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No remoto ano de 1970, o calendário da
Pirelli começa a entrar no terreno da
sensualidade explícita, mas ainda de
biquíni, em fotos de Francis Giacobetti; em
1999, como uma gloriosa escultura de
petróleo, a modelo sudanesa Alek Wek encara
o mundo de salto alto, e mais nada, pela
lente de Herb Ritts, considerado o ápice da
sensualidade elegante
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Como uma folhinha de mulher pelada, criada
para vender pneus, virou sinônimo de erotismo
sofisticado e imbatível estratégia de marketing
Sandra Brasil
Não existe praticamente mulher
bonita que não tenha aparecido na frente de suas câmeras nem
fotógrafo famoso que não tenha ficado atrás delas. O meio – uma
folhinha com beldades em estágios variados de nudez – na teoria é o
mais vulgar possível, mas a mensagem acabou se transformando em
sinônimo de sofisticação, até de obra de arte, num fenômeno que
poderia ser chamado de o paradoxo da Pirelli. Estamos falando,
claro, do calendário, não dos pneus.
Chamada na intimidade
simplesmente de The Cal – a abreviatura em inglês –, essa
folhinha chique costuma reunir de trinta a quarenta mulheres
belíssimas (sim, são só doze meses, mas quem se importa?) expostas
em nus artísticos – mesmo! –, fotografadas por grandes nomes, em
pontos diversos do planeta. Nesta quinta-feira, 16, em Londres, será
mostrado pela primeira vez o Pirelli 2007, fotografado pelo casal
holandês Inez van Lamsweerde e Winoodh Matadin e estrelado por cinco
atrizes: Penélope Cruz, Hilary Swank, Naomi Watts, a francesa Lou
Doillon e, esta a maior promessa, Sophia Loren, 72 anos completados
em setembro, pouca roupa e muitos retoques.
Como sempre, cada um dos 30.000
exemplares numerados será entregue em mãos do mesmo número de
"pessoas especiais" (entre elas o rei Juan Carlos da Espanha, o ator
Paul Newman e o dono da Microsoft, Bill Gates). Para o Brasil virão
1.670 calendários, quase metade dos 3.500 destinados à América
Latina. A venda é proibida, mas dias depois do lançamento exemplares
começam a pipocar em sites como o eBay, em que alcançam até 600
dólares. "O calendário Pirelli é um produto exclusivo, uma
aspiração. Jamais será comercializado, porque perderia sua essência.
Trata-se, no fundo, de um grande e sutil jogo de mídia", diz o
italiano Gian Carlo Rocco di Torrepadula, presidente da Pirelli no
Brasil, que acompanha a confecção da folhinha desde 1968, quando
ingressou na empresa.
Criado pela filial inglesa da
empresa em 1963, com modelos desconhecidas e menosprezado
inicialmente pela matriz, por excesso de vulgaridade, o calendário
acabou adotado como estratégia mundial de marketing. No exemplar de
1964, o máximo de ousadia (o mês de maio) era uma modelo com a blusa
desabotoada.
Ano a ano os limites do erotismo
foram sendo empurrados, dentro das regras do jogo: ousar, mas não
chocar. Em 1970, já pululavam as modelos em mínimos e molhados
biquínis fotografadas por Francis Giacobetti nas Bahamas. Entre 1975
e 1983, afetada pela crise do petróleo e por uma seqüência de
greves, a Pirelli não fez calendário. Em 1984, ele voltou glorioso
pela lente do alemão Uwe Ommer, com o detalhe das marcas de pneus
explorado em todas as fotos, característica que se repetiria por
alguns anos, como na capa usada pela modelo Iman em 1985 ou no
macacão de bailarinos que "contracenaram" com as beldades seminuas
em 1988.
Os calendários considerados mais
elegantes, pela perfeita combinação de beleza, técnica e
sensualidade, são os fotografados pelo americano Herb Ritts, em 1994
e 1999, seguidos de perto pelos dois de Richard Avedon (1995 e 1997)
e pelo de 2000, assinado por outra estrela da fotografia
contemporânea, Annie Leibovitz. O recorde de comparecimento em fotos
– três vezes – é da modelo inglesa Naomi Campbell. Gisele Bündchen
foi das poucas a posar duas vezes, em 2001 e 2006. No total, seis
brasileiras foram convidadas e, claro, disseram sim ("Nenhuma
convidada, modelo ou atriz, recusou até hoje", diz Rocco di
Torrepadula). Fernanda Tavares, clicada em 2001 por Mario Testino,
confirma: "Fiquei ao mesmo tempo com medo de aparecer pelada, o que
não aconteceu, e feliz porque, se você está ali, já atingiu um
patamar bacana. O cachê não era importante".
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|MEIO E
MENSAGEM|
O poder das curvas: Gisele de biquíni
(2006), o traçado característico no corpo dos
bailarinos do Royal Ballet de Londres (1988) e na
capa esplendorosa da modelo Iman (em foto de 1985).
Abaixo, à direita, Sophia Loren, 72 anos bem vividos, sendo
preparada para fazer pose no calendário 2007: ferramenta de
marketing para fixar o nome da Pirelli e, por tabela, vender
pneus |
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Além dos calendários enviados
aos brasileiros "especiais", foi aberta em São Paulo Rivelato – O
Mito da Sensualidade Feminina, Agora Revelado, exposição
itinerante para comemorar os quarenta anos do calendário, com fotos
históricas e de bastidores. Gisele Bündchen sublimemente bronzeada,
mostrando a marca da calcinha do biquíni, pode influenciar a compra
de um pneu radial Pirelli? Aliás, a turma interessada em pneu radial
não prefere um material, digamos, mais fornido? As dúvidas podem ser
eliminadas com uma conta simples. Embora ache "pouco elegante falar
em dinheiro", Rocco di Torrepadula diz que a confecção do calendário
consome "alguns milhões de dólares". Gioacchino del Balzo, desde
sempre o coordenador mundial do calendário, calcula que o retorno,
em termos de exposição na mídia, é de 60 milhões de dólares para
cada 1 milhão investido. Uma pechincha.
(©
Veja)