"Vamos reunir aqui todas as
publicações, artigos, filmes e referências que encontrarmos sobre as atividades do
crime organizado. Há muito material publicado na Itália sobre o assunto, mas até agora
estava esparso", diz o futuro diretor do centro, Angelo Ventarolo. "Este acervo
ficará à disposição de advogados, historiadores e todo tipo de pesquisador interessado
no assunto. Eles sempre nos procuram e agora encontrarão subsídios para seus
estudos." A escolha de Corleone para sede do centro de pesquisa e cenário siciliano
dos três filmes de Coppola sobre a Máfia não é mero acaso. A cidade, perdida na aridez
das montanhas, a 56 quilômetros de Palermo, capital da Ilha da Sicília, é realmente
berço da Onorata Società.
Alguns de seus principais chefes são nascidos aqui e têm parentes
vivendo nas redondezas até hoje. Apesar disso, a fama não agrada aos quase 12 mil
corleoneses, que vivem da agricultura, produzindo frutas e verduras. "A Máfia surgiu
aqui no fim do século passado, como resistência aos invasores da ilha. Naquela época,
era mais um código de honra do que crime organizado", ressalta o secretário de
Turismo, Cascio Pietro.
"No início do século tínhamos mesmo problemas, mas hoje nossa
criminalidade é mínima a as últimas mortes ligadas à Máfia ocorreram nos anos 60. O
que nos chateia nos filmes de Coppola é que ele mostra Corleone como uma cidade onde as
crianças morrem de tuberculose, o que não é verdade há muitas décadas."
E, se Coppola é quase persona non grata, a economia corleonese nunca
andou bem das pernas. Parece mais de Terceiro Mundo que européia. A vida nunca foi
fácil, conforme conta Pietro. A cidade, fundada no século 16, sempre exportou
mão-de-obra não especializada. Chegou a ter 18 mil habitantes entre as duas guerras
mundiais, mas perdeu um terço deles desde então. Boa parte dos jovens imigrava para a
América ou países mais ricos da Europa, como Suíça e Alemanha.
Hoje a imigração parou graças à ajuda financeira da União Européia,
mas o desemprego ainda atinge metade dos jovens que saem da escola. Só que não emigram
mais, o que não livra Corleone de um aspecto de cidade fantasma. Num dia de semana, no
início da tarde, hora sagrada da sesta siciliana, é difícil encontrar alguém nas ruas
limpas e bem cuidadas. Apenas em alguns bares jovens conversam sobre tudo e nada,
esperando acontecer alguma coisa.
"Quem quiser conhecer Corleone deve assistir ao filme Placido
Rizzotto, de Pascale Sciorca, exibido no último Festival de Veneza", avisa Pietro.
Vai ser difícil para os brasileiros. Trata-se de produção independente italiana, sem
lançamento previsto no País.
De toda forma, a fama de Corleone, dentro da própria Itália, não é das
melhores. Pietro e Ventarolo preferem lembrar que a cidade é o berço da reforma agrária
no país, bastião da resistência contra os espanhóis, franceses e alemães nazistas que
invadiram a Sicília nos últimos séculos e tem taxa de criminalidade próxima ao zero.
Mas quem fala em Corleone associa seu nome à Máfia e à sua versão americana, a Cosa
Nostra.
Não só os italianos. "Todos os anos, 4 mil turistas vêm ver a casa
onde nasceu dom Vito Corleone e se decepcionam por não encontrá-la", diz ele. Nem
poderiam, pois o patriarca mafioso só existiu na imaginação do escritor Mário Puzzo,
autor do romance que deu origem aos filmes de Coppola. Mas ficou quase real, graças ao
charme de Marlon Brando, no primeiro filme da série O Poderoso Chefão, e de Robert de
Niro, em sua melhor forma, na continuação, feita em 1974. "Se não é possível
fugir a esta fama, melhor aproveitá-la", conclui o prefeito da cidade Giuseppe Pino
Cipriani.
"Corleone será referência para quem estuda e combate o crime
organizado." (Beatriz Coelho Silva, OESP)