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'The Wrestler' ganha Leão de Ouro no Festival de Veneza

10/09/2008

Foto: EFE

 Aronofsky e Rourke posam com o Leão de Ouro
 

Filme do diretor nova-iorquino Darren Aronofsky traz Mickey Rourke no papel do ídolo da luta livre

Luiz Zanin Oricchio, enviado especial, com agências internacionais

VENEZA - O filme 'The Wrestler', do diretor nova-iorquino Darren Aronofsky e interpretada por Mickey Rourke, obteve o Leão de Ouro de melhor filme da 65.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza.  

O júri, presidido pelo diretor alemão Wim Wenders, considerou o filme, que fala de um lutador em final de carreira, como o melhor dos 21 que competiram pelo prêmio. 

Segundo o crítico do Estado, Luiz Zanin Oricchio, enviado especial a Veneza, The Wrestler, foi o último filme em competição exibido na sexta, 5, dirigido por Darren Aronofski, e foi uma boa surpresa, em especial quando se lembra do filme que ele apresentou aqui mesmo em Veneza no ano passado, o péssimo A Fonte da Vida. The Wrestler, (vamos traduzi-lo por O Lutador), sem ser nenhuma obra-prima, é bem melhor. Traz de volta à tela um Mickey Rourke bombado e envelhecido no papel do ídolo da luta livre que está pedindo uma aposentadoria, mas permanece no ringue para ganhar uns trocados a mais.  

O diretor faz um bonito começo de filme, com a câmera acompanhando o lutador por trás, enquanto ele se encaminha para a arena. É um longo travelling, cheio de sentido. E que será repetido, em outra circunstância, mais adiante. Há muito sangue e paixão - e um belo trabalho de Rourke, que faz jus à força desse tipo de personagem: o velho lutador, o gladiador dos tempos modernos, sempre obrigado a mais uma luta para sobreviver. Claro, o tipo ideal de todos eles é Robert De Niro em Touro Indomável. Mas aí temos a obra-prima. Não passando nem longe dela, O Lutador convence pela sinceridade. Sua história é da queda com dignidade, enfrentando desde um romance frustrado com uma prostituta (Marisa Tomei) até o relacionamento difícil com uma filha (Evan Rachel Wood).  

Na entrevista, Mickey Rourke disse que, antes de fazer o filme ele não tinha lá muito respeito pela luta livre. Afinal, ele lutou boxe e os boxeadores não levam lá muito em consideração esse tipo de combate que, mesmo sendo brutal, é em parte coreografado e ensaiado entre os supostos oponentes. Há um sempre do "bem", outro do "mal", os próprio juízes fazem parte do show e todos se divertem. Mesmo assim, sobram cortes, cicatrizes, dentes partidos e costelas quebradas. São como atores, vítimas da própria encenação. E, vendo a atividade mais por dentro, Rourke, segundo seu depoimento, passou a respeitá-lo. Isso porque Aronofski, habilmente, conecta a luta à sociedade do espetáculo. E faz a atração aparecer entre dois "atores do corpo", manipuladores da fantasia alheia - o lutador e a prostituta. 

Embora o Júri não tenha entregue o prêmio de melhor ator a Rourke, Wenders destacou que sua interpretação no filme "tocava o coração". 

Para o filme, o ator americano teve que se dedicar durante anos ao boxe profissional. Ele foi lançado no cinema em 9 1/2 semanas de Amor (1986), ao lado de Kim Basinger. 

Rourke reconheceu que "infelizmente" tinha "muitas semelhanças" com a personagem, pois "há 15 anos havia atirado ao lixo" sua carreira. 

The Wrestler mostra Randy Robinson, um lutador no final da carreira profissional, que começa a lutar em ringues de terceira categoria e a apresentar problemas de saúde devido aos anos em que praticou o esporte. 

Randy começa então seu acerto de contas com a vida. Uma filha abandonada, interpretada por Evan Rachel Woods, e uma solidão na pobreza que ele tenta superar com o amor de uma stripper, interpretada por Marisa Tomei.

(© Estadão)

 


Fera solta em Veneza

Boxeador e protagonista de "The Wrestler", vencedor do Leão de Ouro em Veneza, Mickey Rourke -com seu chihuahua- encerra o festival

Denis Balibouse / Reuters

Aos 52 anos, o boxeador profissional que acumula 17 nocautes chega ao tapete vermelho no sábado com a cachorra de estimação
 


IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

"Isto aqui vai para um filme com uma performance de partir o coração. E, quando falo em partir o coração, vocês sabem que estou falando em Mickey Rourke." Foi dessa forma emocionada, segurando o Leão de Ouro com as duas mãos, que Wim Wenders anunciou o prêmio máximo do Festival de Veneza, encerrado anteontem, para o filme "The Wrestler", de Darren Aronofsky.

Com um largo sorriso, de gravata vermelha com bolinhas brancas, Mickey Rourke, a fera politicamente incorreta, largou por um instante seu chihuahua e contrariou a etiqueta pela segunda vez no sábado: subiu ao palco para receber o prêmio dado para Aronofsky (que veio correndo atrás de Rourke).

"Obrigado por terem me convidado para a festa. Darren é o cineasta mais corajoso que conheço. Poderia fazer outros tipos de filme e ganhar muito dinheiro, mas sou seu fã porque ele não tem medo de fracassar e cair de bunda no chão. E agradeço muito ao júri por ter tomado a decisão correta [de premiar "The Wrestler']", disse, com seu jeito sério de tirar sarro de todo mundo.

A primeira vez que contrariou a etiqueta naquela noite havia sido 40 minutos antes, quando apareceu no tapete vermelho da Sala Grande de Veneza com seu cachorrinho de estimação. Não perguntou para ninguém se podia. Apenas foi entrando com o cão na sala de premiação, onde só são admitidos homens de smoking e mulheres de longo.

Rourke, 52 anos, boxeador profissional, 17 nocautes, raiva assustadora, 1,80 m de altura, ex-novo James Dean, peso desconhecido, paciência altamente limitada, é fanático por esses pequenos cachorrinhos de 20 centímetros.

"Trouxe minha cachorra porque ela é muito velha, não vai viver muito e quero passar todos os momentos que puder com ela." Ele realmente ama esses animais. Tem sete atualmente e, há um ano e meio, se envolveu numa briga pública com uma pet shop que lhe vendeu um cão doente. Chegou a liderar uma passeata nas ruas de Miami para fechar a loja.

"Essa aqui tem 17 anos e fez uma cirurgia no coração há dois meses. Significa muito para ela estar aqui comigo", contou. Rourke só vira fera de novo quando, cercado por jornalistas, é obrigado a ouvir tantas perguntas cretinas.

Tipo essa, de uma francesa: "Não gosto de luta-livre e de violência. Pensei em sair do filme depois de 20 minutos. Mas sou uma jornalista que leva a profissão a sério. Me obriguei a ver o filme todo. E, de repente, passa da violência para um estado de graça. E isso é tão incrível! Como vocês fazem para operar esse milagre?".

Rourke olha para a multidão de jornalistas e diz: "Vocês tiveram mais paciência do que eu teria. Se fosse eu, teria mandado calar logo a boca". Então, vira para a francesa e não responde nada do que ela perguntou, e sim como odiava a luta-livre, "porque é entretenimento, tipo balé", e como agora aprendeu a respeitar os lutadores, "porque eles se machucam de verdade e acabam em cadeiras de rodas".

Mas não é preciso ir tão longe para tirar do sério Mickey Rourke, protagonista de filmes como "Nove e Meia Semanas de Amor" e "Coração Satânico". Você pode apenas querer elogiá-lo, como ocorreu com um repórter italiano: "Senhor Rourke, o senhor acha que "The Wrestler" segue a mesma linhagem de "Touro Indomável'?".
"Touro Indomável", de Martin Scorsese, mostra a ascensão e queda de um boxeador (Robert de Niro). É cult e adorado. E, se De Niro recebeu um Oscar em 1981 por esse trabalho, talvez Rourke possa ser ao menos indicado, não é mesmo?

"Você está misturando as coisas", começou, nervoso. "Está misturando maçãs com laranjas, cara." Rourke parecia inchar na pequena cadeira. "Você... você é muito ignorante", soltou, finalmente. "Este filme ["The Wrestler'] não tem nada a ver com a p... do boxe, ok? É um filme sobre a p... da luta-livre! Por que você acha que esse filme tem a ver com boxe, cara? É como confundir pingue-pongue e futebol!"

Entre demonstrações de enfastio e explosões de Rourke, vemos Aronofsky segurando seu Leão de Ouro com a mão direita e, com a esquerda, tentando conter a fera, segurando-a pelo braço, explicando a intenção da pergunta em seu ouvido, tentando ver os olhos do ator que não tirou os óculos escuros.

Porque, a qualquer momento, parece que ali mesmo Rourke vai saltar sobre a mesa e aplicar golpes de luta-livre nesses jornalistas irritantes e confiná-los em cadeiras de rodas. Ou talvez aplique golpes de boxe mesmo, um cruzado de direita, um jab. Seria mais típico de Mickey Rourke, a fera.

(© Folha de S. Paulo)


análise

"Não foram drogas ou álcool, foi a fúria"

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Foi assim que Mickey Rourke tentou explicar sua decisão de largar uma fulgurante carreira no cinema quando tinha tudo para se tornar uma espécie de Marlon Brando dos anos 80/90. "A fúria era algo que eu cultivava. Era intimidadora, e uma coisa de macho, também", disse, em 2005, ao "The Times".

Naquele ano, Rourke voltava às telas nos violentos "Sin City", de Robert Rodriguez, e "Domino", de Tony Scott. "Sin City" foi um sucesso, mas a aparência do ator estava tão modificada pelo visual estilizado do filme, que só fãs mais fiéis o notaram.

Para quem já conhecia Rourke, foi um susto vê-lo nas entrevistas promocionais de "Sin City". O que havia acontecido com seu rosto? Não era botox. Mais tarde, saberíamos que ele havia passado por quatro operações para reconstituir a cartilagem do nariz e consertar uma fratura no osso da bochecha, resultado de dezenas de lutas de boxe -carreira que ele resolveu retomar em 1993.

Ao que tudo indica, a volta por cima de Rourke virá de verdade com "The Wrestler". O filme de Darren Aronofsky, que conta justamente a história da volta por cima de um lutador, apareceu meio de surpresa na competição do Festival de Veneza e acabou saindo de lá com o Leão de Ouro. Rourke só não teria levado o prêmio de interpretação porque o regulamento impede o acúmulo de troféus nessas duas categorias.

Rourke apareceu pela primeira vez em 1979, na comédia "1941", de Spielberg. Mas chamou atenção em 1980, no neo-noir "Corpos Ardentes", de Lawrence Kasdan. Ainda em 1980, apareceu em "O Portal do Paraíso", de Michael Cimino -diretor que lhe daria os melhores papéis de sua carreira, em "O Ano do Dragão" (1985) e "Horas de Desespero" (1990).

Mas foi em 1983 que Rourke encontrou o papel capaz de o consagrar como herdeiro de Brando: o Motorcycle Boy da obra-prima "Rumble Fish", de Coppola (traduzido por aqui como "O Selvagem da Motocicleta").

O Leão de Ouro para "The Wrestler" pode até ter um significado importante para Aronofsky, que há dois anos saiu de Veneza de cabeça baixa com a péssima recepção de "Fonte da Vida" (realmente terrível). Mas o fato é que a irregular carreira do cineasta, que inclui ainda os duvidosos "Pi" (1998) e "Réquiem para um Sonho" (2000), não demonstrou envergadura para um prêmio desse peso.

O mesmo não se pode dizer de Mickey Rourke -um ator com a fúria e a elegância de um leão. Já se fala, evidentemente, em uma indicação para o Oscar, mas não é bom contar com a boa vontade da Academia em relação aos filhos malditos de Hollywood. Quem sabe?

(© Folha de S. Paulo)


ALGUNS VENCEDORES

LEÃO DE OURO
"The Wrestler", de Darren Aronofsky (EUA)

MELHOR DIRETOR
Aleksei German Jr, por "Paper Soldier" (Rússia)

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI
"Teza", de Haile Gerima (Etiópia/Alemanha/França)

MELHOR ROTEIRO
Haile Gerima, por "Teza" (Etiópia/Alemanha/França)

MELHOR ATOR
Silvio Orlando, de "Il Papá de Giovanna" (Itália)

MELHOR ATRIZ
Dominique Blanc, de "L'Autre" (França)

CONJUNTO DA OBRA
Werner Schroeter, diretor de "Nuit de Chien" (Alemanha)

MELHOR FOTOGRAFIA
Alisher Khamidhodjaev e Maxim Drozdov, por "Paper Soldier

DIRETOR ESTREANTE
Gianni de Gregorio, por "Pranzo di Ferragosto" (Itália)

(© Folha de S. Paulo)

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