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Cavalcanti é a maior família brasileira

09/08/2001

"Dicionário das Famílias Brasileiras", de Carlos Eduardo Barata e Cunha Bueno

 


Dicionário traz a origem de cerca de 60 mil sobrenomes; para autores, 16% dos brasileiros descendem de italianos

PAULO ROBERTO LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

   A maior família brasileira é a Cavalcanti, de origem italiana, e não a dos Silvas, diferentemente, portanto, do que a maioria das pessoas pensa. É o que afirmam o pesquisador e deputado Cunha Bueno (PPB-SP) e o historiador Carlos Eduardo Barata, que acabam de lançar 3.000 exemplares da segunda parte do "Dicionário das Famílias Brasileiras", composto por dois volumes, com o total de 2.724 páginas.

   Entre os 17.527 verbetes do dicionário está, em detalhes, a história do florentino dom Felipe (ou "Filippo", em italiano) Cavalcanti, que veio para o Brasil em meados do século 16, desembarcando em Pernambuco, onde casou-se com a mameluca (mestiça de branco com índia) Catarina de Albuquerque. Eles tiveram 11 filhos, que iniciaram uma numerosa descendência.

   Segundo os autores, 16% dos brasileiros são descendentes de famílias italianas.
Cunha Bueno afirma que os Silvas, embora sejam muitos, não pertencem a uma única família, como a dos Cavalcantis ou Cavalcantes, conforme o sobrenome também passou a ser grafado no Brasil. Além disso, de acordo com Barata, o sobrenome Silva, que já era comum em Portugal na época do descobrimento do Brasil, foi adotado por muitos brasileiros.

   Os verbetes contêm cerca de 60 mil sobrenomes de famílias cujas origens, além de portuguesas, indígenas e africanas, são sobretudo espanholas, italianas, alemãs, libanesas e francesas. Estão presentes também grupos étnico-religiosos como o dos judeus.

   Para Barata, a obra tem "uma abordagem democrática", não se atendo apenas às famílias da elite, diferentemente do que ocorre no Brasil com a maior parte dos levantamentos genealógicos.

   Por isso foram incluídas nos dois volumes do dicionário as famílias das grandes levas de imigração que ocorreram depois da segunda metade do século 19, indo um pouco além de 1945, após a Segunda Guerra Mundial, destacando-se as de italianos, japoneses, alemães e árabes.
Midory Kimura Figuti, diretora do Memorial do Imigrante, em São Paulo, afirma ser justo a inclusão no dicionário dos sobrenomes de pessoas dessas correntes imigratórias. "Afinal, para ser brasileiro, não é preciso ser quatrocentão, ou melhor, quinhentão", disse ela, referindo-se às famílias que estão no Brasil desde os primeiros anos da colonização.

   O Memorial do Imigrante está instalado no Brás, centro, em um prédio que fez parte de um conjunto de instalações onde funcionou entre 1886 e 1888 a Hospedaria de Imigrantes, que desde 1882 estava no Bom Retiro (centro). Por ali, passaram cerca de 2,5 milhões de estrangeiros, que foram encaminhados para as lavouras de café de São Paulo.

   O museu do memorial é uma das fontes de informação das pesquisas de Cunha Bueno e Barata. Os dois também recorrem a cartórios, igrejas, cemitérios, documentos oficiais e familiares e livros antigos.

   Os sobrenomes garimpados são indexados a linhas de família, sendo as principais: africana, batina, do cristão-novo, do degredado, indígena, natural e órfãs da rainha.

   A obra está disponível em várias bibliotecas do país. O CD-ROM que acompanha os volumes que estão sendo lançados agora contém todas as informações do dicionário, incluindo as da primeira parte, cuja edição está esgotada.

   No CD, estão ascendentes de pessoas que hoje fazem parte do noticiário, como Fernando Henrique Cardoso, Armínio Fraga, Marta Suplicy, Paulo Maluf e Paulo Autran. Mas faltam nomes como o de Gustavo Kuerten, o Guga, de Gisele Bündchen, ambos de ascendência alemã, Ana Paula Arósio, com ancestrais na Itália, e Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, da linha africana.

   Barata e Cunha Bueno afirmam que já estão preparando uma continuidade do dicionário, que provavelmente será lançado em 2003, e uma edição só para as famílias de origem italiana, prevista para o próximo ano. "As pessoas que ficaram até agora fora do dicionário poderão estar na sequência da publicação", afirma Barata. Ele diz ter um banco de dados com cerca de 300 mil sobrenomes. (FOLHA DE S. PAULO)

"Dicionário das Famílias Brasileiras", de Carlos Eduardo Barata e Cunha Bueno, Edição do Autor, dois volumes, 2.721 páginas.

Lei autorizou miscigenação

DA REPORTAGEM LOCAL

   Em 4 de abril de 1755, d. José, rei de Portugal, assina decreto que autoriza a miscigenação de portugueses com índios. "Faço saber aos que este meu Alvará de Lei virem, considerando o quanto convém, que os meus reais domínios da América se povoem e para este fim pode concorrer muito a comunicação com os índios por meio de casamentos", destaca o texto da lei logo no começo.

   Cunha Bueno afirma que esse documento registra a diferença fundamental entre a colonização portuguesa em relação a outras, como a holandesa, inglesa e espanhola, nas quais as uniões multirraciais não eram permitidas.

   No Brasil, diz Cunha Bueno, a Igreja Católica resistia a esse tipo de casamento, mas a decisão do rei foi pragmática, porque ele precisava de pessoas com sangue português, ainda que misturado com o dos nativos, para ocupar o território descoberto.

   O pesquisador Carlos Eduardo Barata afirma que a oficialização da miscigenação com os negros, embora isso já acontecesse nas senzalas, nem sequer foi cogitada pela Corte portuguesa.

   Cunha Bueno diz que, mesmo havendo uma oficialização da miscigenação de portugueses com os índios, "há muita dificuldade para levantar informações de famílias que se constituíram a partir desse tipo de união".

   Em relação à miscigenação com negro, também não há muita documentação, de acordo com o pesquisador. "Isso porque, entre outras coisas, eles [os negros" acabavam adotando o sobrenome de seus patrões, do local onde estavam ou nomes religiosos." (PRL) (FOLHA DE S. PAULO)


Falta rigor científico, diz especialista

DA REPORTAGEM LOCAL

   Os levantamentos brasileiros de genealogia não têm nenhum rigor científico e, portanto, não são confiáveis, diz Gilson Nazareth, doutor em comunicação e cultura brasileira.

   A maior parte desses trabalhos, afirma, atende apenas ao ego de quem necessita examinar o passado para se valorizar.

   Segundo ele, no Brasil os livros de genealogia são mais consultados nos momentos de enriquecimento ou de empobrecimento de segmentos da sociedade.

   Nazareth afirma que, nessas circunstâncias, os novos ricos procuram os estudos das famílias para tentar provar aos seus novos pares que não são tão diferentes como parecem ser, e os novos pobres para demonstrar que não são iguais aos seus vizinhos.

   Para ele, a genealogia não tem importância para a vida do indivíduo, porque "não é a origem do sangue que faz a pessoa", mas sim o ambiente em que vive, o seu empenho e esforço.
Ele cita Portugal como exemplo de país onde a genealogia tem serventia, porque é utilizada, por exemplo, para estudar a fixação das famílias na terra.

   Sobre o dicionário de Carlos Eduardo Barata e Antônio Henrique da Cunha, Nazareth diz que se trata de uma coleta importante de dados sobre a formação das famílias brasileiras, ainda que os sobrenomes que ali estão não tenham sido checados por causa de sua grande quantidade.
"Quanto mais geral é o levantamento de informação, menos exato ele é", diz. "Mas levar ao pé da letra um dicionário é burrice."

Adultério

   Independentemente da inexatidão do levantamento de informações, Sérgio Danilo Pena, pesquisador geneticista da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que, numa estimativa conservadora, de 5% a 10% dos filhos dos casais são gerados por meio do adultério, sem que o chefe da família fique sabendo disso.

   Pena diz que tal comportamento não só ocorre no Brasil, como na maior parte dos países.
De acordo com o geneticista, hoje em dia a realização de exame de DNA comprova, sem margem de erro, os casais que se enquadram nessa situação.
(PRL) (FOLHA DE S. PAULO)

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