Dicionário traz a
origem de cerca de 60 mil sobrenomes; para autores, 16% dos brasileiros descendem de
italianosPAULO ROBERTO LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
A maior família brasileira é a Cavalcanti, de origem italiana, e não a dos
Silvas, diferentemente, portanto, do que a maioria das pessoas pensa. É o que afirmam o
pesquisador e deputado Cunha Bueno (PPB-SP) e o historiador Carlos Eduardo Barata, que
acabam de lançar 3.000 exemplares da segunda parte do "Dicionário das Famílias
Brasileiras", composto por dois volumes, com o total de 2.724 páginas.
Entre os 17.527 verbetes do dicionário está, em
detalhes, a história do florentino dom Felipe (ou "Filippo", em italiano)
Cavalcanti, que veio para o Brasil em meados do século 16, desembarcando em Pernambuco,
onde casou-se com a mameluca (mestiça de branco com índia) Catarina de Albuquerque. Eles
tiveram 11 filhos, que iniciaram uma numerosa descendência.
Segundo os autores, 16% dos brasileiros são
descendentes de famílias italianas.
Cunha Bueno afirma que os Silvas, embora sejam muitos, não pertencem a uma única
família, como a dos Cavalcantis ou Cavalcantes, conforme o sobrenome também passou a ser
grafado no Brasil. Além disso, de acordo com Barata, o sobrenome Silva, que já era comum
em Portugal na época do descobrimento do Brasil, foi adotado por muitos brasileiros.
Os verbetes contêm cerca de 60 mil sobrenomes de
famílias cujas origens, além de portuguesas, indígenas e africanas, são sobretudo
espanholas, italianas, alemãs, libanesas e francesas. Estão presentes também grupos
étnico-religiosos como o dos judeus.
Para Barata, a obra tem "uma abordagem
democrática", não se atendo apenas às famílias da elite, diferentemente do que
ocorre no Brasil com a maior parte dos levantamentos genealógicos.
Por isso foram incluídas nos dois volumes do
dicionário as famílias das grandes levas de imigração que ocorreram depois da segunda
metade do século 19, indo um pouco além de 1945, após a Segunda Guerra Mundial,
destacando-se as de italianos, japoneses, alemães e árabes.
Midory Kimura Figuti, diretora do Memorial do Imigrante, em São Paulo, afirma ser justo a
inclusão no dicionário dos sobrenomes de pessoas dessas correntes imigratórias.
"Afinal, para ser brasileiro, não é preciso ser quatrocentão, ou melhor,
quinhentão", disse ela, referindo-se às famílias que estão no Brasil desde os
primeiros anos da colonização.
O Memorial do Imigrante está instalado no Brás,
centro, em um prédio que fez parte de um conjunto de instalações onde funcionou entre
1886 e 1888 a Hospedaria de Imigrantes, que desde 1882 estava no Bom Retiro (centro). Por
ali, passaram cerca de 2,5 milhões de estrangeiros, que foram encaminhados para as
lavouras de café de São Paulo.
O museu do memorial é uma das fontes de informação
das pesquisas de Cunha Bueno e Barata. Os dois também recorrem a cartórios, igrejas,
cemitérios, documentos oficiais e familiares e livros antigos.
Os sobrenomes garimpados são indexados a linhas de
família, sendo as principais: africana, batina, do cristão-novo, do degredado,
indígena, natural e órfãs da rainha.
A obra está disponível em várias bibliotecas do
país. O CD-ROM que acompanha os volumes que estão sendo lançados agora contém todas as
informações do dicionário, incluindo as da primeira parte, cuja edição está
esgotada.
No CD, estão ascendentes de pessoas que hoje fazem
parte do noticiário, como Fernando Henrique Cardoso, Armínio Fraga, Marta Suplicy, Paulo
Maluf e Paulo Autran. Mas faltam nomes como o de Gustavo Kuerten, o Guga, de Gisele
Bündchen, ambos de ascendência alemã, Ana Paula Arósio, com ancestrais na Itália, e
Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, da linha africana.
Barata e Cunha Bueno afirmam que já estão preparando
uma continuidade do dicionário, que provavelmente será lançado em 2003, e uma edição
só para as famílias de origem italiana, prevista para o próximo ano. "As pessoas
que ficaram até agora fora do dicionário poderão estar na sequência da
publicação", afirma Barata. Ele diz ter um banco de dados com cerca de 300 mil
sobrenomes. (FOLHA DE S. PAULO)
"Dicionário das Famílias Brasileiras", de Carlos
Eduardo Barata e Cunha Bueno, Edição do Autor, dois volumes, 2.721 páginas.
Lei autorizou
miscigenação DA
REPORTAGEM LOCAL
Em 4 de abril de 1755, d. José, rei de Portugal, assina decreto que autoriza
a miscigenação de portugueses com índios. "Faço saber aos que este meu Alvará de
Lei virem, considerando o quanto convém, que os meus reais domínios da América se
povoem e para este fim pode concorrer muito a comunicação com os índios por meio de
casamentos", destaca o texto da lei logo no começo.
Cunha Bueno afirma que esse documento registra a
diferença fundamental entre a colonização portuguesa em relação a outras, como a
holandesa, inglesa e espanhola, nas quais as uniões multirraciais não eram permitidas.
No Brasil, diz Cunha Bueno, a Igreja Católica resistia
a esse tipo de casamento, mas a decisão do rei foi pragmática, porque ele precisava de
pessoas com sangue português, ainda que misturado com o dos nativos, para ocupar o
território descoberto.
O pesquisador Carlos Eduardo Barata afirma que a
oficialização da miscigenação com os negros, embora isso já acontecesse nas senzalas,
nem sequer foi cogitada pela Corte portuguesa.
Cunha Bueno diz que, mesmo havendo uma oficialização
da miscigenação de portugueses com os índios, "há muita dificuldade para levantar
informações de famílias que se constituíram a partir desse tipo de união".
Em relação à miscigenação com negro, também não
há muita documentação, de acordo com o pesquisador. "Isso porque, entre outras
coisas, eles [os negros" acabavam adotando o sobrenome de seus patrões, do local
onde estavam ou nomes religiosos." (PRL) (FOLHA
DE S. PAULO)
Falta rigor científico,
diz especialista
DA REPORTAGEM LOCAL
Os levantamentos brasileiros de genealogia não têm nenhum rigor científico
e, portanto, não são confiáveis, diz Gilson Nazareth, doutor em comunicação e cultura
brasileira.
A maior parte desses trabalhos, afirma, atende apenas
ao ego de quem necessita examinar o passado para se valorizar.
Segundo ele, no Brasil os livros de genealogia são
mais consultados nos momentos de enriquecimento ou de empobrecimento de segmentos da
sociedade.
Nazareth afirma que, nessas circunstâncias, os novos
ricos procuram os estudos das famílias para tentar provar aos seus novos pares que não
são tão diferentes como parecem ser, e os novos pobres para demonstrar que não são
iguais aos seus vizinhos.
Para ele, a genealogia não tem importância para a
vida do indivíduo, porque "não é a origem do sangue que faz a pessoa", mas
sim o ambiente em que vive, o seu empenho e esforço.
Ele cita Portugal como exemplo de país onde a genealogia tem serventia, porque é
utilizada, por exemplo, para estudar a fixação das famílias na terra.
Sobre o dicionário de Carlos Eduardo Barata e Antônio
Henrique da Cunha, Nazareth diz que se trata de uma coleta importante de dados sobre a
formação das famílias brasileiras, ainda que os sobrenomes que ali estão não tenham
sido checados por causa de sua grande quantidade.
"Quanto mais geral é o levantamento de informação, menos exato ele é", diz.
"Mas levar ao pé da letra um dicionário é burrice."
Adultério
Independentemente da inexatidão do levantamento de
informações, Sérgio Danilo Pena, pesquisador geneticista da UFMG (Universidade Federal
de Minas Gerais), afirma que, numa estimativa conservadora, de 5% a 10% dos filhos dos
casais são gerados por meio do adultério, sem que o chefe da família fique sabendo
disso.
Pena diz que tal comportamento não só ocorre no
Brasil, como na maior parte dos países.
De acordo com o geneticista, hoje em dia a realização de exame de DNA comprova, sem
margem de erro, os casais que se enquadram nessa situação. (PRL) (FOLHA DE S. PAULO) |
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