LIVRO/LANÇAMENTO: "DE
RETOUR"
Obra foi concebida a partir de entrevista com filósofo italiano feita pela
psicanalista Anne Dufourmantelle
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
O filósofo italiano Toni Negri, preso em Roma em
regime semi-aberto, é o pensador político da hora na Europa entre os militantes de
esquerda. Não há autor mais solicitado e discutido do que o autor de
"Império", quando se trata de interpretar os mecanismos de opressão na
atualidade e as formas de resistência. O fenômeno Negri é maior ainda na França, onde
acaba de sair "De Retour" (De Volta), em que pela primeira vez o filósofo fala
a respeito de seu conturbado passado político de maneira aberta e rica em detalhes.
Com o subtítulo "Abecedário Biopolítico",
o livro é uma longa entrevista com o filósofo feita pela psicanalista francesa Anne
Dufourmantelle. Toni Negri, 69, expõe suas reminiscências, opiniões e conceitos
filosóficos a partir de palavras que lhe são propostas em ordem alfabética:
"Atentado", "Brigadas Vermelhas", "Fascismo",
"Multidão", "Veneza"...
"Brigadas Vermelhas" é um tema central,
evocado inúmeras vezes no livro. Negri está preso em Roma porque é acusado de ser o
cérebro, "il grande vecchio" (o grande velho), deste grupo terrorista que atuou
na Itália na década de 70 e de ter sido o mentor do assassinato do deputado Aldo Moro
-um crime que abalou a Itália e a Europa em 1978.
"Certa simpatia"
No livro, o filósofo, que militava em grupos de
esquerda, reconhece que teve contatos com as Brigadas Vermelhas, pelas quais nutria no
início "uma certa simpatia". Ele rejeita, porém, qualquer participação em
atentados: "Num certo momento, eles começaram a matar. Evidentemente, eu não estava
mais de acordo".
Negri afirma que tentou salvar Moro: "Nós fizemos
de tudo para salvar a vida de Moro, fomos até mesmo falar com um membro do governo,
Bettino Craxi, que estava então na chefia do Partido Socialista. Consideramos que a luta
armada tinha chegado a um ponto de não-retorno e seria preciso absolutamente salvar Moro.
Seria preciso bloquear as Brigadas Vermelhas".
O filósofo foi preso em 1979, julgado e condenado,
como um dos chefes do grupo terrorista e por cumplicidade na morte do deputado
democrata-cristão. Permaneceu quatro anos em prisão de alta segurança. Em 1983, Negri
fugiu para a França, onde se exilou até 1997. Neste ano, depois de uma desilusão
amorosa, voltou à Roma, onde foi imediatamente preso.
Foi colocado na mesma cela em que cumpria pena um
membro das Brigadas Vermelhas encarregado pelo grupo de matá-lo, por traição. "O
homem que deveria me eliminar se tornou um bom amigo, montamos juntos uma cooperativa de
ajuda aos detidos que saem da prisão", conta o filósofo no livro.
Curiosidades
A trajetória política de Negri, filho de um comunista
morto pelos fascistas em 1936, é um dos pontos de interesse deste livro, que salta o
tempo todo dos assuntos biográficos aos filosóficos e sociais. Negri dificilmente cede
à anedota, mas deixa escapar curiosidades particulares, como a sua amizade com a atriz
Claudia Cardinale.
O principal da entrevista, porém, é o conjunto de
reflexões sobre a atualidade. As noções de "império", "multidão",
"biopolítica", cada vez mais vulgarizadas, norteiam o pensamento político e
materialista de Negri para explicar as condições atuais de existência. Ainda uma vez,
ele esclarece que o conceito "império" não pode ser assimilado a "Estados
Unidos" e reage com veemência a todo antiamericanismo que contamina o pensamento
primário de esquerdistas.
DE RETOUR - ABÉCÉDAIRE
BIOPOLITIQUE. Autor: Toni Negri. Lançamento: editora Calmann-Lévy, Quanto: 16 euros
(252 págs.) Onde encontrar: www.amazon.fr.
(© Folha de S. Paulo)