Filme do diretor nova-iorquino Darren Aronofsky
traz Mickey Rourke no papel do ídolo da luta
livre
Luiz Zanin Oricchio, enviado
especial, com agências internacionais
VENEZA - O filme 'The Wrestler', do diretor
nova-iorquino Darren Aronofsky e interpretada por
Mickey Rourke, obteve o Leão de Ouro de
melhor filme da 65.ª edição do Festival
Internacional de Cinema de Veneza. O júri,
presidido pelo diretor alemão Wim Wenders,
considerou o filme, que fala de um lutador em final
de carreira, como o melhor dos 21 que competiram
pelo prêmio.
Segundo o crítico do Estado,
Luiz Zanin Oricchio, enviado especial a Veneza, The
Wrestler, foi o último filme em competição exibido
na sexta, 5, dirigido por Darren Aronofski, e foi
uma boa surpresa, em especial quando se lembra do
filme que ele apresentou aqui mesmo em Veneza no ano
passado, o péssimo A Fonte da Vida. The Wrestler,
(vamos traduzi-lo por O Lutador), sem ser nenhuma
obra-prima, é bem melhor. Traz de volta à tela um
Mickey Rourke bombado e envelhecido no papel do
ídolo da luta livre que está pedindo uma
aposentadoria, mas permanece no ringue para ganhar
uns trocados a mais.
O diretor faz um bonito começo de filme, com a
câmera acompanhando o lutador por trás, enquanto ele
se encaminha para a arena. É um longo travelling,
cheio de sentido. E que será repetido, em outra
circunstância, mais adiante. Há muito sangue e
paixão - e um belo trabalho de Rourke, que faz jus à
força desse tipo de personagem: o velho lutador, o
gladiador dos tempos modernos, sempre obrigado a
mais uma luta para sobreviver. Claro, o tipo ideal
de todos eles é Robert De Niro em Touro Indomável.
Mas aí temos a obra-prima. Não passando nem longe
dela, O Lutador convence pela sinceridade. Sua
história é da queda com dignidade, enfrentando desde
um romance frustrado com uma prostituta (Marisa
Tomei) até o relacionamento difícil com uma filha
(Evan Rachel Wood).
Na entrevista, Mickey Rourke disse que, antes de
fazer o filme ele não tinha lá muito respeito pela
luta livre. Afinal, ele lutou boxe e os boxeadores
não levam lá muito em consideração esse tipo de
combate que, mesmo sendo brutal, é em parte
coreografado e ensaiado entre os supostos oponentes.
Há um sempre do "bem", outro do "mal", os próprio
juízes fazem parte do show e todos se divertem.
Mesmo assim, sobram cortes, cicatrizes, dentes
partidos e costelas quebradas. São como atores,
vítimas da própria encenação. E, vendo a atividade
mais por dentro, Rourke, segundo seu depoimento,
passou a respeitá-lo. Isso porque Aronofski,
habilmente, conecta a luta à sociedade do
espetáculo. E faz a atração aparecer entre dois
"atores do corpo", manipuladores da fantasia alheia
- o lutador e a prostituta.
Embora o Júri não tenha entregue o prêmio de
melhor ator a Rourke, Wenders destacou que sua
interpretação no filme "tocava o coração".
Para o filme, o ator americano teve que se
dedicar durante anos ao boxe profissional. Ele
foi lançado no cinema em 9 1/2 semanas de Amor
(1986), ao lado de Kim Basinger.
Rourke reconheceu que "infelizmente" tinha
"muitas semelhanças" com a personagem, pois "há 15
anos havia atirado ao lixo" sua carreira.
The Wrestler mostra Randy Robinson, um
lutador no final da carreira profissional, que
começa a lutar em ringues de terceira categoria e a
apresentar problemas de saúde devido aos anos em que
praticou o esporte.
Randy começa então seu acerto de contas com a
vida. Uma filha abandonada, interpretada por Evan
Rachel Woods, e uma solidão na pobreza que ele tenta
superar com o amor de uma stripper, interpretada por
Marisa Tomei.
(©
Estadão)
Fera
solta em VenezaBoxeador e
protagonista de "The Wrestler", vencedor do Leão
de Ouro em Veneza, Mickey Rourke -com seu
chihuahua- encerra o festival
Denis Balibouse /
Reuters
Aos 52 anos, o boxeador profissional que
acumula 17 nocautes chega ao tapete
vermelho no sábado com a cachorra de
estimação |
|
IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
"Isto aqui vai para um filme com uma performance
de partir o coração. E, quando falo em partir o
coração, vocês sabem que estou falando em Mickey
Rourke." Foi dessa forma emocionada, segurando o
Leão de Ouro com as duas mãos, que Wim Wenders
anunciou o prêmio máximo do Festival de Veneza,
encerrado anteontem, para o filme "The
Wrestler", de Darren Aronofsky.Com um largo
sorriso, de gravata vermelha com bolinhas
brancas, Mickey Rourke, a fera politicamente
incorreta, largou por um instante seu chihuahua
e contrariou a etiqueta pela segunda vez no
sábado: subiu ao palco para receber o prêmio
dado para Aronofsky (que veio correndo atrás de
Rourke).
"Obrigado por terem me convidado para a
festa. Darren é o cineasta mais corajoso que
conheço. Poderia fazer outros tipos de filme e
ganhar muito dinheiro, mas sou seu fã porque ele
não tem medo de fracassar e cair de bunda no
chão. E agradeço muito ao júri por ter tomado a
decisão correta [de premiar "The Wrestler']",
disse, com seu jeito sério de tirar sarro de
todo mundo.
A primeira vez que contrariou a etiqueta
naquela noite havia sido 40 minutos antes,
quando apareceu no tapete vermelho da Sala
Grande de Veneza com seu cachorrinho de
estimação. Não perguntou para ninguém se podia.
Apenas foi entrando com o cão na sala de
premiação, onde só são admitidos homens de
smoking e mulheres de longo.
Rourke, 52 anos, boxeador profissional, 17
nocautes, raiva assustadora, 1,80 m de altura,
ex-novo James Dean, peso desconhecido, paciência
altamente limitada, é fanático por esses
pequenos cachorrinhos de 20 centímetros.
"Trouxe minha cachorra porque ela é muito
velha, não vai viver muito e quero passar todos
os momentos que puder com ela." Ele realmente
ama esses animais. Tem sete atualmente e, há um
ano e meio, se envolveu numa briga pública com
uma pet shop que lhe vendeu um cão doente.
Chegou a liderar uma passeata nas ruas de Miami
para fechar a loja.
"Essa aqui tem 17 anos e fez uma cirurgia no
coração há dois meses. Significa muito para ela
estar aqui comigo", contou. Rourke só vira fera
de novo quando, cercado por jornalistas, é
obrigado a ouvir tantas perguntas cretinas.
Tipo essa, de uma francesa: "Não gosto de
luta-livre e de violência. Pensei em sair do
filme depois de 20 minutos. Mas sou uma
jornalista que leva a profissão a sério. Me
obriguei a ver o filme todo. E, de repente,
passa da violência para um estado de graça. E
isso é tão incrível! Como vocês fazem para
operar esse milagre?".
Rourke olha para a multidão de jornalistas e
diz: "Vocês tiveram mais paciência do que eu
teria. Se fosse eu, teria mandado calar logo a
boca". Então, vira para a francesa e não
responde nada do que ela perguntou, e sim como
odiava a luta-livre, "porque é entretenimento,
tipo balé", e como agora aprendeu a respeitar os
lutadores, "porque eles se machucam de verdade e
acabam em cadeiras de rodas".
Mas não é preciso ir tão longe para tirar do
sério Mickey Rourke, protagonista de filmes como
"Nove e Meia Semanas de Amor" e "Coração
Satânico". Você pode apenas querer elogiá-lo,
como ocorreu com um repórter italiano: "Senhor
Rourke, o senhor acha que "The Wrestler" segue a
mesma linhagem de "Touro Indomável'?".
"Touro Indomável", de Martin Scorsese, mostra a
ascensão e queda de um boxeador (Robert de
Niro). É cult e adorado. E, se De Niro recebeu
um Oscar em 1981 por esse trabalho, talvez
Rourke possa ser ao menos indicado, não é mesmo?
"Você está misturando as coisas", começou,
nervoso. "Está misturando maçãs com laranjas,
cara." Rourke parecia inchar na pequena cadeira.
"Você... você é muito ignorante", soltou,
finalmente. "Este filme ["The Wrestler'] não tem
nada a ver com a p... do boxe, ok? É um filme
sobre a p... da luta-livre! Por que você acha
que esse filme tem a ver com boxe, cara? É como
confundir pingue-pongue e futebol!"
Entre demonstrações de enfastio e explosões
de Rourke, vemos Aronofsky segurando seu Leão de
Ouro com a mão direita e, com a esquerda,
tentando conter a fera, segurando-a pelo braço,
explicando a intenção da pergunta em seu ouvido,
tentando ver os olhos do ator que não tirou os
óculos escuros.
Porque, a qualquer momento, parece que ali
mesmo Rourke vai saltar sobre a mesa e aplicar
golpes de luta-livre nesses jornalistas
irritantes e confiná-los em cadeiras de rodas.
Ou talvez aplique golpes de boxe mesmo, um
cruzado de direita, um jab. Seria mais típico de
Mickey Rourke, a fera.
(©
Folha de S. Paulo)
análise
"Não
foram drogas ou álcool, foi a fúria"
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Foi assim que Mickey Rourke tentou explicar sua
decisão de largar uma fulgurante carreira no
cinema quando tinha tudo para se tornar uma
espécie de Marlon Brando dos anos 80/90. "A
fúria era algo que eu cultivava. Era
intimidadora, e uma coisa de macho, também",
disse, em 2005, ao "The Times".
Naquele ano, Rourke voltava às telas nos
violentos "Sin City", de Robert Rodriguez, e
"Domino", de Tony Scott. "Sin City" foi um
sucesso, mas a aparência do ator estava tão
modificada pelo visual estilizado do filme, que
só fãs mais fiéis o notaram.
Para quem já conhecia Rourke, foi um susto
vê-lo nas entrevistas promocionais de "Sin
City". O que havia acontecido com seu rosto? Não
era botox. Mais tarde, saberíamos que ele havia
passado por quatro operações para reconstituir a
cartilagem do nariz e consertar uma fratura no
osso da bochecha, resultado de dezenas de lutas
de boxe -carreira que ele resolveu retomar em
1993.
Ao que tudo indica, a volta por cima de
Rourke virá de verdade com "The Wrestler". O
filme de Darren Aronofsky, que conta justamente
a história da volta por cima de um lutador,
apareceu meio de surpresa na competição do
Festival de Veneza e acabou saindo de lá com o
Leão de Ouro. Rourke só não teria levado o
prêmio de interpretação porque o regulamento
impede o acúmulo de troféus nessas duas
categorias.
Rourke apareceu pela primeira vez em 1979, na
comédia "1941", de Spielberg. Mas chamou atenção
em 1980, no neo-noir "Corpos Ardentes", de
Lawrence Kasdan. Ainda em 1980, apareceu em "O
Portal do Paraíso", de Michael Cimino -diretor
que lhe daria os melhores papéis de sua
carreira, em "O Ano do Dragão" (1985) e "Horas
de Desespero" (1990).
Mas foi em 1983 que Rourke encontrou o papel
capaz de o consagrar como herdeiro de Brando: o
Motorcycle Boy da obra-prima "Rumble Fish", de
Coppola (traduzido por aqui como "O Selvagem da
Motocicleta").
O Leão de Ouro para "The Wrestler" pode até
ter um significado importante para Aronofsky,
que há dois anos saiu de Veneza de cabeça baixa
com a péssima recepção de "Fonte da Vida"
(realmente terrível). Mas o fato é que a
irregular carreira do cineasta, que inclui ainda
os duvidosos "Pi" (1998) e "Réquiem para um
Sonho" (2000), não demonstrou envergadura para
um prêmio desse peso.
O mesmo não se pode dizer de Mickey Rourke
-um ator com a fúria e a elegância de um leão.
Já se fala, evidentemente, em uma indicação para
o Oscar, mas não é bom contar com a boa vontade
da Academia em relação aos filhos malditos de
Hollywood. Quem sabe?
(©
Folha de S. Paulo)
ALGUNS VENCEDORES
LEÃO DE OURO
"The Wrestler", de Darren Aronofsky (EUA)
MELHOR DIRETOR
Aleksei German Jr, por "Paper Soldier" (Rússia)
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI
"Teza", de Haile Gerima
(Etiópia/Alemanha/França)
MELHOR ROTEIRO
Haile Gerima, por "Teza"
(Etiópia/Alemanha/França)
MELHOR ATOR
Silvio Orlando, de "Il Papá de Giovanna"
(Itália)
MELHOR ATRIZ
Dominique Blanc, de "L'Autre" (França)
CONJUNTO DA OBRA
Werner Schroeter, diretor de "Nuit de Chien"
(Alemanha)
MELHOR FOTOGRAFIA
Alisher Khamidhodjaev e Maxim Drozdov, por
"Paper Soldier
DIRETOR ESTREANTE
Gianni de Gregorio, por "Pranzo di Ferragosto"
(Itália)
(©
Folha de S. Paulo) |