A ilusão da compreensão mútua, as múltiplas personalidades que cada pessoa carrega dentro de si e o conflito trágico entre a dinâmica da vida e a rigidez das convenções (O Marido de Minha Mulher). Ele sonda e aviva assim o nosso olhar de espectador — que gosta de se imbuir da infelicidade dos outros ou perfurar o seu segredo — com a intenção deliberada de não o satisfazer (Vestir os Nus).
Certamente, essas poucas palavras não contextualizam o todo. Apenas indicam pistas do que o leitor brasileiro tem a oportunidade de descobrir em duas obras que estão sendo lançadas (a primeira, pela editora Odisséia, uma e, a segunda, pela Civilização Brasileira) do italiano Luigi Pirandello, prêmio Nobel de Literatura em 1934. A primeira, uma antiga tradução de Jacob Penteado, pela editora Odisséia e, a segunda, com tradução de Millor Fernandes, pela Civilização Brasileira.
Dramaturgo, romancista e poeta nascido em Agrigento, na Sicília, em 28 de junho de 1867 (faleceu em Roma em 1936), Pirandello é reconhecido mundialmente pela sua capacidade de renovar o teatro, envolvendo-o em uma atmosfera de originalidade e humor. Aliás, ele sempre deixou clara a sua intenção de separar cômico do humorístico. Para passar da atitude cômica para a atitude humorística, é preciso renunciar ao distanciamento e à superioridade.
Em 'O marido de minha mulher', com profundo senso de humor, o autor expõe o ridículo das situações cotidianas, em histórias povoadas de adultérios e personagens tomados por pequenas e grandes angústias - 'Cada qual se veste com a sua dignidade por fora', escreveu Pirandello, 'mas sabe muito bem tudo de inconfessável que se passa no seu íntimo'. Na história que dá título ao livro, o narrador, consciente da proximidade da morte, especula sobre o provável envolvimento entre sua mulher e seu melhor amigo - em 'Um matrimônio ideal', a dúvida sobre a paternidade confere um caráter trágico ao destino de um homem comum; em 'Retorno', um personagem volta ao povoado natal e não é reconhecido por ninguém.
Em todos os contos deste volume, Pirandello expõe, com ceticismo, graça e melancolia, os sentimentos contraditórios e inconfessáveis que, muitas vezes, entram em conflito com as convenções sociais. Ao expor a contradição, presente nas situações mais banais, entre a verdade e a ilusão, entre a aparência e a realidade, o autor revela o absurdo da condição humana. Pirandello afirmava pertencer, desgraçadamente, à categoria dos escritores filósofos, cuja tarefa seria desvendar as infinitas máscaras que camuflam a realidade.
Em Vestir os Nus, o escritor Ludovico Nota acolhe em sua casa Ercília, uma jovem ama cuja tragédia pessoal é conhecida por todos. Despedida após a morte acidental da criança de quem cuidava, foi abandonada pelo noivo e tentou suicidar-se. Muito rapidamente, no entanto, o leitor se dá conta de que a história de Ercília não reflete a realidade.
De certo modo ela “vestiu” o seu suicídio com uma história que faz dela uma vítima, tal qual uma heroína de romances folhetinescos. Porém, sua tentativa de suicídio não foi fingida e Ercília tem muitos motivos para reivindicar o título de vítima que agora lhe é negado. Aqui, Pirandello faz certamente incidir uma luz premonitória sobre estes processos de vitimização tal como os conhecemos hoje nesses tempos de reality shows.
Como é freqüente nas obras de Pirandello, um abismo de culpa está na raiz dos acontecimentos, mas não entrega verdade alguma, apesar da determinação das personagens em cutucar feridas. Ele sonda e aviva assim o nosso olhar de espectador — que gosta de se imbuir da infelicidade dos outros ou perfurar o seu segredo — com a intenção deliberada de não o satisfazer.
Maróstica também é apresentador da Cantoria Italiana (Festitália) Serafina
Corrêa e Festival Nacional de Música Italiana de Santa Catarina, atualmente
apresenta o programa “SERRANOSTRA” na Rádio Comunidade FM de Veranópolis – RS,
aos domingos das 10:00 às 13:00 h com outros dois apresentadores, para mais de
cinqüenta municípios da Serra Gaúcha e para o mundo via internet
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