Miguel Mora
Em Roma (Itália)
A Itália vive os dias da lama. O chefe do governo,
Silvio Berlusconi, decidiu investir contra os que ainda
ousam criticá-lo, e não parece disposto a fazer
prisioneiros. A primeira vítima de sua ofensiva de
outono, judiciária e midiática, foi Dino Boffo, diretor
do jornal dos bispos, "L'Avvenire", que se demitiu na
quinta-feira depois do feroz ataque de uma das mídias da
família Berlusconi, "Il Giornale", baseado em uma nota
anônima que o acusava de homossexualismo.
Ezio Mauro (nascido em Turim em 1948), diretor de "La
Repubblica" desde 1996, já sofreu as duas vertentes da
ofensiva: Berlusconi denunciou seu jornal pelas dez
perguntas que lhe formula desde o mês de maio sobre suas
relações com menores e prostitutas, e "Il Giornale"
tentou desacreditá-lo pessoalmente, acusando-o de ter
sonegado impostos ao comprar sua casa romana. Mauro
demonstrou que as imputações são falsas e afirma que
Berlusconi empreendeu uma estratégia de "gangsterismo
midiático para enviar uma dupla ameaça: à igreja e aos
diretores de jornais".
El País: Boffo foi a
primeira vítima. O senhor acredita que haverá outras?
Ezio Mauro: Boffo sofreu um ataque pessoal feroz e
violentíssimo por criticar o chefe de governo. Sua
dimensão demonstra que a estratégia é eficaz: isolam-se
as vítimas, se faz silêncio, ninguém dá o nome do que
ordenou o ataque e o medo se expande. Boffo só é culpado
de ter respondido às cartas dos padres e das bases
católicas que pediam explicações à igreja por sua reação
morna ao comportamento de Berlusconi. O fez de forma
prudente e discreta. Em troca, "Il Giornale" desenterrou
uma história velha, publicada há anos por "Panorama",
outra publicação de Berlusconi, para assim enviar duas
mensagens: à igreja, convidando-a a não criticá-lo, e
aos outros diretores de jornais, dizendo-lhes que
caminhem com o olhar baixo e que falem de outra coisa.
El País: Parece uma preocupante caça às bruxas.
Mauro: É um ato gravíssimo de gangsterismo
midiático, baseado em um apócrifo: publicaram um anônimo
como se fosse um papel adjunto a atas judiciais para
acusar Boffo de homossexualidade. Mas a responsabilidade
política é do chefe do governo, envolvido em um novo
abuso de poder como político, como pessoa e como
proprietário para destruir seus críticos. A história
reforça nossa nona pergunta: o chefe de governo usou ou
está usando os serviços secretos contra testemunhas,
juízes, jornalistas? Os fatos falam por si mesmos.
El País: E o senhor não acredita que o ataque à
igreja católica pode se voltar contra ele?
Mauro: Berlusconi ataca a igreja porque concebe seu
poder como um poder absoluto, alheio a todo controle.
Essa lógica não aceita se rebaixar a cumprir os pactos
com a igreja e pedir desculpas. Prefere demonstrar sua
força, expandir o medo e depois eventualmente negociar.
A ruptura com a igreja ampliará sem dúvida a brecha de
que falei depois das eleições europeias. Suas mentiras
sobre suas relações femininas distanciaram Berlusconi do
país e da realidade. Veremos aonde chegará essa brecha
no futuro. Será difícil para ele voltar a uma relação
normal com a igreja, da qual foi aliado privilegiado. A
igreja domina a arte da diplomacia, mas também vive dos
ritos e dos símbolos e conhece bem a figura do
bode-expiatório. Com certeza exigirá uma reparação.
El País: Em forma de leis e de dinheiro?
Mauro: Naturalmente, Berlusconi colocará sobre a
mesa a lei do testamento vital, mais verbas para a
escola privada, as restrições à pílula do aborto, o que
for preciso. Fará esse intercâmbio por baixo da mesa, de
forma secreta, renunciando à laicidade do Estado e
exigindo silêncio. Ao mesmo tempo, a ofensiva para calar
os dissidentes deixará no caminho uma parte do
eleitorado moderado.
El País: Em quê o senhor acredita que consistirá essa
ofensiva?
Mauro: Mario Giordano, ex-diretor de "Il Giornale",
o avisou antes de ser demitido: "Saio porque não estou
disposto a remexer embaixo dos lençóis dos diretores e
editores dos outros jornais". Exatamente o que aconteceu
depois da chegada de Vittorio Feltri a "Il Giornale".
El País: Ele diz que se limitou a fazer o que outros
fizeram com Berlusconi.
Mauro: A diferença é que nossa investigação nasce de
uma denúncia pública da mulher de Berlusconi, que
afirmou que ele frequentava menores e estava doente, e
salientou o "lixo político" que representava trocar
favores sexuais por candidaturas. Diante disso, os
jornais temos o dever de investigar. Berlusconi é o
chefe de governo, um homem público, e se nega a
responder às perguntas; Boffo é um cidadão que foi
massacrado por criticá-lo.
El País: A direita diz que estamos no puro falatório.
Mauro: É justamente o contrário, uma batalha de
liberdade. Existe na Itália uma relação normal entre a
imprensa e o poder? Pode-se criticar o primeiro-ministro
ou não? Essa é a pergunta que nasce da demissão de
Boffo, das dez perguntas e das denúncias contra "La
Repubblica", "L'Unità", "El País" e outras mídias
estrangeiras.
El País: Muita gente na Europa olha para a Itália,
país onde foi inventado o fascismo, com preocupação e
medo do contágio. Muitos cidadãos esperam que a UE faça
algo a respeito.
Mauro: Não sei o que poderia fazer, mas sei que a
Itália é uma anomalia entre as democracias europeias e
ocidentais. Nem mesmo Nixon usou esses métodos contra a
imprensa.
El País: O senhor acredita que a imagem do país se
enfraqueceu? Poder-se-ia dizer que hoje os únicos
aliados de Berlusconi são Putin e Khadaffi?
Mauro: Essa é a triste realidade. Berlusconi está
prejudicando gravissimamente a imagem do país.
El País: Em todo caso, a esquerda italiana não tem
grande parte de responsabilidade nesse processo?
Mauro: A responsabilidade da esquerda italiana é
enorme. Sempre subvalorizou a magnitude do fenômeno
Berlusconi, nunca a entendeu nem a rejeitou como
deveria. No governo, não foram capazes de regular o
conflito de interesses. Agora, na oposição, continua
subvalorizando-a.
El País: Talvez haja um dado positivo nessa história.
Apesar do controle férreo da televisão que Berlusconi
exerce, a batalha se trava nos jornais.
Mauro: A batalha política ainda é coisa dos jornais.
O problema é que Berlusconi utiliza os dele para calar a
boca de seus inimigos. E isso não acontece em nenhum
outro lugar.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(©
UOL Notícias)
Berlusconi: escândalo confirmado
O empresário italiano Gianpaolo Tarantini, amigo do primeiro-ministro Silvio
Berlusconi, confirmou ontem notícias que o apontavam como organizador de 18
festas regadas a prostitutas e cocaína, a fim de obter favores do premier
italiano, especialmente na disputa de contratos. A confissão do empresário
divulgada pelo diário italiano Il Corriere della Sera teria sido feita ao juiz
Giuseppe Scelsi.
Tarantini confirmou que entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, organizou
festas no palácio Grazioli, em Villa Certosa, e em um spa de luxo conhecido como
o Centro Messeguet de Todi, na Umbria, recrutando 30 prostitutas para ficarem à
disposição de Berlusconi e outros convidados.
Entre as garotas de programa citadas, estavam atrizes, apresentadoras,
modelos e até uma mulher identificada pelo jornal italiano como “a brasileira
Camilla Cordeiro Charão”.
De acordo com as atas dos interrogatórios judiciais em Bari, cidade de
Tarantini, o empresário admitiu ter pago mil euros (cerca de R$ 2.700) a jovens
para passarem a noite com Berlusconi. O empresário explicou que o seu objetivo
era entrar no círculo do poder do premier.
“O recurso às prostitutas e à cocaína formam parte de um projeto dirigido a
levantar uma rede de conivências no setor da administração pública, porque
sempre pensei que as mulheres e a cocaína são a chave de acesso para o êxito na
sociedade”, lê-se numa das transcrições dos interrogatórios.
Tarantini diz que sempre quis conhecer o premier e, para isso, teve gastos
consideráveis tentando ganhar sua confiança, “conhecendo seu interesse pelo
gênero feminino”, explicou ao juiz.
Tarantini afirma, porém, que Berlusconi não sabia que as mulheres recebiam
dinheiro para manter relação sexual com ele, nem mesmo que eram pagos os gastos
com deslocamento e o hotel de luxo em que ficava hospedado.
“Apresentei-as como minhas amigas e mantive silêncio sobre suas identidades”,
disse Tarantini, citado nas fitas. A declaração confirma a afirmação famosa do
advogado de Berlusconi, Niccolò Ghedini, que afirma que o premier não cometeu
nenhum delito, pois era somente um “usuário final” das prostitutas.
Durante o escândalo, Berlusconi confessou que “não era santo”, mas denunciou
o que chamou de uma campanha de esquerda para prejudicá-lo e já abriu processos
contra vários jornais italianos e estrangeiros que divulgaram o caso.
Os escândalos custaram a Berlusconi parte do apoio que tinha entre os
eleitores católicos. Atualmente, pesquisas indicam que seu índice de aprovação
está próximo dos 50%, embora ele diga que tenha 70% do apoio público.
(©
JB Online)
Empresário diz que organizou festas com prostitutas e cocaína para obter
favores de Berlusconi
Um empresário de Bari que é amigo de Silvio Berlusconi disse ter
organizado 18 festas regadas a prostitutas e cocaína a fim de obter favores do
premier italiano, segundo noticia na edição desta quarta-feira o jornal "Il
Corriere della Sera". Gianpaolo Tarantini fez a confissão ao juiz Giuseppe
Scelsi.
No depoimento, Tarantini confirmou todos os rumores que circulam na imprensa
nos últimos meses sobre a sua relação com Berlusconi. Entre setembro de 2008 e
fevereiro de 2009, o empresário organizou festas no palácio Grazioli, em Villa
Certosa e em um spa de luxo (o centro Centro Messeguet de Todi, na Umbria),
recrutando 30 prostitutas, além de estrelas da TV, para ficarem à disposição de
Berlusconi e outros convidados na esperança de obter favores do líder de Roma,
especialmente na disputa de contratos. Entre as "convidadas" para as festas
citadas pelo empresário estão uma atriz, uma apresentadora, modelos e até uma
mulher identificada, de acordo com o "Corriere", como "a brasileira Camilla
Cordeiro Charão".
"O recurso das prostitutas e da cocaína é parte de um projeto para levantar
uma rede de conivência na administração pública, porque sempre pensei que as
mulheres e a cocaína são a chave para o sucesso na sociedade", disse o
empresário de 36 anos, em uma de suas declarações ao magistrado, ressaltando que
o seu objetivo maior era seduzir o premier.
"Quis conhecer o premier e, para isso, tive gastos consideráveis, tentando
ganhar a sua confiança, conhecendo o seu interesse pelo gênero feminino",
explicou.
Tarantini contou, entretanto, que Berlusconi não sabia que as mulheres
recebiam mil euros (cerca de R$ 2.700) quando passavam a noite com ele. Elas
também não pagavam pelo táxi e pela hospedagem em hotel de luxo. "Não fazia outra coisa senão acompanhar as mulheres à casa dele (de Berlusconi)
e apresentá-las como amigas", disse.
A declaração sustenta a defesa apresentada por Niccolò Ghedini, advogado do
premier, segundo a qual Berlusconi não cometeu delito, já que era apenas
"utilizador final" das garotas de programas.
Os serviços sexuais eram destinados tanto a políticos da direita quanto da
esquerda, de acordo com Tarantini. O empresário contou que alugou um apartamento
para que Sandro Frisullo, um ex-ministro, tivesse encontros com a prostituta
Terry de Nicolò, que de acordo com o "La Repubblica" visitou Berlusconi há
algumas semanas em Roma.
Embora cortejasse diretamente Berlusconi, indiretamente Tarantini tinha um
objetivo: aproximar-se de Guido Bertolaso, braço direito do premier e
responsável pelo fechamento de contratos entre a iniciativa privada e a
administração pública.
(©
O Globo)
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