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"Só preciso repetir o que Berlusconi diz para conseguir um espetáculo", diz comediante italiano Roberto Benigni

08/07/2009

Roberto Benigni
 

Joseba Elola
Em Madri (Espanha)

A avó de Benigni caminhava pelas ruas de Misericordia, o povoado da Toscana onde nasceu o comediante italiano há 57 anos, com um revólver em um bolso e a "Divina Comédia" no outro. De modo que Dante Alighieri, o poeta máximo, e sua obra magna estiveram presentes na vida do cineasta e comediante italiano desde sua mais tenra infância. Roberto Benigni apresentou-se na terça-feira (e durante três noites) em Madri com o espetáculo "Tutto Dante". No monólogo, o diretor e protagonista do filme "A Vida é Bela", bufão genial, herdeiro da tradição de Dario Fo, recitou versos do V Canto do Inferno da "Divina Comédia" - legendados - e os alinhavou com piadas (em italiano) sobre temas da atualidade.

"Estou muito contente por falar com o jornal que publicou as fotos de meu primeiro-ministro. Vou mandar para vocês minhas fotos privadas também!", exclama, eufórico, entre risos, para dar início a esta entrevista telefônica, em sua casa de campo perto de Cesena. "Conheço todas as garotas de Villa Certosa, estive lá com Silvio Berlusconi. Ainda bem que não continuaram publicando fotos, acabariam saindo as minhas!" Em certos momentos pareceu que o histrião seria capaz de desafiar as leis da física para aparecer entre as ranhuras do auricular do telefone.

El País: É verdade que Berlusconi é um bom personagem para um filme, não?
Roberto Benigni:
Oh, meu Deus, ele é perfeito! É o maior "clown". Eu tive de recitar a "Divina Comédia" porque não consegui competir com ele, ele é o maior, o maior! Com Berlusconi tenho muita sorte: basta repetir o que ele diz para ter um espetáculo redondo.

El País: Faz anos que o senhor recita Dante, mas lembra-se da primeira vez em que leu seus versos?
Benigni:
Claro! Eu era pequeno, tinha uns 12 anos. Minha mãe me dizia: "Você precisa aprender os versos de Dante de cor". Para mim, Dante era Deus! Meu avô e minha avó conheciam seus versos e os recitavam em casa. Minha avó era uma mulher revolucionária, andava pela rua com um revólver em um bolso e a "Divina Comédia" no outro.

El País: Um revólver!
Benigni:
Eram tempos perigosos, ela estava sozinha, meu avô estava na guerra. Foi uma mulher legendária na família. Dante é o poeta. E a "Divina Comédia", uma enciclopédia. No início eu não entendia nada e tinha de repetir os versos em voz alta, como se fossem música. A "Divina Comédia" é música clássica e moderna, uma mistura de Beethoven e Jimi Hendrix... [crescendo à maneira de Benigni], como os Bee Gees e Bach juntos! Como Puccini e Duke Ellington!

El País: Pouco depois de filmar com Fellini "A Voz da Lua", em 1989, o senhor disse: "A improvisação é uma ciência exata, como as matemáticas". Improvisa neste espetáculo? Qual é o axioma dessa ciência exata?
Benigni:
Preciso de pelo menos um mês para preparar uma boa improvisação. Não se pode improvisar; quando improvisamos podemos voar alto, mas também podemos nos espatifar; é preciso preparar as improvisações, esse é o paradoxo, a contradição... No palco deixo sempre portas abertas, e qualquer coisa que ocorra nesse momento ou que tenha ocorrido na véspera vale. Como vou deixar de fora Berlusconi, que dá notícias a cada duas horas?!

El País: A inocência define em grande medida a essência dos personagens que o senhor interpreta, desde o Guido de "A Vida é Bela" ao poeta de "O Tigre e a Neve", ou mesmo o italiano de "Down by Law", de Jim Jarmusch. O senhor consegue manter uma certa inocência?
Benigni:
Não sei se consigo manter minha inocência. Eu creio em milagres, a vida é um milagre, e mantenho o estupor, o estupor é o princípio da arte. Quando se é inocente, pode-se dizer o que quiser, como uma criança, pode-se voar.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

(© UOL Notícias)


 
"O ambiente no palácio Grazioli era um harém, e ele o único protagonista", diz prostituta sobre casa de Berlusconi

Miguel Mora
Em Bari (Itália)

Um discreto crucifixo pende de seu pescoço. Seu olhar é inquisitivo e inocente ao mesmo tempo, fixo nos olhos do interlocutor. Escreve-se sobre ela que é uma prostituta, como que para denegri-la. Ela confirma sem rodeios que esse é seu ofício e responde com a verdade que todos sabem e calam: "Não entendo a diferença entre prostituta e 'velina' [dançarina da TV]".

Os olhos castanhos e perplexos de Patrizia d'Addario (nascida em Bari, sudeste da Itália, em 1966) contam que é uma mulher machucada, muitas vezes agredida. Seu pai, que lhe batia, suicidou-se há 11 anos porque não conseguiu cumprir o sonho de construir um complexo turístico na cidade. Um irmão morreu por causa de um erro médico e outro sofre graves problemas de saúde. Seu último namorado a maltratou. Tem uma filha e uma mãe para alimentar. Quando seu pai morreu, ela prometeu à mãe que construiria esse complexo, que chama com familiaridade de "o projeto".

Patrizia tornou-se uma "escort" (prostituta de luxo) e conseguiu começar as obras, mas o projeto foi bloqueado em 2007 por um decreto municipal: impacto ecológico. O projeto é sua vida e vice-versa. Para defendê-lo, Patrizia afirma que passou uma noite com Silvio Berlusconi e não cobrou por seu trabalho. "Confiei nele", diz. Renunciou a seu cachê e depois se sentiu traída. Então decidiu contar sua história aos juízes e se transformou na testemunha crucial do "Barigate", a trama das "velinas", prostitutas, candidatas, corrupção, droga e censura que gira em torno da figura de Gianpaolo Tarantini e que salpicou Berlusconi e outros políticos de todas as tendências.

Segundo o relato de Patrizia, Tarantini era o assessor, facilitador e intermediário de Berlusconi. Um homem disposto a tudo desde que agradasse ao "usuário final", para obter em troca proteção política e empresarial.

Em uma noite de outubro de 2008 Tarantini levou Patrizia d'Addario ao palácio Grazioli. Seu nome seria Alessia e ganharia 2 mil euros (cerca de R$ 5.600,00). Embora Tarantini e Berlusconi tenham pedido, ela não ficou para dormir dessa vez. Mas foi escolhida pelo primeiro-ministro, que a acariciou diante de outras 20 garotas e de seus guarda-costas (fazendo sua ex-amiga Barbara Monterreale exclamar no dia seguinte: "Que nojo!").

Patrizia descreve um harém vulgar, no qual havia duas prostitutas lésbicas e garotas do Leste Europeu. Algumas, segundo ela, exigiam em voz alta ver a cor do dinheiro. O sultão, informado por Tarantini dos detalhes de sua vida, entrou em seu coração ao lhe falar de seu pai, ao fazê-la saber que a ajudaria no projeto diante das outras garotas. Patrizia voltou a Grazioli em 4 de novembro. Enquanto Barack Obama entrava para a lenda, ela, armada com seu gravador e seu celular, entrou no dormitório do "Papi". Gravou-o indo para o banheiro, dizendo que a esperava na cama, tirou uma foto da foto de Veronica Lario [esposa de Berlusconi] que estava na estante e também da cama grande com o baldaquim barroco, presente de Vladimir Putin.

A entrevista se realiza no escritório de sua advogada, Maria Pia Vigilante.

El País: A senhora sente medo?
Patrizia d'Addario:
Não.

El País: Nenhum?
D'Addario:
Nem um pouquinho.

El País: Berlusconi disse que a senhora foi enviada por alguém para lhe montar uma armadilha e que além disso foi muito bem retribuída.
D'Addario:
Por quem? Que ele o demonstre, que diga quanto me pagaram, que vá à magistratura e dê as provas e os nomes. Não tenho nenhum problema. Quanto à retribuição, sou a única nesta história que não recebeu dinheiro.

El País: Por que procurou os promotores?
D'Addario:
Não fui eu, me chamaram, vieram a minha casa, tocaram a campainha, desci e me disseram que devia ir depressa falar com o juiz.

El País: Talvez tenham ouvido seu nome nas escutas da investigação?
D'Addario:
Estavam investigando há bastante tempo. Creio que sim. Eu não denunciei ninguém, foram eles que vieram me buscar. Considerei oportuno dizer toda a verdade. Coisa que outras pessoas não fizeram.

El País: Então não agiu por vingança?
D'Addario:
Absolutamente não.

El País: Não vai negar que está descontente com o comportamento de Berlusconi.
D'Addario:
Estava um pouco desiludida, creio que qualquer uma em minha situação teria se sentido assim, desiludida com uma pessoa tão poderosa. O que aconteceu não foi bonito.

El País: Refere-se ao fato de que ele prometeu ajudá-la com seu projeto e não ajudou?
D'Addario:
Os fatos demonstraram isso, o projeto continua ali e ninguém interveio.

El País: Nessa história da sensação de que todos mentem. E a senhora?
D'Addario:
Sou a única que disse a verdade. Por isso ninguém ficou do meu lado.

El País: O que achou da reação dos italianos a essa história?
D'Addario:
Esperava mais solidariedade.

El País: De quem?
D'Addario:
Nessas festas, tanto na primeira como na segunda, eu não era a única "escort".

El País: Na noite em que viram o vídeo da visita de Bush...
D'Addario:
Ele passou o vídeo nas duas vezes. O tema é sempre esse.

El País: Como era o ambiente no palácio Grazioli?
D'Addario:
É um harém em que ele é o único protagonista. As 20 garotas estavam lá quando nós chegamos, depois apareceu ele [Berlusconi], se apresentou, se aproximou, Gianpaolo me apresentou como Alessia, eu disse "Oi", ele me disse "você é linda", depois pediu que eu me sentasse com ele, enquanto estávamos ali um cachorrinho se meteu entre meus pés, o cachorrinho que foi presente da mulher de Bush, Frufru. Ele me dizia para não me preocupar, que não me faria nada, "é tão bonito". Realmente, era lindo.

El País: E as garotas, o que faziam?
D'Addario:
Muitas conversavam, depois vimos os vídeos e em certo momento todas as garotas dançaram balé.

El País: Quem dirigiu a coreografia?
D'Addario:
Todas conheciam a canção, "Meno male che Silvio c'è" (Ainda bem que temos Sílvio). Eu fui a única que não dançou.

El País: Eram garotas muito jovens?
D'Addario:
Sim.

El País: Menores de idade?
D'Addario:
Muito jovens. Não perguntei a idade, entre outras coisas porque nesse momento não podia perguntar, ele exigia muita atenção.

El País: Você disse que a acariciou diante de dois guarda-costas e das outras garotas.
D'Addario:
Foi o que disse Barbara. A magistratura sabe de tudo.

El País: Foi assim?
D'Addario:
Sim.

El País: Foi a primeira vez que esteve em uma festa com Tarantini?
D'Addario:
Eu o havia conhecido através de um amigo, e depois de me fazer uma espécie de radiografia ele me olhou da cabeça aos pés e disse: "Você está muito bem, é muito bonita, é perfeita". Em dado momento me perguntou coisas da minha vida, conversamos durante uma hora, uma hora e meia, lhe contei que era "escort" devido a um problema familiar, à promessa. Ele quis saber tudo.

El País: O primeiro-ministro sabia de tudo quando a conheceu?
D'Addario:
Sim, durante o jantar fez uma brincadeira enquanto eu falava com a cantora. Pegou-me pela mão e me fez sentar ao seu lado, diante dele, com a mesa no meio. Me olhava, contava piadas, cantava, dedicava canções a mim e depois, em certo momento, como ainda queria minha atenção, eu estava falando com a cantora e ele disse em público: "Há uma garota de Bari", e então eu me aborreci um pouco, e depois disse que não confiava nos homens. Gianpaolo tinha contado tudo a ele. Disse: "Não confia nos homens mas eu a farei entender que os homens não são todos iguais, irei buscá-la com meu jatinho privado e lhe farei compreender que os homens são diferentes. Tem um projeto de vida, quer ser empresária, eu vou ajudá-la". Na frente de todas.

El País: Uma promessa pública.
D'Addario:
Sim, queria atingir meu coração, sabia que isso era muito importante para mim.

El País: Que tipo de homem é Berlusconi?
D'Addario:
Conheci muitos homens, mas o que me aconteceu agora nunca havia acontecido, estou muito decepcionada. Disse que não me conhecia, que não lembrava de mim. Em dois dias! Não é possível não lembrar do meu rosto...

El País: Em quê Berlusconi a decepcionou?
D'Addario:
Veja, eu confiava nele. Confiava em sua maneira de ser, sobretudo porque me tocou com esse assunto que eu levava muito dentro. Não se pode zombar de uma pessoa que perdeu na vida.

El País: Depois ocorreu o roubo em sua casa?
D'Addario:
Limparam tudo. Levaram os vestidos, a lingerie, a roupa de Versace que usei para ir ao palácio Grazioli; o computador, todos os CDs de trabalho e os musicais, as calcinhas... Não foi um roubo ao acaso. Deixaram um televisor que custa muito dinheiro e levaram os discos e lingerie. Que tipo de ladrão rouba CDs de música?

El País: O que você acha?
D'Addario:
Só sei que levaram tudo e achei muito estranho. A polícia veio, viu o que aconteceu e o que haviam levado...

El País: E o que disseram?
D'Addario:
Nada, olharam estupefatos.

El País: Na sua opinião, Tarantini trabalhava para o presidente?
D'Addario:
Era muito amigo do presidente. Falavam muito por telefone.

El País: Sobre garotas?
D'Addario:
Não só de garotas.

El País: Negócios?
D'Addario:
Quando eu estava presente, falaram um pouco de tudo. Prefiro não ir além disso.

El País: Tarantini era o proxeneta do usuário final?

D'Addario:
Isso não sou eu que devo dizer. Os fatos vão demonstrar o que realmente aconteceu.
El País: Tarantini também cuidava da droga?

D'Addario:
Eu prefiro não...

El País: Os vazamentos das escutas dizem que também falam de droga.
D'Addario:
A magistratura dirá isso.

El País: Muita gente se pergunta por que a senhora levou o gravador.
D'Addario:
Não foi para chantagear Berlusconi; se eu quisesse fazer isso no dia seguinte que saí do palácio o chantagearia, não é? Outras chamaram os jornalistas para que as fotografassem ali, como Barbara...

El País: Por que o levou?
D'Addario:
Sempre levo um gravador. Tive uma experiência ruim no passado com uma pessoa que me maltratou. Graças ao gravador não me deu mais problemas. Como neste caso. Se não o tivesse levado, teriam dito que estava louca.

El País: Havia cocaína nessas festas?
D'Addario:
Os juízes deverão dizer isso. Eu não cheiro, por isso, se havia, não vi. Poderia envolver muita gente, mas não quero fazer isso. Tudo será revelado. Até hoje sou a única que não ganhou dinheiro, que está tendo problemas e que foi traída. Os guarda-costas que me conheciam do palácio Grazioli, e que viram o presidente fazer o que Barbara contou, bloquearam minha entrada na entrevista coletiva. E eu era candidata. É muito forte o que aconteceu... Barbara já deu duas versões diferentes. Você não pode me dizer por telefone "que nojo" e depois cantar "Meno male che Silvio c'è".

El País: Acredita que outras garotas falarão?
D'Addario:
Não creio, passaram duas semanas e meia e só falaram para me insultar.

El País: Acredita que foram pagas?
D'Addario:
Descubra você mesmo, que é jornalista. E também descubra o que há sob todas essas pessoas que estão do outro lado, é muito interessante. Há muitas coisas a dizer e descobrir. Coisas que todos sabem nesta cidade e que ninguém conta porque tem medo.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

(© UOL Notícias)

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