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Negri fala do passado político em nova obra

11/10/2002

 

 


LIVRO/LANÇAMENTO: "DE RETOUR"

Obra foi concebida a partir de entrevista com filósofo italiano feita pela psicanalista Anne Dufourmantelle

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

   O filósofo italiano Toni Negri, preso em Roma em regime semi-aberto, é o pensador político da hora na Europa entre os militantes de esquerda. Não há autor mais solicitado e discutido do que o autor de "Império", quando se trata de interpretar os mecanismos de opressão na atualidade e as formas de resistência. O fenômeno Negri é maior ainda na França, onde acaba de sair "De Retour" (De Volta), em que pela primeira vez o filósofo fala a respeito de seu conturbado passado político de maneira aberta e rica em detalhes.

   Com o subtítulo "Abecedário Biopolítico", o livro é uma longa entrevista com o filósofo feita pela psicanalista francesa Anne Dufourmantelle. Toni Negri, 69, expõe suas reminiscências, opiniões e conceitos filosóficos a partir de palavras que lhe são propostas em ordem alfabética: "Atentado", "Brigadas Vermelhas", "Fascismo", "Multidão", "Veneza"...

   "Brigadas Vermelhas" é um tema central, evocado inúmeras vezes no livro. Negri está preso em Roma porque é acusado de ser o cérebro, "il grande vecchio" (o grande velho), deste grupo terrorista que atuou na Itália na década de 70 e de ter sido o mentor do assassinato do deputado Aldo Moro -um crime que abalou a Itália e a Europa em 1978.

"Certa simpatia"

   No livro, o filósofo, que militava em grupos de esquerda, reconhece que teve contatos com as Brigadas Vermelhas, pelas quais nutria no início "uma certa simpatia". Ele rejeita, porém, qualquer participação em atentados: "Num certo momento, eles começaram a matar. Evidentemente, eu não estava mais de acordo".

   Negri afirma que tentou salvar Moro: "Nós fizemos de tudo para salvar a vida de Moro, fomos até mesmo falar com um membro do governo, Bettino Craxi, que estava então na chefia do Partido Socialista. Consideramos que a luta armada tinha chegado a um ponto de não-retorno e seria preciso absolutamente salvar Moro. Seria preciso bloquear as Brigadas Vermelhas".

   O filósofo foi preso em 1979, julgado e condenado, como um dos chefes do grupo terrorista e por cumplicidade na morte do deputado democrata-cristão. Permaneceu quatro anos em prisão de alta segurança. Em 1983, Negri fugiu para a França, onde se exilou até 1997. Neste ano, depois de uma desilusão amorosa, voltou à Roma, onde foi imediatamente preso.

   Foi colocado na mesma cela em que cumpria pena um membro das Brigadas Vermelhas encarregado pelo grupo de matá-lo, por traição. "O homem que deveria me eliminar se tornou um bom amigo, montamos juntos uma cooperativa de ajuda aos detidos que saem da prisão", conta o filósofo no livro.

Curiosidades

   A trajetória política de Negri, filho de um comunista morto pelos fascistas em 1936, é um dos pontos de interesse deste livro, que salta o tempo todo dos assuntos biográficos aos filosóficos e sociais. Negri dificilmente cede à anedota, mas deixa escapar curiosidades particulares, como a sua amizade com a atriz Claudia Cardinale.

   O principal da entrevista, porém, é o conjunto de reflexões sobre a atualidade. As noções de "império", "multidão", "biopolítica", cada vez mais vulgarizadas, norteiam o pensamento político e materialista de Negri para explicar as condições atuais de existência. Ainda uma vez, ele esclarece que o conceito "império" não pode ser assimilado a "Estados Unidos" e reage com veemência a todo antiamericanismo que contamina o pensamento primário de esquerdistas.


DE RETOUR - ABÉCÉDAIRE BIOPOLITIQUE. Autor: Toni Negri. Lançamento: editora Calmann-Lévy, Quanto: 16 euros (252 págs.) Onde encontrar: www.amazon.fr.

(© Folha de S. Paulo)

 

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