Evento abre espaço para filmes tão diversos como o brasileiro "Juízo" e o blockbuster "Ultimato Bourne"
Flávia Guerra, do Estadão
LOCARNO - Maria Augusta Ramos exibiu seu Juízo, filme brasileiro em competição na sessão Cineastas do Presente, em Locarno, na noite de segunda-feira, 6. A sessão é uma das mais prestigiadas do festival e abre espaço para o cinema que ousa sair do lugar comum. O que hoje em dia não è pouco. Guta Ramos teve a felicidade de mostrar seu filme e poder explicar ao publico como conseguiu realizar um documentário sem que pudesse mostrar a cara dos personagens em questão. Não foi tarefa fácil.
Guta, que já havia recebido vários prêmios em festivais internacionais por Justiça, filme em que ela revela todos os corredores de um tribunal, desta vez percorre os caminhos da justiça ao lado de garotos que cometem delitos e vão a julgamento. Mais que a visão burocrática do processo, a diretora traz à tona as raízes deste pequenos-grandes delitos, que indicam os imensos problemas sociais que estes garotos enfrentam antes de chegar a corte. Mas, por lei, não podia mostrar o rosto destes garotos. Ao final, em vez de desistir da sua idéia, decidiu usar atores. E não è que conseguiu realizar um documentario contundente e realista, mesmo com o uso da dramaticidade, sem cair no apelo do didatico. Ponto para ela.
Na tarde de segunda-feira foi a vez de Kiko Goifman mostrar seu Handerson e as Horas na sessão Ici et Alleurs. Ao final da sessão, a platéia que lotava a sala onde foi exibido o filme, na pequena cidade dos Alpes Suíços, se perguntava: como alguém consegue festejar seu próprio aniversário dentro de um ônibus público? A dúvida, mais do que o espanto com o desprendimento dos usuários, era como um cidadão podia passar mais de uma hora todos os dias no percurso de casa ao trabalho. Mais de uma hora? De fato, seriam três horas. Em menos de duas horas, um habitante de Locarno chega a outro país.
Enfim, diferenças geográficas e sociais à parte, o fato è que os documentários brasileiros fazem bela figura neste festival em que mais de sete mil pessoas se sentam ao ar livre na Piazza Grande todos os dias para assistir aos filmes em competição.
A seleção deste ano começou há uma semana, com um filme japonês, e termina no próximo sábado, com a exibição de Winners&Losers, do grande Lech Kowalski, que conta a final da Copa do Mundo de 2006 dos dois pontos de vista, ou seja, franceses e italianos.
Entre os extremos, homenagens aos recém-partidos Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni e espaço para os blockbusters - porque um festival, mesmo o arrojado Locarno, tem de abrir as portas para o cinemão de Hollywood fazer seu espetáculo. Resultado: recorde de público na Piazza Grande até agora, com 7.500 pessoas, na première mundial de Ultimato Bourne, o terceiro episódio da saga do espião vivido por Matt Damon.
Damon é competente e sabe fazer bem o papel do espião contemporâneo que, em vez de super poderes, anda de metrô e compra celular pré-pago. A organização de Locarno é tao competente quanto e sabe abrir espaço para o comercial sem deixar de exibir filmes de ponta, nem esquecer dos grandes mestres. À noite, por exemplo, foi encerrada com a exibição de Zabriskie Point, clássico de 1970, em homenagem a Antonioni. E o cinema prova que é arte que fala todas as línguas, em um festival onde se começa uma conversa em italiano, muda-se para o inglês e termina-se em alemão ou francês.
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Agência Estado)
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site oficial do evento
"O Passado", de Hector Babenco, será exibido nos festivais de Toronto e RomaDa Redação
Divulgação
Gael García Bernal e Babenco durante as filmagens |
O drama "O Passado", longa-metragem de Hector Babenco (o diretor de "Carandiru") estrelado pelo mexicano Gael García Bernal, será exibido no festival de Toronto (Canadá), que acontece de 6 a 15 de setembro. O filme estará na seção Masters, que desde 1996 exibe filmes de mestres consagrados como Takeshi Kitano, Ken Loach, Abbas Kiarostami, Pedro Almodóvar e David Lynch.
Em seguida, "O Passado" participará do Festival de Cinema de Roma, que acontece de 18 a 27 de outubro.
Rodado em Buenos Aires e São Paulo e baseado no romance do argentino Alan Pauls, "O Passado" narra a história de Rimini, jovem tradutor que termina um casamento de 12 anos com Sofia, sua primeira namorada, mulher que se fará presente nos próximos dez anos de sua vida. O filme estréia no dia 26 de outubro no Brasil.
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UOL Cinema)
Bertolucci explicita abismo entre cineastas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O cinema tem simpatias. As minhas nunca foram para o lado de Bernardo Bertolucci e, de certa forma, "O Conformista" (TC Cult, 19h55) sempre me deixou gelado. É como se a estranha aventura de Marcello Clerici (Jean-Louis Trintignant), o conformista do título, fosse abafada sob tanta estética. Outro dia, peguei na TV, por acaso, o final do filme. No ponto em que estava, a estranha aventura não interessava mais nada. Interessava, sim, a beleza de cada cena, de cada gesto, das luzes e dos movimentos. O filme versa sobre um fascista, mais por preguiça ou fraqueza. Antes de tudo um acomodado, a quem é dada a tarefa de vigiar um professor, o homem que foi seu mentor. O que impressiona nisso tudo? A percepção, imediata, do abismo que existe entre um cineasta de primeira linha, simpático ou não a cada um de nós, e os talentos medianos, medíocres ou nulos que ocupam a TV (para não falar nos cinemas). Esse abismo que a TV permite ver de cara é o que importa.
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Folha de S. Paulo) |