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Aterballetto faz da dança uma máfia do bem

24/10/2002

 

Adriana Pavlova

   Muito pouca gente na Itália pode se gabar de ter chegado onde o coreógrafo Mauro Bigonzetti chegou. Num país onde dança contemporânea e balé clássico pouco se entendem, Bigonzetti vem conseguindo unir os dois lados dessa complexa família, a ponto de despertar a curiosidade de teatros, como o Scala de Milão, e de companhias como o New York City Ballet, que meses atrás o convidou para criar “Vespro”, trabalho que estreou em maio. Essa eficiente fórmula coreográfica chega ao Brasil nos corpos do Aterballetto, a companhia dirigida por Bigonzetti.

   O grupo sediado na região da Reggio Emilia, que volta ao Brasil para uma turnê depois de uma única passagem por aqui, em 1989, é uma companhia estruturada a partir do repertório de seu coreógrafo símbolo — Bigonzetti é hoje, muito provavelmente, o italiano com maior projeção na dança internacional — e de outras estrelas do cenário mundial da criação de movimentos, que, em comum, têm o fato de desestruturarem a técnica clássica para chegar a passos contemporâneos.

Coreógrafo retirou obra de Forsythe do baú

   São nomes como William Forsythe e Jiri Kylián, cujas peças estarão no palco do Teatro Municipal do Rio no sábado e no domingo. Desses dois queridinhos internacionais, a trupe italiana dança “Heart’s labirynth” (Kylián) e “Steptext” (Forsythe), além de duas obras de Bigonzetti: “Canzoni” e “ Furia Corporis”.

   — As quatro peças dão uma boa amostra do nosso corpo e de nossa alma. O programa  preparado para o Brasil condensa técnica, estilo, personalidade e musicalidade, que revelam a alma e o valor da companhia — diz Bigonzetti, que chegou ao Aterballetto em 1982 e ali fez sua carreira, tornando-se um dos principais intérpretes do grupo e tendo a chance de participar de criações de nomes como Alvin Ailey, Forsythe, Lucinda Childs, além de dançar obras do repertório mais tradicional como trabalhos de Bournonville, Balanchine e Massine. — Infelizmente, na Itália, não há oportunidades para a dança contemporânea se encontrar ou mesmo discutir idéias com as pessoas do balé clássico. Os dois mundos se ignoram mutuamente. Somos uma alternativa às tradicionais casas de ópera, provando que uma companhia de apenas 20 bailarinos pode trabalhar com qualidade e em muitas direções.

   O Aterballetto é sediado no Centro della Danza, um complexo que segue os padrões dos centros coreográficos franceses, onde acontecem múltiplas atividades. A companhia formada quase inteiramente por italianos tem como marca a variedade coreográfica e as mãos firmes de seu líder, cujo estilo, para muitos, está ligado ao jeito Forsythe. Faz sentido. Foi dele, por exemplo, a idéia de remexer o baú coreográfico da companhia fundada há 23 anos e de lá retirar “Steptext”, do diretor do Balé de Frankfurt.

Peças na Inglaterra, na Alemanha e na França

   — Trata-se de um lindo exercício de estilo a partir do balé clássico, que eu costumava dançar quando ainda era bailarino da companhia, nos anos 80, assim que a peça foi feita — diz. — Convido um coreógrafo para trabalhar com a minha companhia quando ele é dono de um estilo pessoal e de uma sensibilidade forte. Ter fama não basta. Admiro o trabalho de Kylián e de Forsythe, com os quais tenho um ótimo relacionamento.

   Assim como Bigonzetti faz questão de arejar o dia-a-dia da trupe com peças que vêm de fora, ele tem feito o caminho inverso. Sua fama saiu de dentro de casa e ganhou o mundo, com trabalhos para o English National Ballet, a Deutsche Oper de Berlim, o Ballet du Capitole (Toulouse), a Ópera de Dresden, além de colaborações com companhias italianas, como os grupos do Scala (para o qual acabou de atender uma encomenda) e de Toscana e da Ópera de Roma.

(© O Globo On Line)

Emoção em quatro peças

HEART’S LABIRYNTH

   A peça com músicas de Schoenberg, Webern e Dvorák foi composta pelo tcheco Jiri Kylián para sua antiga companhia, o Nederlands Dans Theater 1, em 1984, depois que uma das bailarinas do grupo se matou durante uma turnê na Itália. "A criação foi uma experiência totalmente emocional, porque todos os envolvidos estavam muito perturbados", explica Kylián.

STEPTEXT

   Obra de William Forsythe, está no repertório da companhia desde 1982, mas só este ano foi remontada. Um ótimo exemplar de desconstrução do balé clássico para criação de movimentos.

FURIA CORPORIS

   Peça de Bigonzetti que estará no programa de sábado. Neste trabalho de 1998, ele foi buscar em textos de Jung e Michelangelo a idéia-base para sua criação repleta de movimentos bem mais pesados, que põem o corpo em risco. É um estudo dos corpos no espaço, que brinca com as diferentes possibilidades energéticas dos bailarinos.

CANZONI

   A outra obra de Bigonzetti será apresentada no domingo. Criada em 1997, ela é uma peça de fôlego, com 40 minutos, que passeia por uma trilha pop (Caetano Veloso, inclusive).“A peça é um divertissement , com muita técnica e ironia, muito gostosa de ver”, diz o coreógrafo.

(© O Globo On Line)


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