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40 anos de nudez chique

12/11/2006

No remoto ano de 1970, o calendário da Pirelli começa a entrar no terreno da sensualidade explícita, mas ainda de biquíni, em fotos de Francis Giacobetti; em 1999, como uma gloriosa escultura de petróleo, a modelo sudanesa Alek Wek encara o mundo de salto alto, e mais nada, pela lente de Herb Ritts, considerado o ápice da sensualidade elegante

Como uma folhinha de mulher pelada, criada para vender pneus, virou sinônimo de erotismo sofisticado e imbatível estratégia de marketing

Sandra Brasil

Não existe praticamente mulher bonita que não tenha aparecido na frente de suas câmeras nem fotógrafo famoso que não tenha ficado atrás delas. O meio – uma folhinha com beldades em estágios variados de nudez – na teoria é o mais vulgar possível, mas a mensagem acabou se transformando em sinônimo de sofisticação, até de obra de arte, num fenômeno que poderia ser chamado de o paradoxo da Pirelli. Estamos falando, claro, do calendário, não dos pneus.

Chamada na intimidade simplesmente de The Cal – a abreviatura em inglês –, essa folhinha chique costuma reunir de trinta a quarenta mulheres belíssimas (sim, são só doze meses, mas quem se importa?) expostas em nus artísticos – mesmo! –, fotografadas por grandes nomes, em pontos diversos do planeta. Nesta quinta-feira, 16, em Londres, será mostrado pela primeira vez o Pirelli 2007, fotografado pelo casal holandês Inez van Lamsweerde e Winoodh Matadin e estrelado por cinco atrizes: Penélope Cruz, Hilary Swank, Naomi Watts, a francesa Lou Doillon e, esta a maior promessa, Sophia Loren, 72 anos completados em setembro, pouca roupa e muitos retoques.

Como sempre, cada um dos 30.000 exemplares numerados será entregue em mãos do mesmo número de "pessoas especiais" (entre elas o rei Juan Carlos da Espanha, o ator Paul Newman e o dono da Microsoft, Bill Gates). Para o Brasil virão 1.670 calendários, quase metade dos 3.500 destinados à América Latina. A venda é proibida, mas dias depois do lançamento exemplares começam a pipocar em sites como o eBay, em que alcançam até 600 dólares. "O calendário Pirelli é um produto exclusivo, uma aspiração. Jamais será comercializado, porque perderia sua essência. Trata-se, no fundo, de um grande e sutil jogo de mídia", diz o italiano Gian Carlo Rocco di Torrepadula, presidente da Pirelli no Brasil, que acompanha a confecção da folhinha desde 1968, quando ingressou na empresa.

Criado pela filial inglesa da empresa em 1963, com modelos desconhecidas e menosprezado inicialmente pela matriz, por excesso de vulgaridade, o calendário acabou adotado como estratégia mundial de marketing. No exemplar de 1964, o máximo de ousadia (o mês de maio) era uma modelo com a blusa desabotoada.

Ano a ano os limites do erotismo foram sendo empurrados, dentro das regras do jogo: ousar, mas não chocar. Em 1970, já pululavam as modelos em mínimos e molhados biquínis fotografadas por Francis Giacobetti nas Bahamas. Entre 1975 e 1983, afetada pela crise do petróleo e por uma seqüência de greves, a Pirelli não fez calendário. Em 1984, ele voltou glorioso pela lente do alemão Uwe Ommer, com o detalhe das marcas de pneus explorado em todas as fotos, característica que se repetiria por alguns anos, como na capa usada pela modelo Iman em 1985 ou no macacão de bailarinos que "contracenaram" com as beldades seminuas em 1988.

Os calendários considerados mais elegantes, pela perfeita combinação de beleza, técnica e sensualidade, são os fotografados pelo americano Herb Ritts, em 1994 e 1999, seguidos de perto pelos dois de Richard Avedon (1995 e 1997) e pelo de 2000, assinado por outra estrela da fotografia contemporânea, Annie Leibovitz. O recorde de comparecimento em fotos – três vezes – é da modelo inglesa Naomi Campbell. Gisele Bündchen foi das poucas a posar duas vezes, em 2001 e 2006. No total, seis brasileiras foram convidadas e, claro, disseram sim ("Nenhuma convidada, modelo ou atriz, recusou até hoje", diz Rocco di Torrepadula). Fernanda Tavares, clicada em 2001 por Mario Testino, confirma: "Fiquei ao mesmo tempo com medo de aparecer pelada, o que não aconteceu, e feliz porque, se você está ali, já atingiu um patamar bacana. O cachê não era importante".

 

|MEIO E MENSAGEM|
O poder das curvas: Gisele de biquíni (2006), o traçado característico no corpo dos bailarinos do Royal Ballet de Londres (1988) e na capa esplendorosa da modelo Iman (em foto de 1985). Abaixo, à direita, Sophia Loren, 72 anos bem vividos, sendo preparada para fazer pose no calendário 2007: ferramenta de marketing para fixar o nome da Pirelli e, por tabela, vender pneus

Além dos calendários enviados aos brasileiros "especiais", foi aberta em São Paulo Rivelato – O Mito da Sensualidade Feminina, Agora Revelado, exposição itinerante para comemorar os quarenta anos do calendário, com fotos históricas e de bastidores. Gisele Bündchen sublimemente bronzeada, mostrando a marca da calcinha do biquíni, pode influenciar a compra de um pneu radial Pirelli? Aliás, a turma interessada em pneu radial não prefere um material, digamos, mais fornido? As dúvidas podem ser eliminadas com uma conta simples. Embora ache "pouco elegante falar em dinheiro", Rocco di Torrepadula diz que a confecção do calendário consome "alguns milhões de dólares". Gioacchino del Balzo, desde sempre o coordenador mundial do calendário, calcula que o retorno, em termos de exposição na mídia, é de 60 milhões de dólares para cada 1 milhão investido. Uma pechincha.

(© Veja)

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