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O médico italiano
Severino Antinori |
Severino Antinori, que em 2002 anunciou três
grávidas de fetos clonados, afirma que foi vencido por questões
éticas e legais
Ele, que nunca exibiu provas científicas, critica o Vaticano e
diz que, em cinco ou seis anos, clonagem reprodutiva passará a ser
uma realidade
CLÁUDIA COLLUCCI
ENVIADA ESPECIAL A RIBEIRÃO PRETO
Após quase duas décadas de polêmicas com o Vaticano e a comunidade
científica internacional, o médico italiano Severino Antinori, 61,
vive fase comportada. Ele, que diz ter ajudado vir ao mundo três
bebês clonados, desistiu da clonagem reprodutiva pelos problemas
éticos e legais que cercam o tema. Antinori alega que as prioridades
agora são clonagem terapêutica e o aprimoramento de técnicas para
casais inférteis.
O italiano ganhou destaque em 1993, quando ajudou
uma mulher de 62 anos a engravidar com óvulos doados. Em maio de
2002, anunciou três mulheres grávidas de fetos clonados. Mas esse
seu trabalho é visto com ceticismo -nunca mostrou evidências
científicas. Ele alega que não o fez para não "destruir" a vida das
famílias. Anteontem à tarde, um Severino Antinori "família" falou
por quase duas horas com a Folha.
Tempo suficiente para beber quatro latinhas de
Coca-Cola light e falar quase que ininterruptamente mesmo após ter
viajado a noite toda. De Roma, ele havia chegado a São Paulo de
manhã, mas preferiu ir de carro para Ribeirão Preto para um simpósio
de reprodução. Teve receio do transporte aéreo regional brasileiro.
Ao lado dele estava Catarina, com quem é casado há 36 anos. "É um
homem honesto, digno. Toda a família o apóia muito. Essas críticas
que ele recebeu só reforçaram nossos laços familiares", declarou ela
na primeira brecha que encontrou.
FOLHA - Em 2002, o sr. anunciou pacientes
grávidas de clones. As crianças nasceram? São saudáveis?
SEVERINO ANTINORI - Colaborei com vários grupos no mundo.
Selecionamos muitas pessoas e umas cem mulheres que passaram por
tratamentos engravidaram. Conseguimos três clones. Outras dez
gravidezes acabaram em aborto. Depois disso, parei com essas
experiências.
FOLHA - Por quê?
ANTINORI - Forte oposição ética e baixos resultados. Afinal,
só tivemos 3% de sucesso. Percebi que esse não era um bom momento
para insistir nisso. Agora tentamos investigar a clonagem em outras
situações. Meu trabalho está reduzido agora à clonagem terapêutica.
Isso está acontecendo em vários países e só confirma minha
insistência de que a clonagem é uma realidade, no momento só para
fins terapêuticos. Creio que, em cinco ou seis anos, também deverá
ser considerada para fins reprodutivos.
FOLHA - Por que o sr. nunca publicou os
resultados das suas experiências com clonagem reprodutiva?
ANTINORI - Se fizéssemos isso, iríamos expor essas crianças
que hoje já têm seis anos e levam vida normal. Nós iríamos destruir
a vida dessas famílias. A realidade é que a não-publicação foi no
sentido de proteger essas pessoas. Talvez um dia.
FOLHA - Mas, por falta de provas, o sr. recebe
ataques de todos os lados, da comunidade científica internacional ao
Vaticano... [interrompe]
ANTINORI - O Vaticano é o Taleban. Veja, há quase 20 anos,
quando introduzi a possibilidade de as mulheres menopausadas serem
mães, fui duramente atacado. Virou rotina médica.
FOLHA - Por quantas gestações acima de 60 anos
o sr. é responsável?
ANTINORI - Umas 20. Mas, em mulheres entre 50 e 63 anos,
foram umas 1.500, com pelo menos mil nascimentos. No início diziam
que eu queria ir contra as regras da natureza. Hoje essas mulheres
estão aí, felizes, criando os filhos. O Vaticano sempre me criticou,
é contra qualquer avanço tecnológico. Mas essa é a opinião de um
pequeno grupo idiota do Vaticano.
FOLHA - O sr. já se disse católico.
ANTINORI - Sou cristão, mas sou contra essa máfia do
Vaticano. Eles são integralistas.
FOLHA - É fato que a gravidez após os 60
apresenta mais riscos à mãe e ao bebê, além do fato de que, muito
provavelmente, essa mãe não verá seu filho chegar à idade adulta.
ANTINORI - Se a mulher tiver boas condições de saúde, não
vejo problema. Há muitas mulheres bem-sucedidas profissionalmente
que adiaram a decisão de ser mãe. É a nossa sociedade. Por isso,
vejo como natural ter um filho aos 50 anos e a sociedade aceitou
isso. Mas há restrições: a mulher deve ter perfeitas condições de
saúde, não ser hipertensa nem diabética nem obesa. E deve-se avaliar
a idade dos pais dessa mulher. Se o pai ou a mãe morreu por volta
dos 60 anos, seria impossível fazer isso.
FOLHA - E qual seria a idade limite?
ANTINORI - Depende das condições dela. A romena [Adriana
Iliescu] que deu à luz aos 66 anos estava com má condição de saúde
quando engravidou. Dois anos depois, ela está doente. Qual o limite?
Não há. É o limite individual de cada um.
FOLHA - Seguindo o raciocínio, daqui a pouco
teremos mães aos 70?
ANTINORI - Não. Penso que, em geral, o limite seja na faixa
dos 50 anos. Mas não vejo problemas que as mulheres na faixa dos 60,
com ótima saúde, sejam beneficiadas.
(©
Folha de S. Paulo)