NOVA
YORK - Grandes companheiros do homem para agüentar o dia-a-dia, animar festas ou celebrar
deuses, o vinho e a cerveja são duas das bebidas alcoólicas mais antigas. A origem delas
tem cerca de 6 mil anos e vem das terras do Oriente Médio. Até mesmo os essênios, de
sobriedade célebre, tinham uma espécie de Festival do Beaujolais Nouveau, o
"tirosh", comemoração pelo vinho novo mencionada num dos Documentos do Mar
Morto. No Egito antigo, as crianças tomavam cerveja na escola e casais da Mesopotâmia
refrescavam-se durante as relações íntimas sorvendo o líquido de canudinho.
Curiosidades como essas e cerca de 180 objetos de arte e artesanato
compõem Drink and Be Merry: Wine and Beer in Ancient Times, exposição
que o Jewish Museum de Nova York apresenta até o dia 5 de novembro.
Organizada pelo Museu de Israel, de Jerusalém, a exposição relembra as
formas de produção e consumo de vinho e cerveja naquele país, em Roma,
na Grécia, na Mesopotâmia e no Egito, num período que vai desde 4 mil
anos antes da era cristã até o século 7, quando a expansão do islamismo
refreou os costumes etílicos na região.
Tendo Noé como personagem, está no Gênesis a primeira referência
bíblica relacionando o cultivo da uva a um porre de vinho. Com freqüentes citações do
Antigo Testamento como essa, do Torá (O Pentatêuco judaico) e de profetas, Drink and Be
Merry aborda a história das duas bebidas, mas dá mais ênfase ao vinho e seu papel entre
os antigos judeus.
As primeiras evidências de vinicultura foram encontradas nas regiões
montanhosas do Irã. Dali ela espalhou-se pelo Império Romano e pela Grécia.
Com invernos amenos e verões escaldantes, Israel sempre foi terra ideal
para vinhedos. Assim como nas outras duas regiões, o vinho também era uma bebida básica
por lá, onde a produção teria começado por volta de 3 mil anos atrás.
A colheita era um tempo de festa da qual participava gente de qualquer
idade. Segundo a Mishná, um código de leis orais do segundo século, nessa época as
moças de Jerusalém vestiam-se de branco e dançavam entre os vinhedos para atrair os
rapazes solteiros. Instrumentos de corte dos cachos, cestas para recolher os frutos,
pedras quadradas sobre as quais eles eram amassados com os pés, recipientes cilíndricos
para recolher o suco e grandes jarros de barro para fermentação mostram como se fazia o
vinho há cinco milênios. Objetos de arte como pequenas placas de terracota representam
cenas dessas atividades com equipamentos semelhantes, séculos e séculos mais tarde, na
Itália.
Herodes
Os vinhos italianos já eram famosos e exportados havia quase mil anos,
pelo que comprovam ânforas encontradas em Massada, na Judéia. Era prática indicar o
vinhedo e dar nome aos vinhos e as ânforas de Massada, com inscrições em latim,
revelavam além disso terem vindo da Itália e ainda a quem se destinavam: "Para o
Rei Herodes da Judéia."
Os povos antigos acreditavam que o vinho fora inventado pelos deuses e por
isso a bebida tinha grande importância nos cultos religiosos. Baco para os romanos e
Dionísio para os gregos, o deus do vinho, da fertilidade e da vegetação também era
popular entre judeus. Em escavações na cidade helenística de Scythopolis, próxima a
Beth Shean, em Israel, foram encontrados vários altares de pedra, estátuas de mármore e
diferentes objetos de culto àquela entidade criados há 1.800 anos.
É surpreendente a variedade de vinhos antigos, conseqüência do tipo de
uva, da região e do processo usado para produzi-lo. Para preservá-los e mudar seu gosto,
adicionavam-se ervas, mel, sal ou água do mar e até pimenta. Os compradores faziam
degustações em lojas e tabernas, levando o líquido para casa em ânforas e
decantadores. Para o transporte terrestre em distâncias curtas e consumo rápido,
usavam-se odres que têm imitações feitas até hoje.
A vantagem é que os odres tinham grande capacidade e podiam expandir-se
com os gases da fermentação, enquanto os jarros explodiam.
No inverno, os romanos gostavam de tomar vinho misturado com água quente.
A água era aquecida num vaso de luxo, chamado milinarium, do qual a exposição tem
vários exemplos. De início só para ricos, guardado e consumido em vasos e copos de
metais nobres ou de vidro, o vinho foi se infiltrando nas outras camadas sociais e, ainda
entre os romanos, ia até para a guerra como parte do suprimento dos soldados. Utensílios
de barro parecidos com moringas seriam usados por eles para transportar a bebida, que
tinha a capacidade tanto de elevar o moral das tropas como de desinfetar a água.
Popular
Se não era bom para as uvas e, conseqüentemente, para a produção de
vinho, o clima quente e seco da Mesopotâmia e do Egito era ótimo para o trigo e a cevada
empregados na fabricação da cerveja. A segunda parte de Drink and Be Merry mostra o
passado longínquo dessa bebida, mais popular desde que foi inventada. Embora fosse uma
paixão nacional, esse resultado da fermentação dos grãos era tão complicado que os
cervejeiros eram os únicos profissionais da Mesopotâmia considerados sob proteção
divina.
O processo tinha início com os grãos sendo umedecidos para germinar por
um dia e formar o malte, que então era exposto ao sol ou colocado num forno para secar. A
substância seca era moída, misturada com várias especiarias para determinar o gosto e
moldada como um pão de forma. Os pães também eram assados, moídos e postos de molho na
água dentro de uma espécie de barril.
Só nessa fase começava a fermentação. Depois de alguns dias, o
líquido pingava através de furos no fundo do barril para outro recipiente. A
fermentação continuava por mais alguns dias, tempo em que o teor alcoólico do que
parecia então um xarope grosso subia para 6% ou 8%.
Diferentemente do vinho, a cerveja não podia ser preservada por muito
tempo, tinha de ser bebida logo. Vinha com pedaços de grãos e palha e precisava ser
coada em peneirinhas cônicas de metal ou tomada de canudinho de capim - o que muitas
vezes os bebedores faziam diretamente dos jarros.
No Egito, a cerveja não era oferecida aos deuses por ser considerada uma
receita só para os simples mortais. Para esses, no entanto, ela fazia parte da dieta
básica, incluída na ração diária dos trabalhadores, soldados e estudantes. Os gregos
e romanos achavam isso um costume de bárbaros e essa opinião era partilhada pelos
judeus, conforme explicam os textos que acompanham a exibição.
Na última galeria, encontra-se a recriação de uma sala de banquete,
espaço criado na Grécia clássica e adotado mais tarde pelos romanos e pelos judeus de
Israel. O cômodo servia para o dono da casa receber seus convidados e beber antes da
refeição. A sala recriada no museu tem uma das peças mais bonitas da mostra. É um piso
de mosaico de pedra, feito provavelmente no século 3, com uma cena da Eneida. Em torno
dele há três bancos nos quais os visitantes podem reclinar-se como faziam os convidados
na antiguidade. Só faltam os drinques para que se complete o convite feito no título da
exposição: beba e seja feliz. (Tonica Chagas, OESP)