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Nagyvary e o violino que
fabricou com sua fórmula secreta |
Estudo do bioquímico e violinista Joseph Nagyvary mostra que madeira dos
instrumentos foi quimicamente tratada
Marília Juste, do G1, em São Paulo
O segredo por trás dos lendários violinos
Stradivarius não é magia, segundo um pesquisador
húngaro, mas química. Entusiasta do assunto, Joseph
Nagyvary, de 72 anos, estudou a composição da
madeira dos instrumentos e concluiu que ela passou
por um tratamento químico antes de ser esculpida.
Segundo o cientista, isso pode ajudar na fabricação
de peças modernas.
Bioquímico por formação, Nagyvary já passou por
universidades da Hungria, da Suíça e da Inglaterra.
Sua paixão por violinos começou aos 22 anos de
idade, quando teve a oportunidade de ter lições de
música em um instrumento que havia pertencido a
Albert Einstein. Anos depois, ao chegar aos Estados
Unidos e assumir a função de professor de Bioquímica
da Universidade A&M, no Texas, em 1968, ele
resolveu, por hobby, começar a investigar mais a
fundo a composição química de sua grande paixão. Sua
missão: descobrir porque os instrumentos feitos por
um garoto italiano semi-analfabeto no século XVIII
são tão incomparavelmente superiores aos demais --
mesmo àqueles feitos quase trezentos anos depois.
Em seu estudo, publicado na revista “Nature”
desta semana, Nagyvary analisou lascas de madeira de
cinco instrumentos, retirados quando eles precisaram
passar por pequenos consertos. Dois deles eram de
Antonio Stradivari, um violino de 1717 e um
violoncelo de 1731. Um era um violino do também
reconhecido mestre italiano Guarnieri del Gesu,
feito em 1741. Os dois demais eram um violino do
francês Gan-Bernadel, de 1840, e uma viola do inglês
Henry Jay, de 1769.
“O mais difícil foi conseguir as amostras de
madeira dos instrumentos, que são considerados
antiqüidades”, contou Nagyvary, ao G1.
O cientista teve um duro trabalho para convencer os
restauradores que cuidam dos antiquários que guardam
os violinos. “Não culpe a ciência por não sabermos
mais sobre a composição de um Stradivarius.
Precisamos de mais amostras autênticas de madeira, e
elas são controladas pelos restauradores. O
progresso dos estudos depende de eles decidirem se
vão cooperar ou se vão continuar a ignorar nossos
pedidos”, reclama o pesquisador.
Mesmo com o pouco que conseguiu, no entanto,
Nagyvary fez descobertas impressionantes. Por meio
de ressonância magnética e técnicas que utilizam
raios infravermelhos, o cientista concluiu que a
madeira dos violinos feitos por Stradivari e del
Gesu foi tratada quimicamente para preservá-los, o
que acabou aumentando seu poder musical.
O tratamento, de acordo com o pesquisador,
ocorreu antes da madeira ser esculpida em um violino
e foi resultado de uma prática comum na região da
Itália onde Stradivari e del Gesu viviam. Os
instrumentos da França e da Inglaterra, assim como
os violinos modernos, não demonstram sinais de terem
passado por um processo do tipo.
Outro aspecto químico importante, que, para o
cientista, influenciou a lenda dos Stradivarius, foi
o verniz utilizado. Para Nagyvary, a composição
complexa do revestimento indica que um químico
especializado esteve envolvido. Por maior
“sacrilégio” que pareça, o cientista acredita que
Stradivari não tinha uma fórmula secreta própria.
Stradivari não tinha, mas Nagyvary tem. A partir
de seu estudo, ele desenvolveu um tratamento químico
específico para a fabricação dos instrumentos. “Essa
descoberta redireciona completamente as técnicas
modernas de se fabricar um violino”, diz ele. “Com
ela, passamos dos esforços tradicionais de
alterações geométricas para modificações químicas.”
Para provar o que diz, e que sua fórmula
funciona, o cientista fabricou um instrumento e o
colocou para ser avaliado por especialistas, em
2003. O violinista reconhecido mundialmente Dalibor
Karvay tocou tanto o violino de Nagyvary quanto um
Stradivarius de 300 anos, avaliado em US$ 5 milhões,
atrás de uma cortina, para que não fossem
identificados. Uma platéia composta tanto por
músicos profissionais quanto por leigos que
apreciavam música clássica julgou a performance de
cada um dos instrumentos. E, surpreendentemente, o
violino de Nagyvary, esculpido em apenas seis
semanas, ganhou a votação. Por pouco, mas ganhou.
Mesmo com o reconhecimento dos músicos, no
entanto, Nagyvary ainda retém a ira dos antiquários.
Segundo o cientista, seus “inimigos” não gostam da
idéia do segredo de Stradivarius ser químico. “Eles
preferem manter o mito -- e o preço -- dos violinos
antigos”, diz o pesquisador.
É por isso, portanto, que a fórmula secreta de
Nagyvary deve continuar secreta. A bronca dos
antiquários ainda não passou. “Minha fórmula é minha
propriedade e não tenho interesse nenhum em
dividi-la com quem não fez nenhuma contribuição para
o meu trabalho”, afirma. Pena.
(©
G1)
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