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O primeiro passo rumo à genialidade

11/07/2009

Kimbell Art Museum/The New York Times

NO PRINCÍPIO ERA ASSIM
O Tormento de Santo Antônio: análises em laboratório finalmente comprovaram que se trata da estreia de Michelangelo
 

Exposição da pintura de estreia de Michelangelo, feita aos 12 ou 13 anos de idade, mostra que ele chegou tão longe porque foi o artista certo no lugar certo e na hora certa

André Petry, de Nova York

Quando tinha 12 ou 13 anos, Michelangelo Buonarroti (1475- 1564) usou óleo e têmpera sobre uma tela de madeira e pintou seu primeiro quadro. Chama-se O Tormento de Santo Antônio e está em exibição no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, onde ficará até 7 de setembro. A suspeita é antiga, mas só agora, depois da remoção das camadas de tinta aplicadas por antigos restauradores e das análises de raio X e infravermelho, chegou-se ao veredicto de que se trata, de fato, da tela de estreia de Michelangelo. A imagem que o artista escolheu para pintar é cópia de uma gravura feita cerca de uma década e meia antes pelo alemão Martin Schongauer (1448-1491). Há dois atrativos na exposição. O primeiro é simplesmente ver uma obra de Michelangelo. O outro é descobrir que a gravura de Schongauer, cuja cópia também faz parte da exposição, é artisticamente superior à tela de Michelangelo. Gravurista de mão-cheia, Schongauer dá mais dinamismo aos demônios que parecem impedir Santo Antônio de ascender aos céus e define-lhes os contornos com uma exatidão ao mesmo tempo aguda e graciosa. O atraente, nessa comparação, é que nem Michelangelo, nem mesmo ele, o artista genial, nasceu pronto.

Seus afrescos, como os pintados no teto e na parede do altar da Capela Sistina, no Vaticano, são icônicos, deslumbrantes. As esculturas, como Pietà, Moisés e David, são tão esplêndidas que parecem transformar mármore em carne. Mas, vendo-se de onde Michelangelo partiu – sua primeira pintura é excelente para um garoto de 12 ou 13 anos, mas imatura, tateante, promissora –, é inevitável indagar como é que atingiu mais tarde alturas tão enormes. A resposta, aparentemente, é uma soma de talento excepcional com circunstâncias históricas também excepcionais. Tanto que Michelangelo só rivaliza mesmo com seus contemporâneos – entre eles, Leonardo da Vinci (1452-1519), um dos primeiros a ver e se maravilhar com seu David, de mais de 5 metros de altura. Nem o mais favorável ambiente físico e cultural produz a genialidade de um
Michelangelo ou de um Da Vinci, mas circunstâncias muito adversas podem exterminar um gênio artístico. Michelangelo teve tudo a seu favor: foi o artista certo no lugar certo (a península itálica) e na hora certa (em pleno Renascimento).

Ainda criança, fazia cópias exímias de estátuas gregas, pelas quais tinha admiração inata. Foi ajudado pela feliz coincidência de que a Itália renascentista ressuscitava os ideais e os valores estéticos do humanismo grego, com seu culto à beleza, o que favoreceria a arte de Michelangelo, ele que tinha a mesma obsessão helênica pela perfeição física, sobretudo do corpo masculino – que apreciava por razões artísticas e também nas suas escapadelas noturnas com belos rapazinhos. Até a arqueologia da época lhe foi favorável. Em 1506, arqueólogos desenterraram Laocoön, a esplêndida escultura que muitos consideram a obra-prima da Antiguidade. (Consta que Michelangelo acompanhou os trabalhos de escavação em Roma.) Em seus quase 89 anos de vida, o artista foi, quase sempre, um homem atormentado, como o Santo Antônio de sua primeira pintura, mas, como que para compensá-lo dos demônios pessoais, em seu tempo, mais que nunca, a arte permeou a vida.

Estava na política, na diplomacia, na vida militar, na gastronomia, na moda, na religião. Os ricos e poderosos, dos papas de Roma ao clã dos Médici em Florença, buscavam distinção social pela arte. Os principais pontífices do tempo de Michelangelo – Júlio II, Leão X, Clemente VII e Paulo III – competiram pelo título de o maior protetor das artes e lhe fizeram encomendas que definiriam sua carreira, como os afrescos da Capela Sistina e a monumental escultura de Moisés – para alguns críticos, sua maior obra-prima. Certa vez, em busca de uma explicação para seu próprio fenômeno, Michelangelo disse, brincando, que tudo se devia ao seu precoce convívio com o mármore, pois sua ama de leite, coincidentemente, era filha e esposa de cortadores de mármore. Quem vê O Tormento de Santo Antônio constata que era, mesmo, só uma brincadeira.

(© Veja)


 
O gênio que nasceu numa cópia de gravura

Mostra no Met de Nova York exibe a primeira pintura de Michelângelo

Tonica Chagas

Alinari Archives/Corbis/Latinstock

OBRA GIGANTESCA
David, de Michelangelo:
5 metros de altura e maestria

Biógrafos de Michelângelo contam que, além de alguns desenhos, um dos primeiros trabalhos dele quando começou a ser treinado no ateliê de Domenico Ghirlandaio, em Florença, foi pintar uma cópia da gravura do alemão Martin Schongauer mostrando Santo Antônio atormentado por demônios. Schongauer foi o maior artista alemão antes de Dürer e suas gravuras começaram a circular em Florença na década de 1480. Michelângelo, então um menino entre 12 e 13 anos, teria sido o único artista italiano a copiar aquela composição. A cópia da gravura gótica marcaria o nascimento do maior gênio da arte renascentista.

Apesar de alguns historiadores ainda terem dúvidas sobre a autoria do pequeno óleo e têmpera sobre madeira (47 x 35 cm), em maio ele passou a ser identificado como a primeira pintura do autor dos afrescos da Capela Sistina e também a primeira a entrar para uma coleção americana. Adquirido pelo Kimbell Art Museum, de Fort Worth, no Texas, por valor não revelado (mas que segundo algumas pessoas do meio estaria na casa dos US$ 6 milhões), The Torment of Saint Anthony estará em exibição numa das galerias de pintura europeia do Metropolitan Museum, em Nova York, até 7 de setembro e sob um título afirmativo: Michelangelo?s First Painting.

Especialistas do Met foram responsáveis pela limpeza e exames técnicos da obra e endossam sua autenticidade como um trabalho saído das mesmas mãos que criaram as esculturas Pietá, da Basílica de São Pedro, no Vaticano, e Davi, da Accademia, em Florença.

Discute-se a autoria dessa pintura desde meados do século 19, quando um barão francês a adquiriu em Pisa, na Itália. De lá para cá, ela só pertenceu a coleções privadas. Antes de chegar aos Estados Unidos, foi exibida em público apenas duas vezes, a primeira em 1874, em Paris, celebrada então como uma legítima obra de Michelângelo, e depois em Florença, oito anos atrás, tida como um trabalho sem autor definido, produzido no ateliê de Ghirlandaio. Em 1960, tentou-se vendê-la em leilão na Sotheby?s de Londres como uma pintura de Michelângelo, mas o lote não conseguiu comprador.

Em julho do ano passado, apresentado novamente com a vaga autoria "do ateliê de Domenico Ghirlandaio", o quadro foi adquirido em leilão na Sotheby?s londrina pelo marchand Adam Williams, que o vendeu ao museu texano. Dono de uma galeria especializada em pintura de velhos mestres europeus localizada a poucas quadras do Met, Williams pagou por ele 937.250 libras (o equivalente, na época, a US$ 1,848 milhão) e o levou para ser examinado pelos especialistas do museu nova-iorquino.

Mesmo assinando embaixo que o quadro é de Michelângelo, o Met não ficou com ele porque, segundo um de seus representantes, "não era a hora certa, havia outras aquisições sendo analisadas". Num acordo com o Kimbell, o Met teve a chance de ser o primeiro a exibir a obra nos Estados Unidos.

Pintado sobre uma placa de álamo entre 1487 e 1488, The Torment of Saint Anthony é tido como uma das únicas quatro pinturas de cavalete produzidas por Michelângelo que sobreviveram a cinco séculos de história. As outras são Doni Tondo, que está na Galleria degli Uffizi em Florença (criada por volta de 1503, no período depois da Pietá e antes dos afrescos da Capela Sistina), e as inacabadas Manchester Madonna (cerca de 1497) e The Entombment (1500-1501), que pertencem à National Gallery de Londres.

ESCAMAS

Segundo escreveu Ascanio Condivi, ex-aluno de Michelângelo e um de seus biógrafos, este lhe contara que, enquanto trabalhava na sua primeira pintura, ia sempre ao mercado de peixes de Florença para aprender a desenhar escamas, um dos detalhes que acrescentou ao copiar os monstros da gravura de Schongauer. O quadro também é citado nas duas biografias de Michelângelo escritas por Giorgio Vasari, em 1550 e 1568, e na elegia que Benedetto Varchi fez no funeral do artista, em 1564.

Em Michelangelo?s First Painting, o Met exibe o quadro com duas peças do seu acervo, um retrato de Michelangelo lá pelos seus 75 anos pintado por Daniele da Volterra e um fac-símile da gravura de Schongauer.

Na pintura atribuída a Michelângelo, o santo flutua no ar cercado por nove monstros como na gravura, mas a composição é mais compacta e ganhou uma paisagem de fundo.

Em textos que relatam as análises e os exames técnicos feitos para identificá-lo como a obra descrita pelos biógrafos de Michelângelo, os especialistas do Metropolitan observam que um dos indícios particulares sobre a autoria do quadro são técnicas de raspagem, incisão e relevo que eram típicas dele, sobretudo no contorno de figuras. Essas mesmas técnicas serviram de evidência para a autenticação das duas pinturas que pertencem à National Gallery.

A autoria do quadro ainda deve render muitas discussões. Mas Keith Christiansen, curador de pintura europeia do Met e organizador da exposição, não se preocupa com as opiniões contrárias. Para ele, as evidências que comprovariam ser este The Torment of Saint Anthony o mesmo que foi descrito por Vasari são "excepcionalmente fortes" e, com o que se sabe sobre o quadrinho, quem tem de provar que ele não é de Michelângelo é quem diz que ele não é.

(© Estadão)

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