SÃO PAULO - Ambiciosa por
demais - no melhor dos sentidos - a tarefa que se impôs a Bendita
Trupe: levar ao palco uma peça inspirada no filme A Estrada da
Vida, de Federico Fellini. Sobre uma mesa, no recém-inaugurado
Espaço Parlapatões, a diretora Johana Albuquerque e a dramaturga
Cláudia Vasconcellos mostram alguns livros, cheios de marcações, que
serviram de fonte de inspiração para a criação do espetáculo
Estrada, que estréia nesta sexta-feira, nos Parlapatões. Entre
eles, além do roteiro do filme, O Pequeno Dicionário de Arte do
Povo Brasileiro, de Lélia Coelho Frota, e a História Visual
do Circo no Brasil, de Antônio Torres. Juntos, traduzem o desejo
da trupe: transpor a poética de Fellini para o universo da arte
popular brasileira.
A julgar pelo ensaio acompanhado na noite de
terça-feira o espetáculo da trupe alcança momentos de magia e
delicadeza ao recontar, a seu modo, a história da relação entre a
menina Jasmina (Jacqueline Obrigon)e o truculento Zambo (João Carlos
Andreazza, ator do premiado Agreste). Ainda menina, ela é
vendida por sua mãe a Zambo, artista mambembe que corre mundo numa
carroça mostrando seu incrível número de arrebentar correntes com a
força de seu tórax. No caminho, eles cruzam com vários personagens,
todos vividos por Mauricio de Barros e Vera Villela, que parecem
saltar ora do picadeiro, ora de um mundo de fantasia, como a gorda
ou as freiras xifópagas.
Escapar do maniqueísmo é a primeira qualidade dessa
montagem. Zambo deflora Jasmina de forma brutal - cena entrevista
através da lona da carroça - e é muitas vezes grosseiro. O risco
seria retratar a dupla como o carrasco e a vítima. Mas na
interpretação de Andreazza a humanidade desse homem tosco, que não
sabe lidar nem com os próprios sentimentos, salta aos olhos. Também
Jacqueline dá à sua Jasmina uma chama de alegria verdadeira, no
sonho realizado de ser artista. E assim vemos ambos como vítimas do
mesmo desamparo e ignorância.
Johana viajou até o Recife e de lá vieram os bonecos
criados por artistas como Mestre Zé Lopes, Wagner Porto e Bibil, que
se unem aos da paulista Gibi Manfrinato. Fitas e cores das festas
populares são recriadas na cenografia de Márcio Medina e a música
sertaneja na trilha criada por Morris Piccioto. Estrada convida a um
envolvimento, cheio de magia e sutileza, no imaginário da arte
popular brasileira e também das contraditórias relações humanas.
Como queriam seus criadores.
Estrada. 75 min.
Livre. Espaço Parlapatões (98 lug.). Pça. Roosevelt, 158, (11)
3258-4449. 6.ª e sáb., 21 h; dom., 20 h. R$ 20 (6.ª preço único) e
R$ 30. Até 17/12