. Chama-se Marcello - Uma Vida Doce e
foi dirigido por Mario Canale e Annarosa Morri.
O fio condutor é uma
entrevista que ele deu a Antonello Branca, em 1965, acrescida de
material de arquivo (com Luchino Visconti, Federico Fellini e Pietro
Germi) e novas entrevistas realizadas com suas duas filhas, Barbara e
Chiara Mastroianni, além de personalidades que com ele conviveram, como
as atrizes Claudia Cardinale e Anouk Aimée e o diretor Ettore Scola. O
resultado é magnífico e ainda apresenta momentos que as circunstâncias
tornaram especiais.
Marcello - Uma Vida Doce, assim
chamado para buscar a aproximação com A Doce Vida, o clássico de
Fellini, de 1960, que deu projeção internacional ao ator que já tinha
uma década de carreira, traz o que talvez seja o último depoimento de
Phillippe Noiret, morto no mês passado. Lembrando os filmes que fizeram
com Marco Ferreri (A Comilança e Touchez pas la Femme Blanche),
Noiret quase chora ao lembrar o ator que, para ele, foi o maior de
todos. Vários outros depoimentos apontam na mesma direção, mas a
multiplicidade de vozes somente confirma que cada pessoa comporta várias
faces.
Mastroianni era preguiçoso. Buscava a
essência do personagem, mas não decorava os diálogos, dando-se, por isso
mesmo, particularmente bem com Fellini, que fez Oito e Meio sem
roteiro, lembra a Cardinale. Não é o que diz Giuseppe Tornatore, que o
dirigiu em Estamos Todos Bem. Ele se lembra de Mastroianni sempre
pelos cantos, estudando o papel. Sua lendária preguiça era uma máscara,
por trás da qual se escondia, sugere o narrador do filme, o ator Sergio
Castellitto. Um cara que fez 150 filmes, como Marcello, não pode ser
preguiçoso.
Emerge assim o retrato de um ator que,
como poucos, encarnou um mito - o do italiano sedutor, o do macho
latino, embora ele próprio se considerasse ‘seduzido’, mais do que
‘sedutor’. Era viril, claro, mas não brutamontes, e um de seus grandes
papéis foi o gay de Um Dia muito Especial, de Scola. Era belo e
elegante, mas sua mãe reclamou de Scola que o tornara feio, sujo e
malvado em Ciúme à Italiana, pelo qual recebeu seu primeiro
prêmio de melhor ator em Cannes, no começo dos anos 70 (houve outro por
Aqueles Olhos Negros, de Nikita Mikhalkov, nos 80).
Vemos o jovem
Marcello com Sophia Loren, parceira e amiga, mas os depoimentos mais
tocantes são das filhas, que o revelam desde o interior. Ele defendia
seu direito à privacidade amava, e esta é uma descoberta interessante,
os sapatos e os telefonemas. A música de Armando Trovajoli, que criou
para Marcello o musical Rudy, sobre Rodolfo Valentino, vira
personagem, comentando o texto e as aparições do ator. No conjunto, o
filme parece despedir-se de um mundo e um cinema que não existem mais.
Marcello - Uma Vida Doce (98
min.) - Livre. Cotação: Bom