Alteração no DNA leva à formação de genitália e traços masculinos em
pessoas que geneticamente são do sexo feminino
Reinaldo José Lopes, do G1, em São Paulo
Quem comparar o DNA de quatro irmãos do sul da
Itália com a aparência deles provavelmente vai levar
um susto: a julgar pelos genes, eles deveriam ser
mulheres. Os irmãos possuem dois cromossomos X, em
vez de um cromossomo X e outro Y, como quase todos
os outros homens.
De acordo com um estudo sobre os
irmãos, publicado on-line neste domingo (15) por
Giovanna Camerino e seus colegas da Universidade de
Pavia na revista científica "Nature Genetics", o
responsável parece ser o gene conhecido como RSPO1.
Ele está presente numa versão alterada entre os
quatro homens da família italiana. Ao analisar o DNA
de outro "homem" portador dos cromossomos XX,
Camerino e companhia encontraram a mesma alteração,
o que confirmou as suspeitas em torno do RSPO1.
A alteração sexual não é o único efeito da versão
mutante do gene: ele também causa a doença conhecida
como hiperqueratose palmoplantar (em que as palmas
das mãos e as solas dos pés são anormalmente
grossas) e predisposição a um tipo de câncer de
pele.
Ele ou ela
É muito mais comum encontrar portadores do
par de cromossomos XY com aparência feminina do que
o contrário. Segundo os pesquisadores, se por algum
motivo os testículos não se desenvolverem da forma
correta, sem a produção mínima de hormônios
masculinos, o corpo do feto tende a reverter para a
forma "padrão", que seria a de mulher.
O contrário, pelo que se sabia até hoje, só
costumava acontecer quando, por algum motivo, um
pedaço do cromossomo Y -- o gene conhecido como SRY
-- ia parar no cromossomo X ou em outro cromossomo.
Machos normais de várias espécies de mamífero podem
ser produzidos dessa maneira, o que tem levado muita
gente a considerar o cromossomo Y inteiro como
geneticamente supérfluo. Há indícios de que, ao
longo dos milhões de anos de evolução dos mamíferos,
ele tem se tornado cada vez menor e mais degenerado.
Alguns cientistas chegaram mesmo a postular que ele
vai desaparecer.
Os pesquisadores de Pavia verificaram que os
"homens femininos" possuíam duas cópias malfeitas do
gene RSPO1 (uma recebida do pai e outra da mãe). Os
membros da família que só tinham uma cópia do gene
destrambelhado eram normais, o que sugere que se
trata de uma característica que só aparece quando o
erro vem em dose dupla. Ao que tudo indica, o
problema apareceu nessa família por causa de
casamentos entre parentes próximos, os quais têm uma
tendência a concentrar erros genéticos, já que o DNA
dos membros do casal acaba sendo muito parecido.
A análise feita por Camerino e sua equipe sugere
que a inserção de apenas uma "letra" química de DNA
a mais no código da RSPO1 é suficiente para causar a
tríade de problemas. A função do gene em pessoas
normais ainda precisa ser mais estudada, mas há
indícios de que ele ajude a formar corretamente os
ovários e a parede dos órgãos genitais femininos.
Sem a presença dele, é como se o corpo "entendesse"
que deveria produzir um menino, e não uma menina.
Resta, no entanto, um consolo para o cromossomo
Y. Embora os portadores da mutação tenham órgãos
genitais masculinos bem formados e produzam esperma
normalmente, eles são estéreis -- provavelmente
porque, por serem XX, eles precisariam de um ovário
para produzir suas células sexuais, os óvulos.
(©
G1)