Joseba Elola
Em Madri (Espanha)A avó de Benigni caminhava pelas ruas de Misericordia, o
povoado da Toscana onde nasceu o comediante italiano há
57 anos, com um revólver em um bolso e a "Divina
Comédia" no outro. De modo que Dante Alighieri, o poeta
máximo, e sua obra magna estiveram presentes na vida do
cineasta e comediante italiano desde sua mais tenra
infância. Roberto Benigni apresentou-se na terça-feira
(e durante três noites) em Madri com o espetáculo "Tutto
Dante". No monólogo, o diretor e protagonista do filme
"A Vida é Bela", bufão genial, herdeiro da tradição de
Dario Fo, recitou versos do V Canto do Inferno da
"Divina Comédia" - legendados - e os alinhavou com
piadas (em italiano) sobre temas da atualidade.
"Estou muito contente por falar com o jornal que
publicou as fotos de meu primeiro-ministro. Vou mandar
para vocês minhas fotos privadas também!", exclama,
eufórico, entre risos, para dar início a esta entrevista
telefônica, em sua casa de campo perto de Cesena.
"Conheço todas as garotas de Villa Certosa, estive lá
com Silvio Berlusconi. Ainda bem que não continuaram
publicando fotos, acabariam saindo as minhas!" Em certos
momentos pareceu que o histrião seria capaz de desafiar
as leis da física para aparecer entre as ranhuras do
auricular do telefone.
El País: É verdade que Berlusconi é um bom personagem
para um filme, não?
Roberto Benigni: Oh, meu Deus, ele é perfeito! É o
maior "clown". Eu tive de recitar a "Divina Comédia"
porque não consegui competir com ele, ele é o maior, o
maior! Com Berlusconi tenho muita sorte: basta repetir o
que ele diz para ter um espetáculo redondo.
El País: Faz anos que o senhor recita Dante, mas
lembra-se da primeira vez em que leu seus versos?
Benigni: Claro! Eu era pequeno, tinha uns 12 anos.
Minha mãe me dizia: "Você precisa aprender os versos de
Dante de cor". Para mim, Dante era Deus! Meu avô e minha
avó conheciam seus versos e os recitavam em casa. Minha
avó era uma mulher revolucionária, andava pela rua com
um revólver em um bolso e a "Divina Comédia" no outro.
El País: Um revólver!
Benigni: Eram tempos perigosos, ela estava sozinha,
meu avô estava na guerra. Foi uma mulher legendária na
família. Dante é o poeta. E a "Divina Comédia", uma
enciclopédia. No início eu não entendia nada e tinha de
repetir os versos em voz alta, como se fossem música. A
"Divina Comédia" é música clássica e moderna, uma
mistura de Beethoven e Jimi Hendrix... [crescendo à
maneira de Benigni], como os Bee Gees e Bach juntos!
Como Puccini e Duke Ellington!
El País: Pouco depois de filmar com Fellini "A Voz da
Lua", em 1989, o senhor disse: "A improvisação é uma
ciência exata, como as matemáticas". Improvisa neste
espetáculo? Qual é o axioma dessa ciência exata?
Benigni: Preciso de pelo menos um mês para preparar
uma boa improvisação. Não se pode improvisar; quando
improvisamos podemos voar alto, mas também podemos nos
espatifar; é preciso preparar as improvisações, esse é o
paradoxo, a contradição... No palco deixo sempre portas
abertas, e qualquer coisa que ocorra nesse momento ou
que tenha ocorrido na véspera vale. Como vou deixar de
fora Berlusconi, que dá notícias a cada duas horas?!
El País: A inocência define em grande medida a
essência dos personagens que o senhor interpreta, desde
o Guido de "A Vida é Bela" ao poeta de "O Tigre e a
Neve", ou mesmo o italiano de "Down by Law", de Jim
Jarmusch. O senhor consegue manter uma certa inocência?
Benigni: Não sei se consigo manter minha inocência.
Eu creio em milagres, a vida é um milagre, e mantenho o
estupor, o estupor é o princípio da arte. Quando se é
inocente, pode-se dizer o que quiser, como uma criança,
pode-se voar.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(©
UOL Notícias)
"O ambiente no palácio Grazioli era um harém, e ele
o único protagonista", diz prostituta sobre casa de
BerlusconiMiguel Mora
Em Bari (Itália)
Um discreto crucifixo pende de seu pescoço. Seu olhar é inquisitivo e
inocente ao mesmo tempo, fixo nos olhos do interlocutor. Escreve-se
sobre ela que é uma prostituta, como que para denegri-la. Ela confirma
sem rodeios que esse é seu ofício e responde com a verdade que todos
sabem e calam: "Não entendo a diferença entre prostituta e 'velina'
[dançarina da TV]".
Os olhos castanhos e perplexos de Patrizia d'Addario (nascida em Bari,
sudeste da Itália, em 1966) contam que é uma mulher machucada, muitas
vezes agredida. Seu pai, que lhe batia, suicidou-se há 11 anos porque
não conseguiu cumprir o sonho de construir um complexo turístico na
cidade. Um irmão morreu por causa de um erro médico e outro sofre graves
problemas de saúde. Seu último namorado a maltratou. Tem uma filha e uma
mãe para alimentar. Quando seu pai morreu, ela prometeu à mãe que
construiria esse complexo, que chama com familiaridade de "o projeto".
Patrizia tornou-se uma "escort" (prostituta de luxo) e conseguiu começar
as obras, mas o projeto foi bloqueado em 2007 por um decreto municipal:
impacto ecológico. O projeto é sua vida e vice-versa. Para defendê-lo,
Patrizia afirma que passou uma noite com Silvio Berlusconi e não cobrou
por seu trabalho. "Confiei nele", diz. Renunciou a seu cachê e depois se
sentiu traída. Então decidiu contar sua história aos juízes e se
transformou na testemunha crucial do "Barigate", a trama das "velinas",
prostitutas, candidatas, corrupção, droga e censura que gira em torno da
figura de Gianpaolo Tarantini e que salpicou Berlusconi e outros
políticos de todas as tendências.
Segundo o relato de Patrizia, Tarantini era o assessor, facilitador e
intermediário de Berlusconi. Um homem disposto a tudo desde que
agradasse ao "usuário final", para obter em troca proteção política e
empresarial.
Em uma noite de outubro de 2008 Tarantini levou Patrizia d'Addario ao
palácio Grazioli. Seu nome seria Alessia e ganharia 2 mil euros (cerca
de R$ 5.600,00). Embora Tarantini e Berlusconi tenham pedido, ela não
ficou para dormir dessa vez. Mas foi escolhida pelo primeiro-ministro,
que a acariciou diante de outras 20 garotas e de seus guarda-costas
(fazendo sua ex-amiga Barbara Monterreale exclamar no dia seguinte: "Que
nojo!").
Patrizia descreve um harém vulgar, no qual havia duas prostitutas
lésbicas e garotas do Leste Europeu. Algumas, segundo ela, exigiam em
voz alta ver a cor do dinheiro. O sultão, informado por Tarantini dos
detalhes de sua vida, entrou em seu coração ao lhe falar de seu pai, ao
fazê-la saber que a ajudaria no projeto diante das outras garotas.
Patrizia voltou a Grazioli em 4 de novembro. Enquanto Barack Obama
entrava para a lenda, ela, armada com seu gravador e seu celular, entrou
no dormitório do "Papi". Gravou-o indo para o banheiro, dizendo que a
esperava na cama, tirou uma foto da foto de Veronica Lario [esposa de
Berlusconi] que estava na estante e também da cama grande com o
baldaquim barroco, presente de Vladimir Putin.
A entrevista se realiza no escritório de sua advogada, Maria Pia
Vigilante.
El País: A senhora sente medo?
Patrizia d'Addario: Não.
El País: Nenhum?
D'Addario: Nem um pouquinho.
El País: Berlusconi disse que a senhora foi enviada por alguém para
lhe montar uma armadilha e que além disso foi muito bem retribuída.
D'Addario: Por quem? Que ele o demonstre, que diga quanto me
pagaram, que vá à magistratura e dê as provas e os nomes. Não tenho
nenhum problema. Quanto à retribuição, sou a única nesta história que
não recebeu dinheiro.
El País: Por que procurou os promotores?
D'Addario: Não fui eu, me chamaram, vieram a minha casa, tocaram a
campainha, desci e me disseram que devia ir depressa falar com o juiz.
El País: Talvez tenham ouvido seu nome nas escutas da investigação?
D'Addario: Estavam investigando há bastante tempo. Creio que sim. Eu
não denunciei ninguém, foram eles que vieram me buscar. Considerei
oportuno dizer toda a verdade. Coisa que outras pessoas não fizeram.
El País: Então não agiu por vingança?
D'Addario: Absolutamente não.
El País: Não vai negar que está descontente com o comportamento de
Berlusconi.
D'Addario: Estava um pouco desiludida, creio que qualquer uma em
minha situação teria se sentido assim, desiludida com uma pessoa tão
poderosa. O que aconteceu não foi bonito.
El País: Refere-se ao fato de que ele prometeu ajudá-la com seu
projeto e não ajudou?
D'Addario: Os fatos demonstraram isso, o projeto continua ali e
ninguém interveio.
El País: Nessa história da sensação de que todos mentem. E a senhora?
D'Addario: Sou a única que disse a verdade. Por isso ninguém ficou
do meu lado.
El País: O que achou da reação dos italianos a essa história?
D'Addario: Esperava mais solidariedade.
El País: De quem?
D'Addario: Nessas festas, tanto na primeira como na segunda, eu não
era a única "escort".
El País: Na noite em que viram o vídeo da visita de Bush...
D'Addario: Ele passou o vídeo nas duas vezes. O tema é sempre esse.
El País: Como era o ambiente no palácio Grazioli?
D'Addario: É um harém em que ele é o único protagonista. As 20
garotas estavam lá quando nós chegamos, depois apareceu ele
[Berlusconi], se apresentou, se aproximou, Gianpaolo me apresentou como
Alessia, eu disse "Oi", ele me disse "você é linda", depois pediu que eu
me sentasse com ele, enquanto estávamos ali um cachorrinho se meteu
entre meus pés, o cachorrinho que foi presente da mulher de Bush,
Frufru. Ele me dizia para não me preocupar, que não me faria nada, "é
tão bonito". Realmente, era lindo.
El País: E as garotas, o que faziam?
D'Addario: Muitas conversavam, depois vimos os vídeos e em certo
momento todas as garotas dançaram balé.
El País: Quem dirigiu a coreografia?
D'Addario: Todas conheciam a canção, "Meno male che Silvio c'è"
(Ainda bem que temos Sílvio). Eu fui a única que não dançou.
El País: Eram garotas muito jovens?
D'Addario: Sim.
El País: Menores de idade?
D'Addario: Muito jovens. Não perguntei a idade, entre outras coisas
porque nesse momento não podia perguntar, ele exigia muita atenção.
El País: Você disse que a acariciou diante de dois guarda-costas e
das outras garotas.
D'Addario: Foi o que disse Barbara. A magistratura sabe de tudo.
El País: Foi assim?
D'Addario: Sim.
El País: Foi a primeira vez que esteve em uma festa com Tarantini?
D'Addario: Eu o havia conhecido através de um amigo, e depois de me
fazer uma espécie de radiografia ele me olhou da cabeça aos pés e disse:
"Você está muito bem, é muito bonita, é perfeita". Em dado momento me
perguntou coisas da minha vida, conversamos durante uma hora, uma hora e
meia, lhe contei que era "escort" devido a um problema familiar, à
promessa. Ele quis saber tudo.
El País: O primeiro-ministro sabia de tudo quando a conheceu?
D'Addario: Sim, durante o jantar fez uma brincadeira enquanto eu
falava com a cantora. Pegou-me pela mão e me fez sentar ao seu lado,
diante dele, com a mesa no meio. Me olhava, contava piadas, cantava,
dedicava canções a mim e depois, em certo momento, como ainda queria
minha atenção, eu estava falando com a cantora e ele disse em público:
"Há uma garota de Bari", e então eu me aborreci um pouco, e depois disse
que não confiava nos homens. Gianpaolo tinha contado tudo a ele. Disse:
"Não confia nos homens mas eu a farei entender que os homens não são
todos iguais, irei buscá-la com meu jatinho privado e lhe farei
compreender que os homens são diferentes. Tem um projeto de vida, quer
ser empresária, eu vou ajudá-la". Na frente de todas.
El País: Uma promessa pública.
D'Addario: Sim, queria atingir meu coração, sabia que isso era muito
importante para mim.
El País: Que tipo de homem é Berlusconi?
D'Addario: Conheci muitos homens, mas o que me aconteceu agora nunca
havia acontecido, estou muito decepcionada. Disse que não me conhecia,
que não lembrava de mim. Em dois dias! Não é possível não lembrar do meu
rosto...
El País: Em quê Berlusconi a decepcionou?
D'Addario: Veja, eu confiava nele. Confiava em sua maneira de ser,
sobretudo porque me tocou com esse assunto que eu levava muito dentro.
Não se pode zombar de uma pessoa que perdeu na vida.
El País: Depois ocorreu o roubo em sua casa?
D'Addario: Limparam tudo. Levaram os vestidos, a lingerie, a roupa
de Versace que usei para ir ao palácio Grazioli; o computador, todos os
CDs de trabalho e os musicais, as calcinhas... Não foi um roubo ao
acaso. Deixaram um televisor que custa muito dinheiro e levaram os
discos e lingerie. Que tipo de ladrão rouba CDs de música?
El País: O que você acha?
D'Addario: Só sei que levaram tudo e achei muito estranho. A polícia
veio, viu o que aconteceu e o que haviam levado...
El País: E o que disseram?
D'Addario: Nada, olharam estupefatos.
El País: Na sua opinião, Tarantini trabalhava para o presidente?
D'Addario: Era muito amigo do presidente. Falavam muito por
telefone.
El País: Sobre garotas?
D'Addario: Não só de garotas.
El País: Negócios?
D'Addario: Quando eu estava presente, falaram um pouco de tudo.
Prefiro não ir além disso.
El País: Tarantini era o proxeneta do usuário final?
D'Addario: Isso não sou eu que devo dizer. Os fatos vão demonstrar o
que realmente aconteceu.
El País: Tarantini também cuidava da droga?
D'Addario: Eu prefiro não...
El País: Os vazamentos das escutas dizem que também falam de droga.
D'Addario: A magistratura dirá isso.
El País: Muita gente se pergunta por que a senhora levou o gravador.
D'Addario: Não foi para chantagear Berlusconi; se eu quisesse fazer
isso no dia seguinte que saí do palácio o chantagearia, não é? Outras
chamaram os jornalistas para que as fotografassem ali, como Barbara...
El País: Por que o levou?
D'Addario: Sempre levo um gravador. Tive uma experiência ruim no
passado com uma pessoa que me maltratou. Graças ao gravador não me deu
mais problemas. Como neste caso. Se não o tivesse levado, teriam dito
que estava louca.
El País: Havia cocaína nessas festas?
D'Addario: Os juízes deverão dizer isso. Eu não cheiro, por isso, se
havia, não vi. Poderia envolver muita gente, mas não quero fazer isso.
Tudo será revelado. Até hoje sou a única que não ganhou dinheiro, que
está tendo problemas e que foi traída. Os guarda-costas que me conheciam
do palácio Grazioli, e que viram o presidente fazer o que Barbara
contou, bloquearam minha entrada na entrevista coletiva. E eu era
candidata. É muito forte o que aconteceu... Barbara já deu duas versões
diferentes. Você não pode me dizer por telefone "que nojo" e depois
cantar "Meno male che Silvio c'è".
El País: Acredita que outras garotas falarão?
D'Addario: Não creio, passaram duas semanas e meia e só falaram para
me insultar.
El País: Acredita que foram pagas?
D'Addario: Descubra você mesmo, que é jornalista. E também descubra
o que há sob todas essas pessoas que estão do outro lado, é muito
interessante. Há muitas coisas a dizer e descobrir. Coisas que todos
sabem nesta cidade e que ninguém conta porque tem medo.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(©
UOL Notícias)
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