11ª Bienal de Arquitetura de
Veneza traz videoinstalações, grafites, HQs -e
quase nada dos usuais croquis e maquetes
MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
Uma videoinstalação com cenas de filmes. Uma
obra que gera imagens e sons a partir das
batidas do coração do espectador. Uma compilação
de vídeos retirados da internet dispostos em uma
sala cheia de pufes.Grafites e histórias em
quadrinhos em salas especiais.
Parece a descrição de uma mostra de arte
contemporânea, mas é a 11ª Bienal de Arquitetura
de Veneza, aberta ao público anteontem -em
cartaz até 23 de novembro.
O curador da mostra, o norte-americano Aaron
Betsky, optou por uma estratégia de risco ao
lançar mão de montagem e seleção inusuais. A
presença de maquetes, croquis e painéis, comum
em exposições da área, é quase nula em Veneza,
cuja mostra tem como título "Out There:
Architecture Beyond Building" (lá fora:
arquitetura além da construção).
"Temos de apoiar a capacidade do arquiteto de
ver, experimentar, explorar, imaginar", disse o
presidente da Fundação Bienal de Veneza, Paolo
Baratta, na entrega dos Leões de Ouro, no último
sábado.
"Uma Bienal com essa proposta só pode
ter sido feita com paixão e imenso
envolvimento", disse Betsky, atual diretor do
Museu de Arte de Cincinnati, nos EUA. "A saída
foi recolher e encorajar a experimentação:
aquela da estrutura efêmera, da visão de outros
mundos ou da prova tangível de um mundo melhor."
Divisões
Uma das principais evidências da diferença,
uma videoinstalação, "Hall of Fragments", de
David Rockwell, Casey Jones e Reed Kroloff, está
no início da seção "Instalações", o coração da
mostra, no prédio do Arsenale. Dividida em 40
espaços/ participantes, a seção usa uma série de
recursos audiovisuais e de montagem para
capturar a atenção.
"Hall of..." é bem-sucedida nessa abordagem,
ao exibir cenas de cinema que retratam cidades
de todo o tipo. Há as referências futuristas
-como
"Alphaville", de Godard-, espaços
intimistas -como os de "A Noite", de Antonioni-
e recortes surpreendentes, como os de "O
Iluminado", de Kubrick.
Já a instalação da dupla austríaca Coop
Himmelb(l)au, "Feed Back Space", é um
aperfeiçoamento de outra obra, "Astroballon", de
1969. O trabalho atual consiste em uma esfera
transparente que captura os batimentos cardíacos
de dois espectadores e os transforma em imagens
e sons que são exibidos e veiculados em quatro
placas metálicas acima da esfera. Segundo os
autores, é um diálogo com os ritmos da cidade
contemporânea.
Outro destaque do segmento é "Mimetic
Interpretations of Urban Fabric", que mistura
colagem, desenho, grafite e assemblage, da dupla
holandesa Kramervanderveer. "Instalações" também
conta com um ambiente doméstico desenhado para
ser informatizado e interligado, criado por
Vicente Guallart; uma casa tomada por
tubulações, dos croatas Penezic & Rojina, e
"Furnivehicles", dos japoneses do Ateliê Bow
Wow, protótipos que fundem carros e móveis
cotidianos, como uma pia de cozinha.
Outros espaços
O experimentalismo e o viés conceitual
continuam em outros ambientes fora do Arsenale,
como nos Giardini (jardins), onde ficam os
pavilhões nacionais. Na representação da Itália
são apresentadas as exposições "Arquitetura
Experimental" e "Uploadcity" -esta última com
vídeos da internet sobre situações urbanas. Em
"Arquitetura...", prevalecem os trabalhos
colaborativos, tendo como destaque uma HQ sobre
Dubai, de Wes Jones, e os edifícios ecológicos
dos espanhóis do escritório de arquitetura Cloud
9.
Ecologia e sustentabilidade, aliás, estão por
toda parte, com destaque para o pavilhão
dinamarquês, que discute a arquitetura junto de
questões como o Protocolo de Kyoto, o
aquecimento global e a reciclagem.
"Você foi um bom aluno", brincou o arquiteto
Frank Gehry, em referência a Aaron Betsky,
ex-colaborador de seu escritório e curador da
Bienal, ao receber o Leão de Ouro especial por
sua carreira. A cerimônia ocorreu no último
sábado, no teatro Piccolo Arsenale.
Gehry, 79, foi aplaudido de pé por dois
minutos ao receber a estatueta. "Estou muito
orgulhoso por esse prêmio. Veneza é muito
importante para mim desde a primeira vez que
expus por aqui, 30 anos atrás", disse o
sorridente arquiteto, nascido no Canadá e
naturalizado americano, autor de projetos
grandiosos como o museu Guggenheim Bilbao, na
Espanha, e o Walt Disney Concert Hall, nos
Estados Unidos.
No Arsenale, Betsky escolheu "Ungapatchket",
maquete de madeira e argila de grandes
proporções de projeto idealizado para Moscou e
nunca feito. A grande estrutura repete, na visão
do curador, o quanto a arquitetura de Gehry
"existe antes, durante e depois das
construções".
A iraquiana radicada no Reino Unido Zaha
Hadid foi outra das atrações com "Lotus",
experimento que conjuga casa e mobília, com
formas que se espalham pelo ambiente, bastante
característico do estilo desconstrutivista de
Hadid.
O Leão de Ouro dado ao norte-americano Greg
Lynn por seu projeto "Recycled Toy Furniture",
série de móveis domésticos feitos a partir de
plástico de brinquedos, foi surpreendente, mas
coerente com a proposta da curadoria.
Os pavilhões polonês e chileno ficaram com o
Leão de Ouro e o de Prata, respectivamente. A
proposta da Polônia é explorar o ciclo de vida
de prédios, em especial em países periféricos.
Já o pavilhão do Chile apresentou "Eu Estava
Lá", projeto de dez arquitetos, com ligações com
o universo da arquitetura popular.
O prêmio especial para o crítico
norte-americano James Ackerman, 89, foi bastante
saudado. Ele é um especialista em Andrea
Palladio (1508-1580), o mais importante
arquiteto que atuou em Veneza.
(MG)