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O
diretor italiano Eugenio Barba |
Diretor esteve no Rio para participar de evento
de imersão no trabalho do Odin Teatret, companhia que criou há 42
anos
A antropologia teatral, conceito disseminado por Barba, influenciou
grupos brasileiros; companhia está em festival até o fim do mês
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O teatro carioca está em estado de graça, e não só pelas comédias.
Durante quatro semanas, até 28/11, público e
artistas têm chance de dialogar concretamente (até para
desmitificá-lo, por que não?) com um dos mais antigos grupos em
atividade na Europa, o Odin Teatret, nascido há 42 anos na Noruega,
radicado dois anos depois na Dinamarca e desde sempre dirigido pelo
italiano Eugenio Barba.
Esse ziguezague por nacionalidades expõe os vetores
artísticos, culturais e políticos de Barba, 70, disseminador do
conceito de "antropologia teatral", que define como o estudo do
comportamento biológico e sociocultural do homem em registro de
representação.
As técnicas que Barba e equipe conceberam para o
treinamento de ator têm forte acolhida em países latino-americanos.
No Brasil, as pontes mais emblemáticas são o Festival de Teatro de
Londrina e o grupo Lume. Foi o co-fundador daquele grupo de
Campinas, 21 anos atrás, Luis Otávio Burnier (1956-95), quem trouxe
o diretor pela primeira vez ao Brasil, há quase duas décadas.
A seguir, trechos da entrevista com Barba, que foi
embora ontem, deixando seus artistas no Festival Odin Teatret (cinco
espetáculos, demonstrações, exibição de vídeos e workshop), uma
iniciativa do CCBB-RJ.
FOLHA - Por que a antropologia teatral repercute
mais na América Latina?
EUGENIO BARBA - Na Europa, existe uma forte tradição
clássica de teatro. Todos sabem o que é, o ator deve se formar nas
velhas escolas. Na América Latina, não. Nos anos 70, por exemplo,
surgiu todo um teatro que não tinha modelo, a não ser aquele
comercial. A maioria dos artistas era experimental. Eles lutavam em
níveis sociais e culturais sob influências de gerações anteriores,
como as de Stanislavski, Brecht, Artaud e Grotowski. Souberam
formular as aspirações de como tratar em nível individual uma arte
que já estava estruturada de certa maneira na sociedade, de modo a
subverter sua recepção.
FOLHA - Como a comunidade de Holstebro recebeu o
grupo em 1966? [Antes, ele informa que foi naquela bucólica cidade
da Dinamarca que o cineasta Carl Theodor Dreyer rodou "A Palavra",
de 1954]
BARBA - No início a comunidade nos rejeitou. Os camponeses
até tinham ficado satisfeitos com a notícia de nossa chegada, em
1966. Mas depois se frustraram porque a gente não fazia teatro toda
noite. A televisão local fez um reportagem mostrando nosso
treinamento de voz, de corpo, e essa noção de teatro laboratório foi
um choque para os camponeses. Vieram reações violentas. Os cidadãos
fizeram uma assembléia, a única de que tenho notícias nesses 40
anos. Foi um encontro difícil, mas o prefeito convenceu a maioria a
esperar por mais três anos para ver o resultado. Estamos lá até
hoje.
FOLHA - Em seus escritos, o sr. lembra, citando
o mímico francês Étienne Decroux (1898-1991), que o teatro não
precisa de ter leis, mas seus artistas devem encontrar as suas...
BARBA - Mais que leis, eu diria que são constatações óbvias,
mas esquecidas por aqueles que pensam somente em termos de
categorias da arte. O teatro é uma estranha convenção. As pessoas
vêm para ver outras pessoas. Agora, o único animal que é capaz de
ser observado por outro é o ser humano. Se uma vaca for observada
por 500 pessoas, ela não reage, não liga. Mas, se você está comendo
num restaurante e alguém da mesa vizinha começa a olhar, você se
pergunta por quê. É da natureza humana reagir à mirada do outro. O
teatro é isso: um humano sendo observado por outro. O desafio é
transformar esse momento de embaraço em algo que também embarace
quem olha.
FOLHA - Qual o futuro dessa arte?
BARBA - Cada vez mais o teatro vai se constituir num
refúgio. Um lugar e ao mesmo tempo uma prática em que o animal
humano, que é social, pode refugiar-se para encontrar o outro. Um
espaço para adoção de intimidade e, ao mesmo tempo, de separação. Um
espaço em que se possa refletir sobre as tragédias da aldeia ou das
que ameaçam a humanidade.
(©
Folha de S. Paulo)
Livro relata
aprendizado na Polônia
DA REPORTAGEM
LOCAL
Em sua formação autodidata,
Eugenio Barba qualifica como
decisivos os três anos que conviveu
diretamente com o polonês Jerzy
Grotowski (1933-99), então à frente
do grupo Teatro 13 Rzedów na cidade
polonesa de Opole, entre 1962 e
1964.
A amizade entre o autor de "Em Busca
de um Teatro Pobre" (1968) e do
conceito-chave de teatro-laboratório
(em que se pesquisa sem
necessariamente trazer o resultado a
público) e o co-fundador do Odin
Teatret está retratada no livro "A
Terra de Cinzas e Diamantes - Minha
Aprendizagem na Polônia" (1998), que
acaba de sair pela coleção Estudos,
da editora Perspectiva.
Na primeira parte, Barba discorre
sobre a mudança da Itália para a
Polônia, onde foi estudar direção
naqueles anos que se revelaram
cruciais para o teatro. Fora atraído
para a Polônia socialista pelo filme
"Cinzas e Diamantes", de Andrzej
Wajda, a que assistira em 1959.
"Foi um soco no estômago", escreve o
autor. "Na tela, passavam as imagens
de uma guerra civil, de uma paixão
desesperada, do sentido da honra e
do desprezo pela vida, de uma
ternura pela loucura e pela fraqueza
dos seres humanos humanos triturados
pela ferocidade da história."
Barba traz à luz a história
subterrânea dos artistas de teatro
daquela época na mesma medida em que
revê o seu próprio estreitamento com
essa arte. Na segunda parte, o livro
exibe 26 correspondências de
Grotowski para Barba.
(VS)
A TERRA DE CINZAS E DIAMANTES
Autor: Eugenio Barba
Tradução: Patrícia Furtado de
Mendonça
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 43 (201 págs.)
(©
Folha de S. Paulo)
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