VATICANO - O papa João
Paulo II canonizou ontem mais 123 santos. Oitenta e sete deles eram chineses, o que
irritou o governo de Pequim. Os novos santos chineses, junto com mais 33 missionários
estrangeiros, foram mortos entre 1648 e 1930 em conflitos em que o país entrou em choque
com o imperialismo das potências européias e dos Estados Unidos.
Além dos missionários da China, o papa canonizou a socialite e
filantropa americana Katharine Drexel, a espanhola Maria Josefa del Corazón de Jesus,
fundadora de um ordem de caridade e a sudanesa Giuseppine Bahkhita, ex-escrava que se
tornou freira, a primeira santa africana.
A polêmica histórica sobre as canonizações dos missionários chineses,
no entanto, capitalizou as atenções durante o dia. Enquanto o Vaticano classifica os 120
novos santos mortos na China como um exemplo de coragem e coerência, o governo chinês,
em nota do ministério do Exterior, afirma que eles agiram como "pecadores
maldosos" durante o domínio colonial do país.
Insultos
A China afirma que o verdadeiro objetivo do Vaticano é insultar o país
com a beatificação de "estupradores, saqueadores e agentes do imperialismo"
justo na data em que é comemorado o dia da Pátria e o 51° aniversário do governo
comunista, acrescentando que o ato prejudicaria a normalização das relações da China
com a Santa Sé.
O papa, por sua vez, garantiu que a santificação dos mártires deveria
ser uma honra para todos os chineses. João Paulo foi ainda mais longe, afirmando que os
novos santos poderiam "confortar e apoiar" os católicos do país. "Esses
mártires são um exemplo de coragem e coerência para todos nós", afirmou o
pontífice.
João Paulo garantiu ainda que a escolha do dia é apropriada: 1° de
outubro é o dia de Santa Teresa de Lisieux, padroeira dos missionários.
A maioria dos missionários foi morta durante dois episódios sangrentos
da história chinesa: as duas Guerras do Ópio e a Revolução dos Boxers, principalmente
durante esse último movimento quando grupos nacionalistas, tas chineses se revoltaram
contra a dinastia manchu, pró-Ocidente. Na época foram perseguidos membros da dinastia,
estrangeiros e missionários católicos, vistos como representantes da dominação
ocidental no campo religioso. A rebelião foi contida depois de dois anos com a ajuda do
exército britânico.
Divisão
Após a instauração do regime comunista em 1949, a China cria uma igreja
católica comandada pelo Estado que não reconhece a autoridade do papa. Hoje estima-se
que 4 milhões de pessoas sejam filiadas à igreja estatal, enquanto o Vaticano estabelece
que o número de fiéis obedientes ao Vaticano, é duas vezes maior. Até hoje a Santa Sé
nomeia bispos que atuam clandestinamente em igrejas ilegais.
O papa afirmou que "não é o momento de se fazer julgamentos sobre
aquele tempo. Eles podem e devem ser feitos, mas em outras circunstâncias". O bispo
Fu Tieshan, da Igreja ligada ao estado, afirmou à TV chinesa que estava "indignado
com a distorção histórica" feita pelo Vaticano.
A "honra" da canonização está se tornando comum durante o
papado de João Paulo II. Com essa última leva de santos, sobe para mais de 447 o número
de novos santos anunciados em seus 22 anos como sumo pontífice. Para se ter idéia, todos
os papas anteriores a ele canonizaram juntos 302 pessoas desde 1500, quando foram
estabelecidos os procedimentos formais para a canonização.