Cineasta conta por que renega filme que abre restrospectiva Paolo Taviani está no Rio para receber a homenagem do festival, que
programou uma retrospectiva dos filmes que ele fez com o irmão, Vittorio. A
grife ?irmãos Taviani? continua sendo uma das mais prestigiadas do cinema
italiano, mesmo que o novo filme da dupla, La Masseria delle Allodole, não
tenha repetido o sucesso de crítica de Pai Patrão, A Noite de São Lourenço e
Kaos. "Muita gente rotulou o filme como melodramático, e o descartou por
isso. Gostamos, falo também por Vittorio, do melodrama, mas não fizemos o
filme com essa intenção. Ele saiu assim, mais emotivo, mas o que nos
interessava era a história."
Ontem, Paolo, que viajou sozinho para o Brasil, deveria abrir a
retrospectiva, com a exibição de Os Fora-da-Lei do Matrimônio. Mas ele foi
logo revelando que não tem muito apreço pelo filme. Dois ou três episódios
dessa comédia lhe parecem interessantes, mas o filme, feito nos anos 60, foi
um equívoco. "Havíamos feito Un Uomo da Brucciare, com Gian Maria Volontè,
que foi um grande sucesso de crítica. Mas não conseguimos viabilizar nenhum
projeto. Nos ofereceram Os Fora-da-Lei e, mesmo não gostando do roteiro,
presumimos erradamente, de certo nos supervalorizando, que poderíamos
superar as limitações do material. Como isso não ocorreu, terminou servindo
de lição."
Paolo nunca teve vontade de desenvolver nenhum projeto sem Vittorio? "Seria
mentira se dissesse que não. Ambos experimentamos esse desejo, mas depois
percebemos que nossos interesses eram tão semelhantes que seria melhor
desenvolvê-los conjuntamente", ele diz. Hoje em dia, existem muitos irmãos
no cinema - os Wachowski, os Dardenne e por aí afora. Paolo e Vittorio foram
pioneiros? Ele diz que não: "Pioneiros foram os Lumière."
O ressurgimento do cinema italiano lhe parece um fato e pode ser avaliado no
próprio Festival do Rio com dois filmes excepcionais - Il Divo, de Paolo
Sorrentino, e Gomorra, de Matteo Garrone. Mas Paolo Taviani diz que não
ocorreu de repente. "É resultado de um processo que já dura cinco ou seis
anos, embora seja um fato que temos hoje uma nova geração de grandes
talentos." Isso se reflete também no público - a participação italiana no
próprio mercado subiu de 6%, há cinco anos, para 22% hoje. Os produtores e
diretores comemoram, mas Paolo adverte. "O sucesso de público nunca é o
melhor termômetro para se avaliar a qualidade de um filme. Se ele é bom e
faz sucesso, melhor ainda, mas em geral os filmes de grande sucesso não são
os mais inovadores. É preciso ter cuidado."
(©
Estadão)
Quem são os cineastas homenageados
Foto Alberto Jacob / O Globo
Os Cineastas Vitório Taviani (de boné) e
Paolo Taviani
O Festival do Rio sempre traz a oportunidade para que o público possa assistir a obras de renomados diretores. Ícones em sua geração, eles contaram a história da sua época e contribuíram para a sétima arte de forma arrebatadora. Esses tributos exibidos no festival abrangem todos os tipos de exercícios estéticos da linguagem cinematográfica. Essa diferença se traduz nas mostras anteriores que vão desde os mestres Orson Welles e Sergio Leone até o cinema
underground de John Waters e Alexander Jodorowsky.
Prestando uma homenagem a duas importantes referências do cinema, entra em destaque, neste ano, uma seleção do melhor dos Irmãos Taviani e de Derek Jarman. Duas formas de pensar que promoveram o progresso na forma e no conteúdo de muito do que é assistido hoje nas salas de cinema.
Vittorio e Paolo Taviani, de 78 e 76 anos respectivamente, há algum tempo atrás, ficaram afastados da direção. Vencedores da Palma de Ouro em 1977 pelo filme "Pai patrão" (que será exibido no festival esse ano), os irmãos voltaram ao trabalho no ano passado com "La Masseria delle Allodole".
Após uma série de documentários realizados pelos dois entre os anos de 1954 e 1959, os irmãos Taviani estrearam na produção de "Un uomo da bruciare", ao lado de Valentino Orsini. Já em 1967, a dupla realizou "I Sovversivi", documentando a crise da esquerda depois da morte de Togliatti, que viria a ser reforçada posteriormente com "Sotto il segno dello deval", uma fábula que analisa o contraste entre realidade e utopia política, "Um grito de revolta", de 1973, "Divino e humano" (baseado no conto de Tolstói) e "Allonsanfan".
O longa que lhes rendeu a Palma de Ouro em Cannes, "Pai patrão", narra a história da luta de um pastor sardo feroz contra o regime patriarcal do seu universo, assim como "A noite de São Lourenço" é mais uma forma de representar o pensamento dos diretores acerca dos fatos da Toscana, na véspera da Libertação. Desde então a carreira dos Taviani foi marcada por muitas produções que traduzem a visão de duas pessoas sobre o contexto político italiano, chegando a ter algum sucesso no mercado (como em "Bom dia, Babilônia", de 1987) e projetos desastrosos (como em "Fiorile", de 1993, uma visão deturpada do poder corruptor do dinheiro).
Já há algum tempo os diretores estão focados em trabalhos para a televisão, com uma respeitosa interpretação de "Ressurreição" (2002), baseado na obra de Tolstói, um de seus autores favoritos. Os filmes de Vittorio e Paolo Taviani são marcados por exibirem na tela um conteúdo mais próximo o possível do pensamento de ambos, uma atitude digna de aplausos pela maneira como eles fogem do cinema comercial. Para quem quer apreciar e entender a magnitude das obras da dupla, deve conferir "Bom dia, Babilônia", "I Sovversivi", "Kaos", "La Masseria delle Allodole", "Allonsanfan", "Um grito de revolta", "Os fora da lei do matrimônio", "A noite de São Lourenço", "Noites com Sol", "Sob o sigilo do escorpião e "Pai patrão".
Iniciante na arte da projeção com o formato super-8 (sua marca registrada) em muitos curtas, Derek Jarman é de longe uma das mentes idealizadoras mais importantes do cinema. Sempre centrado no comportamento artístico, desde a criação até a expressão, Jarman aplicou todas as suas habilidades (desde pintor e cenógrafo a escritor) para aprimorar tudo o que estava disposto a expor.
O primeiro longa-metragem de Derek Jarman, "Sebastiane" (inteiramente em latim) é o pontapé inicial para uma promissora lista de um vanguardista que visava quebrar tabus, sendo o seu tema preferido a homossexualidade - o primeiro filme britânico a tratar de forma positiva o relacionamento gay. Além do caráter homossexual, Derek inseriu o contexto punk inglês com "Jubille" (1977), no qual participavam do elenco figuras do movimento punk como Wayne County of Wayne County & the Electric Chairs, Jordan, Toyah Willcox e Adam and the Ants.
"A tempestade", uma adaptação de Shakespeare nada convencional de 1979, foi aplaudido por estudiosos do autor e rejeitado por críticos mais tradicionalistas. Contudo, Derek continuou realizando trabalhos menores em super-8 enquanto levantava fundos para sua maior produção, "Caravaggio", em 1986 - sua primeira parceria com o estúdio de televisão Channel 4, que viria a marcar o início de grandes financiamentos e distribuição. Entretanto, o tempo e dinheiro investidos em "Caravaggio" fizeram Jarman repensar seu trabalho e abandonar a narrativa tradicional.
Durante a década de 80, Jarman ainda era uma das poucas figuras públicas abertamente gay na Grã-Bretanha e por isso foi um líder veterano contra a homofobia. Ele lutou em favor de uma legislação para aumentar a conscientização dos perigos da Aids e realizou diversos videoclipes para bandas pop como The Smiths, Marianne Faithfull e Pet Shop Boys, o que se estendeu até a década de 90. Já em 1989, Derik se descobre portador do vírus HIV, o que lhe promove uma nova reforma em sua estética artística. Ainda assim, após sua consagração, filmou "The last of England" (1988), "War Requiem" (1989) - o último trabalho de Laurence Oliver -, "The Garden" (1990), "Edward II" (1991), "Wittgenstein" (1993) e o visado "Blue" (1993), produzido quando sua saúde já estava em estado crítico e que só foi lançado após sua morte devido a Aids.
Dentre os filmes que estarão no circuito do Festival do Rio 2008 estão os já citados "Caravaggio", "Sebastiane", "Blue", "A tempestade" e "War Requiem", além de "Angelic Conversation", "Glitterbug", "Ostia", "Wittgenstein" e "Derek". Esse último, de Isaac Julien, se baseia numa carta escrita pela atriz Tilda Swinton em tributo a Derek Jarman. Intitulada "Letter to an Angel", a carta revê toda a trajetória de Jarman, desde os filmes em super-8 e sua projeção na inserção da estética punk até sua morte por Aids na década de 90. O filme retrata a importância deste nome e no que ele se propôs a fazer, refletindo o momento histórico inglês e potencializando o cinema independente e expressivo.
(©
O Globo)
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