Coleção Farnesina abre hoje mostra de 98 quadros de artistas contemporâneos
Exposição traz nomes do informalismo abstrato, como Burri e Fontana, a transvanguarda de Mimmo Paladino e a arte povera
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Eram positivas as feridas de Lucio Fontana. Quando furava a tela em busca de uma terceira dimensão, trazia a seus quadros o frescor de uma arte que não passou pelas agruras da guerra -filho de imigrantes italianos, o nome mais forte do informalismo abstrato se radicou na Europa depois de crescer longe de tudo, na Argentina. Perto do horror, Alberto Burri, seu sucessor direto na história da arte italiana, era cirurgião e foi capturado por tropas norte-americanas na Segunda Guerra. Ainda no cativeiro, começou a queimar, rasgar e furar suas telas, simulando nessas peles artificiais uma extrema violência. As marchas e contramarchas de meio século da história da arte na Itália aparecem nas 98 obras que o Masp reúne a partir de hoje.
Há desde os nomes fortes do informalismo abstrato dos anos 40 e 50, como Fontana e Burri, até a chamada transvanguarda, marcada pelo retorno à figuração nos anos 80, com nomes como Enzo Cucchi, Mimmo Paladino, Sandro Chia e Francesco Clemente. No meio disso tudo, há espaço para a arte povera, a pop art italiana e alguns exemplares da arte conceitual dos anos 70. São todas obras da coleção Farnesina, o Ministério das Relações Exteriores da Itália, trazidas ao Brasil numa avalanche italiana: o Rio recebe ao mesmo tempo mostras individuais de Jannis Kounellis, Mimmo Paladino e Ernesto Tatafiore (leia abaixo).
Mas o quadro mais completo está em São Paulo. Se "Conceito Espacial" (1949), de Fontana, e "Preto" (1961), de Burri, ajudam a dimensionar o motor que move as primeiras décadas desse recorte, é possível ver o desdobramento claro nas obras de Agostino Bonalumi e Enrico Castellani, que criam estruturas e formas por trás da tela.
"É um efeito de chiaroscuro em relevo", resume a curadora, Mariastella Margozzi. "É o trabalho do artista com o do artesão, por trás da imagem." Paralelamente a essa pesquisa do espaço, os artistas do grupo Forma Uno, surgido no fim dos anos 40 em Roma, foram os primeiros italianos a voltarem os olhos para o construtivismo russo e o geometrismo. Mas nessa adaptação romana, liderada por Achille Perilli e Piero Dorazio, a onda não foi capaz de afogar o humor e as cores que resistiram às vanguardas.
Até mesmo a arte povera, que buscou no cotidiano objetos banais para "enobrecer" em forma de arte, esbarra às vezes nos cânones da pop art: Mimmo Rotella usa cartazes publicitários, e Pino Pascali sai à cata de vassouras coloridas. São poucos, mas eficazes os exemplares da arte conceitual dos anos 70 e 80, como Giulio Paolini e sua série de 28 grids quadriculares que tendem à abstração, além do humor fácil de Luca Maria Patella e sua tela de cheios e vazios -pode ser vaso ou rostos frente a frente.
A tensão entre artista e artesão que se deu no informalismo e na arte povera encerra a mostra com total força figurativa na chamada transvanguarda, movimento italiano análogo à geração 80 no Brasil, marcada pela volta à pintura. São explosivas as cores de Francesco Clemente, Enzo Cucchi e Mimmo Paladino, que fizeram o quadro voltar a ser só um quadro.
COLEÇÃO FARNESINA
Quando: abertura hoje, às 19h; de ter. a dom., das 11h às 18h; qui., até as 20h; até 21/9
Onde: Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 0/xx/11/3251-5644; livre)
Quanto: R$ 15; grátis às terças
(©
Folha de S. Paulo)
Um dos expoentes da arte povera, Kounellis tem 1ª individual no BrasilENVIADO ESPECIAL AO RIO E A NITERÓI
Jannis Kounellis esteve no fundo do poço. Passou dias deitado no chão da galeria no Rio, olhando a clarabóia no teto que filtra os raios de sol. Sem quadros nem obras para expor, levou dez dias para decidir que sua obra ali seriam tambores pendurados em ganchos de açougue: a pele do surdo e a memória sonora da festa. A primeira individual no Brasil de um dos maiores representantes da arte povera -movimento italiano dos anos 60 e 70 que se pautou pelo uso de materiais cotidianos- inaugurou na semana passada a galeria Progetti, no centro do Rio, numa travessa da rua do Ouvidor e seu casario do século 19.
Para ele, seus tambores e instrumentos musicais afixados na parede são nada menos que pintura. Da mesma forma que os 12 cavalos que amarrou à parede numa galeria de Roma nos anos 60 não eram performance, mas sim uma ode à imagem. "Não tem a ver com o movimento dos cavalos, tem a ver com a imagem deles." Quando plantou cáctus e instalou um poleiro para uma arara em outra galeria, ainda nos anos 60, pensava da mesma maneira: "A pintura é uma lógica, não é uma técnica". O brasileiro Antônio Dias, quando viu o trabalho depois de "levar porrada" no Maio de 68 parisiense, escreveu ao amigo Hélio Oiticica dizendo que sua tropicália havia chegado à Europa.
No Rio, assistentes de Kounellis percorreram galpões das escolas de samba Grande Rio e Mocidade Independente de Padre Miguel atrás dos surdos que o artista levou à galeria. "Eles têm o som de uma festa dionisíaca", diz Kounellis. "A pintura moderna é exaltação." Depois de décadas dessa diluição do suporte -do informalismo dos anos 40 à arte povera dos anos 60 e 70 quase não houve distinção entre escultura e pintura na Itália-, houve um retorno ao aspecto artesanal da arte, um certo resgate da pintura. Surgiram nos anos 80, e foram arrebanhados pelo crítico Achille Bonito Oliva na chamada transvanguarda, artistas como Mimmo Paladino e Ernesto Tatafiore.
Outras mostras
Além de Kounellis, são mais dois italianos com individuais em cartaz no Rio. Paladino ocupa o segundo andar do Museu de Arte Moderna do Rio com 30 obras, entre gravuras e pinturas. De aspecto gestual acentuado, Paladino parece devolver a mão do artista ao quadro, mas se permite uma contradição: algumas composições são mero receituário artístico, a disposição de formas fixas na tela, passíveis de reprodução.
No Museu de Arte Contemporânea de Niterói (RJ), Tatafiore pronuncia a autoria com seu vermelho sangüíneo. São 16 telas no primeiro andar de cores fulminantes, todos retratos de gente que tentou realizar em vida seus sonhos utópicos. Lá estão Beethoven, Giorgio De Chirico, Lênin, terminando com Maradona e Pelé.
(SM)
JANNIS KOUNELLIS
Quando: de ter. a sáb., das 11h às 19h; até 1º/11
Onde: galeria Progetti (trav. do Comércio, 22, Rio, tel. 0/xx/21/2221-9893; livre)
Quanto: entrada franca
MIMMO PALADINO
Quando: de ter. a sex., 12h às 18h; sáb. e dom., 12h às 19h; até 7/9
Onde: MAM-RJ (av. Infante Dom Henrique, 85, Rio, tel. 0/xx/21/ 2240-4944; livre)
Quanto: R$ 5
ERNESTO TATAFIORE
Quando: de ter. a dom., das 10h às 18h; até 28/9
Onde: MAC de Niterói (mirante da Boa Viagem, s/nº, Niterói, tel. 0/ xx/21/ 2620-2400; livre)
Quanto: R$ 4
(©
Folha de S. Paulo)
Masp retira de exposição obra de artista italiano que pode ser falsa
Após denúncia, museu decide remover trabalho atribuído a Jannis Kounellis
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Sob a suspeita de que pode ser falsa, não será exposta no Museu de Arte de São Paulo (Masp) uma obra sem título do artista italiano Jannis Kounellis. A peça chegou a ser levada ao primeiro andar do museu como parte da exposição de arte italiana do pós-guerra que será aberta hoje.
"Prefiro não expor uma obra com um ponto de interrogação", disse Luigina Peddi, diretora do Istituto Italiano di Cultura e representante, em São Paulo, do Ministério das Relações Exteriores italiano. A coleção Farnesina, cujas obras serão expostas no Masp, é gerida pelo ministério e de responsabilidade do governo italiano.
"Para evitar polêmicas, a obra será retirada", disse um porta-voz da chancelaria italiana à Folha, por telefone, de Roma. "Temos muito respeito ao público brasileiro e não queremos enganar ninguém."
O Masp, junto com o Istituto Italiano di Cultura, emitiu um comunicado oficial em que afirma que, "devido a uma controvérsia referente à autenticidade da obra de Jannis Kounellis", o museu e o instituto decidiram "por ética, não expor a obra até a resolução do caso".
Kounellis, que nega a autoria da obra, esteve no Brasil na semana passada. Ao ver na revista "IstoÉ" a imagem do quadro de 2004 atribuído a ele, o artista informou à sua galerista no país, Paola Colacurcio, dona da recém-inaugurada galeria Progetti, no Rio, que a obra era falsa e que comunicaria o problema às autoridades italianas.
Segundo Colacurcio, Kounellis já se encontrou em Roma com um representante do governo para comunicar o caso. A obra pertencia a uma coleção gerida pela galeria suíça Karsten Greve AG e estava cedida em comodato à Farnesina.
O porta-voz da chancelaria italiana ouvido pela Folha nega que Kounellis tenha entrado em contato com o órgão em Roma, mas representantes do ministério italiano que vieram ao Brasil para organizar a mostra garantem que houve contato com o artista e que, por isso, decidiram retirar a obra.
Procurado pela Folha, o artista não quis dar entrevista.
"Acho difícil ver se uma obra é verdadeira ou falsa a partir de uma fotografia, mas, na dúvida, não vamos expor a peça", disse a curadora da mostra do Masp, Mariastella Margozzi, em São Paulo. "A obra ficará guardada até que se tire a dúvida."
Segundo Margozzi, as obras da coleção Farnesina têm certificado de autenticidade. No caso da obra de Kounellis, o documento traz uma assinatura supostamente sua.
"Ele terá que provar agora que, de fato, esse documento não saiu de seus próprios arquivos", diz Margozzi. "Esta não é uma mostra organizada por uma galeria qualquer, é de uma instituição do governo, que não comete erros do tipo."
"A tendência geral nesses casos é pôr de lado até esclarecer as questões", diz o curador do Masp, Teixeira Coelho.
(©
Folha de S. Paulo)
Arte italiana de anseio e renovação
Mostra, que vai ser aberta esta noite no Masp, percorre muitos caminhos,
vertentes e materiais, de 1950 até 2000
Maria Hirszman Como apresentar um resumo da arte contemporânea italiana, produzida entre
1950 e os nossos dias? Esse é o desafio que se propõe a exposição Arte
Contemporânea Italiana (1950 -2000) - Coleção Farnesina, que será aberta
esta noite no Masp. A solução encontrada pelos organizadores dessa mostra
produzida pelo Instituto Italiano de Cultura para itinerar pela América
Latina, é bastante interessante: em vez de apostar todas as fichas nas
grandes estrelas internacionais, já amplamente conhecidas do público,
optou-se por uma mostra extremamente diversificada, na qual estão
representadas as mais diferentes vertentes e nomes da produção italiana das
últimas décadas.
Evidentemente, figuras do calibre de Lucio Fontana, Alberto Burri, Mimmo
Rotella, Piero Manzoni ou Michelangelo Pistoletto - para citar apenas alguns
dos destaques - não poderiam faltar. E também não se pode dizer que os
outros membros do time - composto por 98 autores - sejam desconhecidos ou
emergentes. No entanto, mais do que assinaturas impactantes, o que é dado ao
visitante é um leque amplo de caminhos, que muitas vezes se encontram nos
chamados grupos ou escolas. Pode parecer excessivo o fato de a mostra ser
dividida em 15 sub-blocos, limitando cada um dos representados a uma
determinada vertente. Mas, de certa forma, essa segmentação, se não for
pensada de forma reducionista, pode levar o público a compreender como se
entrecruzam e se alimentam reciprocamente esses movimentos dominantes no
cenário artístico - e não apenas italiano - da segunda metade do século 20.
A mostra tem início com o expressionismo abstrato, representado, por
exemplo, pela forte carga expressiva e gestual de Emílio Vedova, numa obra
tardia, de 1988. Pelo meio do caminho percorremos diferentes rotas, passando
pelo pop, pela arte povera, pela transvanguarda, pela nova figuração dos
anos 80... E se encerra com os trabalhos mais recentes, representados pela
diversidade de trajetórias dos representantes da Escola de S. Lorenzo
(referência ao local em que os ateliês estão instalados) ou pela videoarte
de Maurício Plessi, presente com a obra Mar Horizontal.
Um aspecto curioso da mostra é o caráter bastante aberto da cronologia
proposta. As obras são segmentadas em função de seu parentesco com este ou
aquele núcleo, mas não necessariamente correspondem ao mesmo período
histórico. Muitas vezes, são trabalhos tardios de artistas pertencentes
àquela corrente, como no caso de Rossovioleto, de Gino Marotta, destaque do
núcleo pop, mas realizada em 2001.
Há também na exposição uma preocupação em dar conta da ampla diversidade de
materiais, técnicas e linguagens explorados ao longo desse período. É
significativa a presença dos objetos tridimensionais, mas predomina, de
longe, a pintura. No embate com a tela ou com materiais menos convencionais,
percorrendo o caminho da abstração ou da figuração, buscando a corporiedade
da matéria ou a leveza dada pelo enxugamento extremo dos elementos, é
possível ver como convivem nesse período o ímpeto transformador, o anseio
pela renovação - muitas vezes premiado com a grande aceitação pelo mercado
externo, com destaque para o americano - e a relação inevitável e
enriquecedora com a tradição da arte italiana.
Serviço
Coleção de Arte Italiana Contemporânea Farnesina. Masp. Av. Paulista, 1.578,
3251-5644. 3.ª a dom., 11 h às 18 h (5.ª até 20 h). R$ 15 (3.ª grátis). Até
21/9. Abertura hoje, para convidados
(©
Estadão)
Dois criadores da Itália também no Rio
MAM e MAC-Niterói exibem obras de Mimmo Paladino e Ernesto Tatafiore
Camila Molina
Tanto o Museu de Arte Moderna do Rio como o Museu de Arte Contemporânea de
Niterói se dedicam a apresentar a arte de criadores italianos. O MAM abre
hoje para o público a mostra Mimmo Paladino - Obra Gráfica, com 30 gravuras
realizadas entre 1992 e 2007 pelo artista que se tornou um dos nomes mais
conhecidos do movimento da transvanguarda italiana. Com curadoria de Enzio
Di Martino, a mostra é feita de trabalhos que refletem a diversidade das
criações de Paladino, repleta de signos (elementos figurativos) que se unem
e formam significados no campo do imaginário e do sonho - cabeças e metades
de corpos se juntam a símbolos como facas, cruzes, cálices, mãos, palavras.
Já no MAC-Niterói estão grandes telas e desenhos do psicanalista e artista
Ernesto Tatafiore. Centrado em retratos, todos eles feitos com o uso de um
tipo de vermelho intenso, Tatafiore cria obra que mistura no mesmo plano
liso citações filosóficas, da história da arte, da mitologia e da
contemporaneidade.
(©
Estadão)
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