Ornella Muti, cultuada por Crônica de Um
Amor Louco, está no País para participar de
um ciclo sobre cinema italiano e fala ao
'Estado' sobre netos, jóias... e até filmes
Luiz Carlos Merten O tempo passa, o tempo voa e atinge até os
mitos. Aos 14 anos, a jovem Ornella Muti foi
a moglie più bella del mondo, num filme de
Damiano Damiani, antes que o grande diretor
italiano iniciasse a fase mais política de
sua carreira. No Brasil, La Moglie Più Bella
chamou-se Por Amor ou Vingança. Aos 53, a
mulher mais bela continua deslumbrante - e
com aqueles olhos! Quando ela confirma que é
avó, o repórter não se furta a dizer - "Mas
então é a avó mais bela do mundo." Ela sorri
- Ornella nunca escancara o riso. "Tive meus
filhos muito cedo e eles também me deram
netos muito cedo."
Ornella Muti esteve em São Paulo para
prestigiar ontem, como madrinha, a abertura
da 4ª Semana do Cinema Italiano. O evento
cresceu e, neste ano, além de exibir a
produção italiana mais recente, do biênio
2007/2008, ganhou uma retrospectiva de
clássicos para comemorar os 40 anos da
revista Veja. Seriam sete clássicos, mais
sete filmes dos anos 70/80 e sete atuais.
"Fomos nos entusiasmando e a retrospectiva
de clássicos atingiu 13 títulos", revela a
curadora Érica Bernardini, também
responsável pelo marketing e comunicação da
Câmara Ítalo-Brasileira.
Há sete anos, quando esteve no Brasil - no
Rio - para filmar O Filho Predileto, com
direção de Walter Lima Jr., Ornella Muti já
se havia encontrado com o repórter. Na
época, ela lamentou o que considerava - e
era - a mediocrização da produção italiana.
A Itália, que teve uma das cinematografias
mais importantes do mundo no pós-guerra e,
depois, nos anos 60 e 70, viu morrerem os
grandes mestres e a parceria do cinema com a
TV diluir-se na era Silvio Berlusconi. Há um
revival do cinema italiano, confirmado pelos
números. Por volta de 2000, a participação
do cinema italiano no próprio mercado era de
6% e agora subiu para 23%. É exatamente o
inverso do que ocorre no Brasil.
"Felizmente, o público se cansou de só ver
TV", observa Ornella, cujo currículo ostenta
filmes de grandes diretores como Marco
Ferreri, Mario Monicelli e Ettore Scola,
além daqueles que fez na França e nos EUA.
No Brasil, ela será sempre cultuada como a
estrela de Crônica de Um Amor Louco, que
Ferreri adaptou de Charles Bukowski. Hoje,
alterna a atividade no cinema com a de
designer de jóias. E confessa que vive uma
fase, não de tranqüilidade, mas de
felicidade. "Continuo agitada, mas estou
mais madura, serena", diz.
(©
Estadão)
Comemorando o 'risorgimento'
de seu país nas telas, Ornella Muti alia
artes de atriz e designer de jóias
Luiz Carlos Merten
Ornella Muti chegou no início da semana ao
Brasil. Foi ao Rio na quarta e voltou no
mesmo dia. Ontem à noite, ela inaugurou a 4ª
Semana do Cinema Italiano, que começa hoje
para o público. O filme de abertura, La
Terra Degli Uomini Rossi - Birdwatchers, de
Marco Bechis, co-produção ítalo-brasileira
foi exibido somente para convidados. É
resultado de uma parceria entre Brasil e
Itália e a Semana, como realização da Câmara
Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria,
visa justamente a fomentar a atividade
econômica e cultural - o cinema também faz
parte da economia - entre os dois países.
Houve até um seminário para discutir o
assunto, quarta-feira, na Faap. O público
deverá esperar mais um pouco. Birdwatchers,
rodado no Mato Grosso, deve inaugurar,
conforme já foi anunciado na mídia, a Mostra
Internacional de Cinema São Paulo, em
outubro.
Há sete anos, no set de O Filho Predileto, o
repórter, impressionado com a beleza dos
olhos de Ornella Muti, já lhe havia
perguntado se algum diretor, alguma vez,
admitiu que a contratara por causa daquelas
duas gemas claras (e luminosas). Ela disse
que não, mas acrescentou que, pela beleza,
sim. A beleza passa - a dela, ainda não - e,
por isso, Ornella sempre se empenhou na
carreira em buscar papéis que lhe exigissem
mais como atriz. Nem sempre as coisas deram
certo. O Filho Predileto, que ela fez com
direção de Walter Lima Jr. - de Os
Desafinados -, foi decepcionante. "Walter é
molto carino, mas o filme estava sendo feito
para TV e ele não se adaptou à diferença de
mídias. Para complicar, fui dublada e a voz
não me agradou. Quando vi o filme, com
aquela voz, não era eu."
Pior ainda foi outra experiência que a levou
ao Chile para filmar Terra do Fogo, com
Miguel Littín e roteiro de Luís Sepulveda.
"Littín é um grande diretor e o projeto, no
papel, me pareceu muito interessante.
Filmamos num lugar remoto, uma filmagem
difícil. Quando o filme estreou em Milão, o
público se perguntou se não estaria sendo
exibido com os rolos trocados, de tanto que
ficou confuso." As decepções fazem parte do
métier, mas ela se orgulha das parcerias que
deram certo. A mais tumultuada foi com Marco
Ferreri. O diretor tinha fama de
temperamental. Odiaram-se assim que se
viram. A filmagem de L'Ultima
Donna, com Ornella e Gérard Depardieu, em
1976, foi marcada por agressões mútuas. Ele
a chamava de burra, ela revidava dizendo que
era grosso. A situação chegou a um ponto em
que ambos só se comunicavam por meio de uma
terceira pessoa.
Quando o filme estreou, o diretor se
surpreendeu com o que Ornella trouxera para
o papel e ela também se impressionou com o
que ele conseguira retirar dela. Ficaram
grandes amigos e fizeram Crônica de Um Amor
Louco e O Futuro É Mulher. Ornella quase
desistiu do último, porque estava grávida,
mas Ferreri a convenceu a filmar. "Ele me
veio com toda uma teoria sobre a minha
barriga e a essência da feminilidade, sobre
a relação entre homem e mulher como o ying e
o yang, que se equilibram e harmonizam."
Ferreri foi uma daquelas figuras com as
quais ela aprendeu - na vida e no cinema.
Aprendeu o quê? "Tutto." Mas, ao mesmo tempo
em que diz isso, Ornella traça a tênue linha
entre tudo e nada. Todos temos mestres, mas
é necessário que os identifiquemos. Que
queiramos aprender. "É um movimento
interior. Ninguém nos muda, ninguém ensina.
Nós mudamos, nós aprendemos."
Ela mudou. Nos anos 90, Ornella viveu um
processo de ruptura amorosa complicado, que
a fez sofrer muito. Haviam sido quase 20
anos de união. Seu atual companheiro - um
especialista em informática que desenvolveu
o projeto de seu site, www.ornella_muti.com
- lhe descortinou uma outra vida, uma outra
possibilidade de relação, baseada na
entrega, no afeto. "Com ele, aprendi mais do
que nunca a valorizar as pequenas coisas." O
amor e a família continuam sendo suas
prioridades, mas ela, italianamente, sabe,
como um de seus diretores preferidos,
Monicelli - com quem fez o belo Romance
Popular, por exemplo -, pode ser serpente. É
o momento da entrevista em que ela ri. Atira
a cabeça para traz e abre uma boca de fazer
inveja à de Angelina Jolie, com todos os
devaneios eróticos que estimula.
A estrela já havia estado em São Paulo e, no
Rio, para onde volta hoje de manhã, ficou um
período maior, durante a filmagem de O Filho
Predileto. Ornella ama o Brasil, nosso
'mistério',
como ela chama, mas confessa que é mais
carioca do que paulista. É o mar, a
atmosfera... "Reencontrei a garota que foi
nossa assistente no Filho e ela me contou
umas história horrível, de como foi feita
refém num assalto. As pessoas vivem
amendrontando a gente com a violência do
Rio. É uma cidade violenta, mas existe lá um
calor humano que me encanta. Hoje
(quarta-feira) me desencontrei dos meus
acompanhantes e estava perdida. Encontrei na
rua gente disposta a me ajudar, e não por
que me tivessem reconhecido. Era por
solidariedade mesmo. Vocês têm isso aqui,
muito forte."
No Rio, ela fica pouco tempo, pois precisa
regressar à Europa. Ornella está indo na
semana que vem para o Casaquistão. Uma
assessora da Câmara Ítalo-Brasileira havia
explicado que o Casaquistão é um dos
mercados em que as jóias desenhadas por
Ornella mais vendem. O repórter quer saber
se é verdade, mas não pergunta diretamente.
Pergunta 'por que o Casaquistão?' Ornella,
como se estivesse acuada, olha para os lados
em busca de socorro. "Realmente não sei. Mas
não é uma viagem ao Casaquistão. Vou fazer
um tour pelo Mar Báltico exibindo minhas
jóias. Minha mãe era báltica. Minha relação
com aquela área vem daí."
O site dedica uma seção especial às jóias de
Ornella - que ela desenha e usa, sendo sua
principal garota-propaganda. E ela estende a
mão para que o repórter aprecie o resultado
de seu design. Ornella só trabalha com
prata, que é tratada para ficar preta e aí
ela galvaniza a peça, aplicando-lhe pequenas
incrustações (mínimas) de pedras preciosas.
Ela mostra e recolhe logo a mão. Diz que uma
das minúscula pedrinhas caiu, mas ninguém
vai notar. A peça que usa é uma de suas
favoritas. É a matriz, a partir da qual são
criadas as jóias seriadas que ela vende, mas
que são produtos artesanais de alta
qualidade. As jóias lhe dão um prazer
especial. "São um negócio, o meu negócio. E
sou eu que as planejo e executo. É uma
atividade estimulante e prazerosa."
O cinema também pode ser (estimulante e
prazeroso). Os filmes que os paulistanos
poderão ver a partir de hoje revisam a
grande tradição italiana e apontam para
novas direções. Ornella está animada com o
'risorgimento'
do cinema em seu país. "Tivemos tantos
grandes autores. É bom perceber que a
tradição está se renovando. Vocês vão poder
ver bons filmes italianos."
Serviço
4.ª Semana do Cinema Contemporâneo Italiano
Iguatemi Cinemark. Av. Brig. Faria Lima,
2.232, Jd. Paulistano. telefone 3815-8713.
R$ 16 a R$ 21
Shopping Cidade Jardim Cinemark. Av.
Magalhães de Castro, 12.000. tels.
3758-1670/1645. R$ 16 a R$ 21
HSBC Belas Artes. R. da Consolação, 2.423,
Cerqueira César. tel. 3258-4092. R$ 8. Até
25/9
Frase
"As jóias são um negócio, o meu negócio. E
sou eu que as planejo e executo. É uma
atividade estimulante e prazerosa."
(©
Estadão)
Mostra lembra como era poderosa a
produção da península
Seleção traz obras recentes e também dos
anos 60 e 70, quando o cinema da Itália
chegou a ser, talvez, o melhor do mundo
Luiz Zanin Oricchio
Já está mais do que na hora de o cinema
italiano marcar presença mais forte e
constante em São Paulo, essa cidade de
oriundi. Por isso, em boa hora chega essa
amostragem do cinema da península que,
grosso modo, pode ser dividida em dois
segmentos - um, de títulos recentes, e
outro, de filmes mais antigos, entre os
quais alguns clássicos.
Dos recentes, o maior destaque fica para o
novíssimo La Terra Deli Uomini Rossi -
Birdwatchers, que competiu no
recém-encerrado Festival de Veneza e tem
muito a ver com o Brasil. Isso porque,
embora haja no elenco atores famosos, os
verdadeiros protagonistas são os índios
brasileiros que vivem no Mato Grosso do Sul
e estão ameaçados de extinção cultural.
O filme fez sucesso em Veneza, justamente
pela presença desses índios brasileiros, que
deram seu recado em bom português e
comoveram a todos os que estiveram presentes
à entrevista. Birdwatchers é integralmente
filmado no Brasil, falado em português e
guarani, e tem como diretor o
ítalo-argentino, nascido no Chile, Marco
Bechis. Para resumir, o filme é uma
co-produção entre Itália e Brasil, sendo da
Itália a parte majoritária. Coisas do cinema
global.
Ao lado de Birdwatchers, há a presença de
filmes do ano passado e de 2008 como Ônibus
Noturno (2007), Eu, O Outro (2007), A Garota
do Lago (2007) e Deus Ajuda Quem Cedo
Madruga (2008), entre outros. Pena que não
tenham trazido Gomorra, que venceu o Grande
Prêmio do Júri em Cannes e, com sua história
dos garotos delinqüentes de Nápolis, é um
exemplar muito representativo do cinema
social italiano contemporâneo.
Cinema social que, aliás, sempre foi um dos
carros-chefes da cinematografia italiana,
como se comprova pela lista dos "clássicos".
A começar por Antes da Revolução, de
Bernardo Bertolucci (1964), ou o maravilhoso
Nós Que Nos Amávamos Tanto (1974), talvez o
mais inspirado dos trabalhos de Ettore
Scola.
Em outra linha, também de Bertolucci, há na
mostra o seu famoso e (na época) polêmico
Último Tango em Paris (1972), com Marlon
Brando e Maria Schneider protagonizando uma
das cenas eróticas mais famosas da história
do cinema. E também A Noite de São Lourenço
(1982), um dos trabalhos mais expressivos
dos irmãos Taviani.
Depois daquele tempo, a produção italiana
foi perdendo força, com seus criadores se
tornando mais rotineiros, com raras
exceções. Uma delas, a mais brilhante, a do
humanista Gianni Amelio. Dele, há o
comovente América - Tempo de Chegar (1994),
tendo por tema a questão da imigração, que
se tornaria ainda mais premente nos anos
seguintes. Também de Amelio vem Assim É Que
Se Ria, com o qual venceu o Leão de Ouro em
Veneza em 1998.
Esses filmes relembram a força do cinema
italiano que chegou, talvez, a ser o melhor
do mundo entre os anos 60 e 70, e depois,
progressivamente, perdeu energia, vitalidade
e espaço. Hoje, há indícios de que pode
voltar a ser uma cinematografia influente,
como provam diretores como Nanni Moretti,
Daniele Luchetti e outros.
(©
Estadão)
Cinema
Um belo painel da
produção italiana
Mostra em São Paulo
reúne vinte filmes
marcantes e comemora os 40 anos de VEJA
Miguel Barbieri
Jr.
Alpha
Filmes
|
ENCONTRO MARCADO
Stefania
Sandrelli e Vittorio Gassman em Nós
que Nos Amávamos Tanto: momento
inspirador na carreira do diretor Ettore
Scola |
Embora produza
cerca de 120 filmes anualmente (incluindo as
co-produções), a Itália já teve mais destaque em
telas brasileiras. Hoje, dá para contar nos
dedos os longas-metragens italianos que
conseguem atrair um contingente expressivo de
espectadores no país – seja pelo reduzidíssimo
número de lançamentos, seja por causa de um
circuito exibidor dominado por títulos
americanos. Há, porém, casos isolados de fitas
como Estamos Bem Mesmo sem Você e Meu
Irmão É Filho Único – duas das únicas quatro
estréias vindas da Itália neste ano –, que
conseguem encontrar boa resposta junto às
platéias do, digamos, "cinema alternativo". Uma
mostra em São Paulo, que tem início nesta
sexta-feira, traça um panorama do cinema
italiano de ontem e de hoje.
Ao contrário das
três edições anteriores, que só focaram
produções contemporâneas, a Semana
Pirelli de Cinema Italiano exibe desta vez,
além de seis filmes novos e inéditos, catorze
pérolas realizadas entre 1964 e 1998 – esse
núcleo, em comemoração aos 40 anos de VEJA. A
produção cinematográfica italiana teve dois
grandes apogeus: após a II Guerra, com o início
do neo-realismo, e nas décadas de 60 e 70, com o
cinema político, do qual vieram obras
contundentes dirigidas por, entre outros,
Giuliano Montaldo, Damiano Damiani, Gillo
Pontecorvo (A Batalha de Argel) e Elio
Petri (A Classe Operária Vai ao Paraíso).
Montaldo marca presença na retrospectiva com o
emblemático Giordano Bruno, sobre o
filósofo queimado na fogueira da Inquisição em
1600. O papel principal coube ao ator Gian Maria
Volontè (1933-1994), que ficou marcado como a
"cara" do cinema político. Também de Montaldo
será exibido O Brinquedo Proibido, de
1979. Já Damiani está por trás de Só
Resta Esquecer, a terceira das quatro
parcerias feitas com o então galã Franco Nero.
Contam pontos a
favor dessa revisão do passado cinematográfico
italiano a escolha por títulos que não atingiram
a aura de cult e cineastas que não viraram,
assim, uma celebridade. Fellini, Antonioni e
Visconti e fitas oscarizadas como Cinema
Paradiso e A Vida É Bela cederam
espaço para dois grandes momentos de Ettore
Scola (Nós que Nos Amávamos Tanto e Um
Dia Muito Especial) e para a revisão de
Mario Monicelli do movimento estudantil de 1968
em Caro Michele. Bernardo Bertolucci, que
levou o Oscar em 1988 por O Último Imperador,
está representado por duas obras-chave – o
ainda polêmico O Último Tango em Paris
(1972), que foi censurado no Brasil, e
Antes da Revolução, seu segundo
longa-metragem. Ver uma seleção antológica como
essa na tela grande (a maioria dos títulos está
inédita em DVD) é, portanto, mais do que uma
oportunidade rara.
Oportunidade rara
Seis
longas-metragens novos e inéditos e
catorze filmes
dos anos 60 aos 90 serão exibidos em São
Paulo
De
ontem
Obras-primas de Ettore Scola e mais dez
realizadores ocupam os cinemas do HSBC
Belas Artes e do Shopping Cidade Jardim
De
hoje
A seleção de fitas contemporâneas será
exibida no Iguatemi Cinemark |
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