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Carlo Ginzburg, o italiano que não teme a ignorância: fio e rastros no Brasil

Foto: Divulgação

O italiano Carlo Ginzburg, um dos mais reverenciados historiadores contemporâneos lança livro e profere palestras no Brasil.
 

Penso que não se deve ter medo de ser ignorante, e sim procurar multiplicar esses momentos de ignorância, porque o que interessa é justamente a passagem da ignorância absoluta para a descoberta de algo novo. Considero que o verdadeiro perigo está em nos tomarmos competentes

A frase acima  é do italiano Carlo Ginzburg, 68 anos, filho de judeus nascido em Turim, um dos mais importantes historiadores  contemporâneos, que nesta semana esteve no Brasil. Conhecido como um dos pioneiros no estudo da micro-história, autor do famoso livro O Queijo e os Vermes, ele proferiu a palestra  "Medo, Reverência, Terror - Lendo Hobbes Hoje" na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, evento concomitante ao lançamento de seu livro o Fio e os Rastros. Na quinta-feira, participa da 12ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.

O livro que o notabilizou internacionalmente, o Queijo e os Vermes, lançado na década de 70, é um estudo fundamentado na análise das idéias de um moleiro italiano do século XVI a respeito do mundo. Antes, em 1966, estudou as feitiçarias e as heresias, lançando o seu primeiro livro, Os Andarilhos do Bem.

“Eu disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos [...] e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses formam os anjos. A santíssima majestade quis que aquilo fosse Deus e os outros, anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa, naquele mesmo momento...”

Essas poucas frases resumem o núcleo das idéias defendidas por Domenico Scandela, o moleiro conhecido como Menocchio, diante dos inquisidores italianos, em 1584. Nascido em Montereale, pequena aldeia do Friuli, foi denunciado ao Santo Ofício pelo pároco dom Odorico Vorai, antigo desafeto que o acusava de pronunciar palavras “heréticas e totalmente ímpias”. Crítico do clero, da Igreja e da opressão contra os pobres, Menocchio foi descoberto por acaso quase quatro séculos depois. A análise cuidadosa de seu processo deu origem ao clássico O Queijo e os Vermes, livro publicado em 1976 e editado no Brasil 10 anos depois, destaca Jacqueline Hermann, professora de História Moderna da UFRJ.

Conforme Jacqueline Hermann, a história de Menocchio não é, no entanto, apenas um relato insólito e extraordinário de algum personagem bizarro, embora ele seja também peculiar. Na lente de Ginzburg, e dando curso a reflexões que se iniciaram antes desse trabalho, a análise do estranho caso de um moleiro perdido nos campos de uma Itália em luta contra o avanço protestante deu corpo a uma profunda reflexão sobre a escrita da história, suas dificuldades, desafios e possibilidades.

Ainda nos anos de 1960, destaca a historiadora da Ufrj, quando pesquisava processos de bruxaria entre os séculos XVI e XVII, Ginzburg deparou-se com um conjunto de documentos sobre os benandanti, ou os andarilhos do bem, defensores das colheitas contra bruxos e feiticeiros. A análise do ritual de fertilidade seguido por esses camponeses, resultou no livro I benadanti, publicado originalmente em 1966, e que revelou um núcleo de crenças populares ainda muito identificadas a resquícios de uma cultura oral, pagã e popular de longa duração, mas que paulatinamente foram assimilados à feitiçaria. Ginzburg estaria analisando a essa altura, e segundo suas próprias palavras “a mentalidade de uma sociedade camponesa” e suas conclusões apontavam para um processo de aculturação dos benandanti, na medida em que, entre 1580 e 1650 estes passaram de uma atitude de defesa da autenticidade de suas crenças para uma aceitação gradativa da acusação de feitiçaria perpetrada pelos inquisidores.

Na verdade, o envolvimento de Carlo com o assunto teve uma repercussão inusitada. Nos anos 70, ele estava buscando o registro de um julgamento, cujo original estava no arquivo da Inquisição em Veneza. Buscando uma cópia, escreveu uma carta pessoal para o papa João Paulo II, pediu que os arquivos da inquisição fossem abertos, pois a Igreja deveria submeter-se ao julgamento da história. Não obteve resposta. Escreveu outra carta, burocrática, que foi respondida pelo atual papa, o então cardeal Ratzinger, informando-o que o documento que ele queria não estava no Vaticano. Em 1998, o papa abriu os arquivos para os historiadores. O cardeal Raztinger afirmou, na ocasião, que a carta de Carlo havia sido importante naquela decisão.

(© Oriundi)

 


Entrevista: Carlo Ginzburg

Admirado e seguido por historiadores brasileiros, Carlo Ginzburg esteve no Brasil em 1989. Nessa ocasião, Alzira Alves de Abreu, Ângela de Castro Gomes e Lucia Lippi Oliveira o entrevistaram. O material, publicado em Estudos Históricos , do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas, assume uma relevância histórica porque é um dos textos em que mais Carlo trata de si mesmo, de sua própria história, revelando uma personalidade intensa, um caráter rigoroso e uma sensibilidade quase incomum. Vale a pena conferir:

Clique aqui para ler a íntegra da entrevista

(© Oriundi)

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