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Filme "pasoliniano" marcou estréia de Bertolucci na direção

O cineasta italiano Bernardo Bertolucci


SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Os dicionários de cinema inserem "A Morte" (1962) no verbete dedicado ao italiano Bernardo Bertolucci, como o primeiro longa-metragem dirigido pelo cineasta, mas talvez devessem localizá-lo no tempo entre dois filmes, "Accattone - Desajuste Social" (1961) e "Mamma Roma" (1962), em outro verbete, o do cineasta Pier Paolo Pasolini (1922-75).

É mais "pasoliniana" do que "bertolucciana" essa estréia quase acidental, como diretor e roteirista, de um jovem (então com 21 anos) que havia publicado pouco antes seu primeiro livro de poesias, e que trabalhara como assistente de Pasolini em "Accattone".

Foi o produtor Tonino Cervi quem encomendou a Bertolucci e ao roteirista Sergio Citti (que também havia colaborado em "Accattone" e depois escreveria "Saló - Os 120 Dias de Sodoma") um roteiro "pasoliniano" a partir de um argumento do próprio Pasolini, a essa altura já envolvido com a filmagem de "Mamma Roma".

A dupla cumpriu a tarefa com o zelo respeitoso dos discípulos. Citti, ao notar que a adaptação trazia também algo de pessoal, convidou Bertolucci a dirigi-la. O jovem poeta nunca mais publicou poemas, enquanto o cineasta foi saudado como um grande talento que se confirmaria em seguida com "Antes da Revolução" (1964), já ambientado em Parma, sua cidade natal, e com elementos mais próximos de sua formação literária.

O cenário, como nos dois primeiros longas de Pasolini, é a periferia de Roma e seus personagens, vistos com alguma ternura e esperança. Na abertura, o corpo de uma prostituta é encontrado à beira do rio Tibre. Quem poderia ter matado, com violência e não para assaltar, essa pobre "dália negra"?

A investigação do assassinato pela polícia conduz a meia dúzia de suspeitos, cujos relatos reconstituem o dia do crime e seu andamento cotidiano para um batedor de carteiras, um boa-vida mulherengo que vive às custas da namorada e da sogra, um soldado solitário que perambula pela cidade atrás de moças, um grupo de jovens e outros personagens.

Bertolucci trata com poesia a chuva que cai para todos, mas que, embora traga a mesma água, altera a rotina de cada um de maneira particular. A prostituta também é lembrada nos momentos que antecedem a noite do crime, como se a câmera, agora desvinculada dos relatos, buscasse pistas que anunciassem a tragédia.

O crime só é solucionado com a sobreposição dos depoimentos e a resolução das contradições. Estará certo quem se lembrar da estrutura episódica e detetivesca de "Rashomon" (1950): o próprio Bertolucci, na entrevista incluída entre os extras do DVD, admite a semelhança. E observa também que, curiosamente, à época não conhecia o clássico de Akira Kurosawa. O poeta ainda não era cinéfilo.

A MORTE   
Direção:
Bernardo Bertolucci
Distribuição: Versátil
Quanto: R$ 37

(© Folha de S. Paulo)


Gillo Pontecorvo

"Um filme à frente de seu tempo"

O diretor Eduardo Coutinho fala sobre Gillo Pontecorvo, morto no último dia 12

MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO

O cineasta italiano Gillo Pontecorvo (1919-2006), morto no último dia 12 em Roma, foi um ícone do cinema político e é autor de clássicos no gênero -como "Queimada" (69) e "A Batalha de Argel" (65). Este último lhe rendeu o Leão de Ouro em Veneza, em 1966, festival que o próprio Pontecorvo viria a dirigir de 1992 a 1996.

Eduardo Coutinho, principal documentarista brasileiro e autor de "Cabra Marcado para Morrer" e "Santo Forte", entre outros, diz na entrevista a seguir que Pontecorvo fez suas obras-primas num momento em que o documentário e a ficção passaram a se comunicar mais e também comenta a obra do diretor italiano.

FOLHA - Qual a importância de Gillo Pontecorvo para o cinema?
EDUARDO COUTINHO
- Da carreira dele, uma coisa curiosa é "Kapo" [60], filme que ficou sendo a besta-fera da "Cahiers du Cinéma" durante anos. É um caso clássico [na história da "Cahiers"], um filme que ficou sendo citado mensalmente, anualmente. O filme tem um "travelling" sobre um cara que tenta fugir de um campo de concentração e é eletrocutado. Esse "travelling" ficou sendo um assunto-slogan. Mas é uma ficção, não tem nada a ver com "A Batalha...".

FOLHA - E sobre "A Batalha de Argel"? É um filme precursor?
COUTINHO
- Foi um filme extraordinário, mas não sei se é precursor. Era o período do cinema novo, de Jean Rouch, do "cinema direto". Tudo estava aberto para essas comunicações entre ficção e documentário. Acho que o Rouch abriu caminhos que outros seguiram, como a nouvelle vague. Pontecorvo se fixou nesse ponto, como um cineasta politizado, para o governo argelino revolucionário. Deu no que deu... Essas revoluções, passam 30 anos, não pode ter eleições....

FOLHA - "A Batalha de Argel" deve suas inovações a Jean Rouch?
COUTINHO
- Não propriamente a Jean Rouch, mas a um espírito que havia nesse momento no cinema, em que tudo parecia possível. Havia o som direto, e a partir disso a ligação do documentário com a ficção passou a ser uma coisa muito mais interessante. Estava no espírito desse tempo fazer um filme como esse. Não só por causa da esperança política, mas também do ponto de vista formal. Uma das combinações é a que ele fez em "A Batalha de Argel".

FOLHA - Por que especialmente "A Batalha de Argel" virou um marco?
COUTINHO
- Não sei, esse filme voltou à baila porque dizem que os americanos passavam na CIA, sei lá... O filme mostra um esquema de guerrilha, de tortura como solução. Há um único ator profissional, o que faz um oficial francês, o torturador, se não me engano. É um filme à frente dos outros, ficou na história um pouco por causa disso.

FOLHA - E "Queimada", ficou famoso pela tentativa de visão marxista do colonialismo?
COUTINHO
- Faz muito tempo que o vi, mas acho que foi pelo fato de tentar botar um roteiro de esquema marxista com Marlon Brando. Marlon Brando -nas filmagens, deve ter sido uma briga terrível...- foi um elemento de atração extraordinária... No filme eram ele e os atores desconhecidos. "A Batalha de Argel" e "Queimada" foram os dois grandes momentos da carreira do Pontecorvo.

FOLHA - A opção pelo cinema político de uma forma tão aberta acabou provocando seu ostracismo?
COUTINHO
- Não sei dizer, porque é muito pessoal, talvez fosse perfeccionista. Mas ele mesmo fala de vários projetos que não vingaram, depois fez um ou outro. Não acredito que tenha sido por problemas políticos. Ao contrário, os anos 60 foram um período ótimo para esse tipo de cinema. Mas no cinema você sempre compõe com o real. Deve ter alguma coisa a ver com o espírito e o temperamento dele.

FOLHA - O que vai ficar na memória do cinema de Pontecorvo?
COUTINHO
- Seria bom que os outros filmes fossem relançados em DVD, senão ele vai ficar sempre como o cara de um filme só.

FOLHA - No Brasil esse filme ficou marcado por causa do momento político, com o regime militar?
COUTINHO
- Um pouco, sim. Aquele filme "Os Companheiros", do [Mario] Monicelli, também foi típico. Para todo o pessoal de esquerda daquela época foi um filme idolatrado. Por isso seria bom vê-lo hoje, fora desse contexto.

(© Folha de S. Paulo)

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