Tradutora diz que houve falsificação de
documento em concessão de cidadania
DA REPORTAGEM LOCAL
O Comites (Comitê de Italianos no Exterior), órgão
oficial do governo italiano, instaurou uma comissão de inquérito para investigar
supostas irregularidades na concessão de cidadania italiana e na emissão de vistos pelo
Consulado Geral da Itália em São Paulo, ocorridas a partir de 1997.
Entre outros pontos, a comissão de inquérito, formada em junho, apura eventuais
responsabilidades do atual cônsul italiano em São Paulo, Gianluca Cortese.
A comissão funciona como uma CPI. O resultado da
investigação deve ser enviado ao Ministério da Justiça e à Procuradoria da República
da Itália.
A principal testemunha, a tradutora Leonora Giuliana
Caterini, 45, depôs anteontem na comissão e entregou documentos -inclusive papéis
internos do consulado- referentes a três casos. A Polícia Federal investiga um deles.
Leonora Giuliana diz ter descoberto a falsificação do
certificado de nascimento de um italiano. A suposta fraude, ocorrida em 1997, teria o
objetivo de viabilizar a aprovação da cidadania de um descendente.
Segundo a tradutora, que já encaminhou pedidos de
cidadania para cerca de 25 jogadores de futebol de salão amador, dados armazenados nos
computadores do consulado afirmam que Geremia Zorzenon nasceu em San Stino di Livenza.
Só que um registro antigo da igreja, incluído na
documentação, revela que Zorzenon nasceu em Fumicello, localizada em antigo território
austro-húngaro anexado pela Itália em 1920. Em 1997, não era permitido conceder
cidadania aos descendentes de nascidos nessa região, o que foi alterado em 2000.
Leonora também apresentou um documento do consulado,
de 2001, sobre o pedido de cidadania para o jogador de futebol de campo André Augusto
Leone, o Dedé.
Segundo esse documento, o pedido de cidadania entrou e
foi viabilizado no mesmo dia -em data em que o serviço estava fechado para o público.
Normalmente, esse processo demora meses.
A tradutora também apresentou documentos para mostrar
que o consulado tentou impedir que um funcionário prestasse depoimento na Polícia
Federal, que investigava o uso de certidões falsas na concessão de 61 vistos turísticos
para peruanos, em 2001.
Pierpaolo Savio, que exercia o cargo de chanceler
chefe, acabou depondo e negou conhecer qualquer irregularidade no consulado. Ele respondeu
a um procedimento disciplinar e foi envidado de volta à Itália.
"A prova de cidadania falsa está aí para quem
quiser ver. É uma prova de irregularidade, não tenho dúvida", afirmou a tradutora.
Para o presidente da comissão de inquérito, Francesco
Scavolini, os documentos mostram que é preciso seguir com a investigação.
"Precisamos passar tudo isso a limpo", afirmou Scavolini.
Ele solicitou documentos ao consulado e depoimento do próprio cônsul à comissão de
inquérito, mas teve resposta negativa.
Existe uma divisão no Comites em relação à
investigação. Para o presidente do comitê, Claudio João Pieroni, os documentos
entregues à comissão antes do depoimento de anteontem se referem apenas
"reclamações, e não denúncias de irregularidades".
Pieroni diz que os membros da comissão de inquérito
vão analisar os novos documentos encaminhadas por Leonora antes de decidir o futuro da
investigação. "Se não houver prova de irregularidade, a comissão de inquérito
deve ser destituída, e essas reclamações devem ser apuradas por uma comissão de
trabalho", disse.
OUTRO LADO
Cônsul-adjunto nega ocorrência de irregularidades DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir nota oficial sobre o caso, divulgada ontem pelo Consulado Geral da Itália
em São Paulo e assinada pelo cônsul-adjunto, Luigi Estero.
"O presidente do Comites (Comitê dos Italianos no Exterior de São
Paulo), Cláudio Pieroni, nos informou que a comissão de investigação citada possui
apenas documentação de procedimentos administrativos ordinários referentes ao
reconhecimento da cidadania italiana.
Devido ao grande volume de processos de reconhecimento da cidadania italiana que este
Consulado Geral examina pode acontecer que, em alguns casos, ocorram queixas que, no
limite possível, esta representação consular sempre procurou acolher da melhor forma.
A documentação que se
encontra atualmente em poder da referida comissão refere-se exatamente a esse tipo de
inconveniente. Por este motivo, o presidente Pieroni nos informou que tal documentação
será enviada da Comissão de Investigação para a Comissão de Relações com o
Consulado, que sempre encarregou-se desse tipo de problema. Até a presente data não
temos conhecimento de ulteriores documentações em poder da Comissão de Investigação.
Com relação à
emissão de vistos para cidadãos peruanos, desejo esclarecer que, graças a periódicas
inspeções internas no setor de vistos, foi possível identificar casos de concessão de
vistos mediante a apresentação de documentação de identidade falsificada. Foi uma
preocupação do cônsul-geral da Itália, Gianluca Cortese, denunciar o ocorrido às
autoridades brasileiras e italianas que, por sua vez, instauraram um inquérito para as
necessárias averiguações.
Com relação à
senhora Giuliana Caterini, pessoa conhecida deste Consultado Geral por acompanhar, pelo
que me consta, com muita frequência processos relativos à cidadania italiana em
particular de jogadores de futebol, muitas vezes a mesma solicitou a este Consulado Geral
e a nossa embaixada em Brasília informações sobre o andamento destes processos.
As autoridades
diplomáticas italianas no Brasil sempre responderam, nos limites de quanto é permitido
pela legislação italiana, a estas requisições, assegurando, porém, o respeito das
normas administrativas que regulam, de modo rígido, esse tipo de processo, que se estimam
em milhares de casos.
Com relação aos casos
citados pela senhora Caterini, posso assegurar que jamais foi cometido algum tipo de
irregularidade, não sendo verdadeira a afirmativa da mesma.
Enfim, com relação ao chanceler Pierpaolo Savio, desejo evidenciar que se trata de uma
das pessoas envolvidas na investigação acima mencionada relativa à concessão de vistos
a cidadãos peruanos. Como foi noticiado pela imprensa italiana, o referido chanceler
sofreu uma detenção cautelar de alguns dias por determinação da magistratura
italiana." |
(© Folha de S. Paulo)