Com as mortes de Bergman e Antonioni, dois dos
maiores representantes da escola européia, já se fala em fechamento de
ciclo, em epílogo da era do chamado “cinema de arte”, cujo declínio já
se fazia sentir havia anos
Luiz Zanin Oricchio
Eles se foram
juntos, e a tentação
é dizer que as
mortes de Ingmar
Bergman e
Michelangelo
Antonioni assinalam
o fim de uma era.
Há motivos para
pensar dessa
maneira.
Praticamente
contemporâneos, o
sueco e o italiano
exerceram enorme
influência sobre o
cinema do século 20,
ainda que nunca
tenham sido
particularmente
populares. Seus
filmes os levaram
muito além das
fronteiras dos seus
países. Encarnaram,
talvez como nenhum
outro criador do seu
tempo, uma maneira
intelectual de
expressar-se através
dessa arte de sons e
imagens. E, como o
cinema foi de fato a
arte do século 20, a
repercussão dos seus
trabalhos foi
imensa, muito embora
não tenham sido
grandes sucessos de
bilheteria. Ora, mas
não é apenas o êxito
comercial que
determina o valor de
uma obra. Quantos
exemplares foram
vendidos na época de
publicação de
Ulisses, de Joyce?
Qual foi a tiragem
de A Interpretação
dos Sonhos, de
Freud? Em Busca do
Tempo Perdido, de
Proust, figurou nas
listas de
best-sellers?
Bergman e Antonioni
iniciam carreira
ainda nos anos 40,
mas despontam para a
cena mundial apenas
na década seguinte.
Bergman, após um
começo tido como
convencional,
trabalhando como um
remador de Ben-Hur
na Svensk
Filmindustri, como
roteirista, e lá
mesmo rodando seus
primeiros filmes.
Antonioni, como
documentarista muito
ligado em princípio
ao neo-realismo e,
ele também,
participando de
roteiros que seriam
filmados por colegas
- como é o caso de
Abismo de Um Sonho,
de Federico Fellini.
Naquele momento, em
que os efeitos
materiais imediatos
do pós-guerra
pareciam cessar, os
dois afinam seus
instrumentos com os
(vastos) meios
culturais
disponíveis. Bergman
dando seguimento à
grande escola
nórdica de Carl T.
Dreyer e ao
pensamento de
Kierkegaard.
Antonioni, estudando
conseqüências do
aburguesamento da
sociedade européia e
da reificação do
homem. Ambos
partilham o ambiente
do existencialismo,
de Sartre a Camus,
da náusea ao
sentimento de
estranheza de estar
no mundo.
Respirando esse ar
rarefeito, ambos se
instalam, como se
estivessem em casa,
no inconsciente
coletivo das décadas
de 50 a 70, quando
produzem um número
extraordinário de
obras-primas -
Noites de Circo
(1953), Morangos
Silvestres (1957), a
trilogia Através de
Um Espelho, Luz de
Inverno e O Silêncio
(1961-1962), Persona
(1966), Gritos e
Sussurros (1973),
para Bergman; O
Grito (1957) e a
trilogia A Aventura,
A Noite e O Eclipse
(1959-1961), O
Deserto Vermelho
(1963), Blow Up
(1967), Passageiro -
Profissão: Repórter
(1975), para
Antonioni. É como se
dialogassem e
discutissem através
dos seus filmes, num
ambiente de
intertextualidade
cinematográfica que
não iria mais se
repetir, pelo menos
nesse nível, depois
daquela época.
Esse espaço de
“discussão”, claro,
não era ocupado
apenas por esses
dois pesos pesados,
mesmo porque estavam
vivíssimos e ativos
outros de porte
semelhante como
Federico Fellini
(1920-2003) e
Luchino Visconti
(1906-1976), além de
Godard, Truffaut e
Rohmer, na França, e
mais os diretores
dos “novos cinemas”
que brotavam em toda
parte, do Brasil ao
Japão, da Alemanha à
Argentina, dos
Estados Unidos à
Inglaterra, e assim
entravam no jogo. Do
ponto de vista
artístico, foi uma
época e tanto. E uma
época que buscava se
interpretar e se
refletir através do
cinema. Naqueles
anos, fazer cinema,
pelo menos como o de
Bergman, Antonioni e
outros, era
empreender uma
tarefa de prospecção
e compreensão da
vida do mesmo nível
que a melhor
literatura, a
filosofia
contemporânea, a
pintura mais
sofisticada.
Para sustentar essa
posição artística,
seria preciso não
apenas optar por um
conjunto temático
que se impunha ao
tempo (a
impossibilidade da
relação, a
coisificação do
homem contemporâneo,
a mesquinhez do
destino humano,
etc.) mas tensionar
o campo das formas
expressivas. Os
closes de Bergman
são inevitáveis para
quem, como ele,
procura
desesperadamente a
“alma” das suas
personagens. Os
espaços vazios de
Antonioni, que
lembram a pintura de
De Chirico, são
igualmente
inevitáveis para
quem busca expressar
a rarefação do homem
na sociedade
industrial de então.
Um filme como Gritos
e Sussurros se
resolve, em boa
parte, pelo trabalho
de composição de
cores, do branco
contra o vermelho.
Profissão: Repórter
se condensa e se
adensa no
plano-seqüência
final, com a câmera
cujo “olho” percorre
o ambiente e deixa o
crime ser cometido
fora do campo. São
apenas dois
exemplos.
Quer dizer, no tipo
de cinema que faziam
Bergman e Antonioni,
a meditação sobre o
tema era parte da
equação; a outra,
envolvia o desafio
de enfrentar esse
tema em uma forma
inovadora e que, ao
mesmo tempo,
incorporasse a
tradição da cultura
em geral e a do
cinema em
particular. Não é
difícil descobrir o
quanto, em meio à
invenção, havia de
influências e
referências nos
filmes de um e de
outro. Mas essas
referências e
influências não se
apresentam de forma
ostensiva, como
penduricalhos, à
maneira de citações.
Isso porque,
primeiro: estavam
tão bem assimiladas
pelos autores, sendo
partes orgânicas de
sua cultura, que
passavam a fazer
parte deles, da sua
corrente sanguínea;
segundo: porque o
tempo do acúmulo e
exibição de citações
ainda não havia
chegado.
O curioso é que esse
cinema que pensa e
sente é às vezes
pejorativamente
chamado de “frio” e
“distante”, pecha em
geral mais aplicada
a Antonioni que a
Bergman. Com efeito,
este é, também, um
cinema da mente, da
inteligência. Ao
mesmo tempo, é um
cinema dos
sentimentos, da
paixão, dos afetos.
Não são termos
excludentes - pelo
contrário. Há furor
em Bergman, há amor
em Antonioni. Mas há
também silêncio,
pausas e reflexão.
Luz e sombras. É um
cinema de nuances e
ambivalências
profundas, expressas
em termos de uma
beleza por vezes
convulsiva.
Por isso se impôs.
Mas não de maneira
serena e inevitável.
Hoje, quando a morte
coloca definitivo
ponto final em suas
carreiras, Bergman e
Antonioni passaram à
condição de
unanimidades. Nem
sempre foi assim.
Ainda se encontram,
em arquivos de
jornais, velhas
críticas que
acusavam a ambos de
formalistas,
intelectualistas e
mesmo alienados, por
tratarem mais da
interioridade dos
personagens do que
de sua inserção no
social. Essa
politização crítica,
por vezes excessiva,
se explica pelo
tônus engajado dos
anos 60. Não impediu
que Bergman e
Antonioni se
impusessem como
fatos incontornáveis
da cultura. Por
exemplo, em 1954, no
festival de cinema
que comemorou o 4º
centenário de São
Paulo, foi grande o
pasmo com a projeção
de Noites de Circo,
filme chamado de
“inclassificável”
pela crítica. E,
desse modo, apesar
de resistências
localizadas, ambos
se tornaram
referências e
sinônimos do assim
chamado “cinema de
arte”.
A perda de espaço
que experimentaram
anos depois se deve
menos a uma queda de
qualidade da sua
produção que a
mudanças no próprio
ambiente
cinematográfico e
cultural. Este, por
sua vez, acompanhava
e determinava
alterações no
panorama mundial, na
percepção e na
sensibilidade do
público. O espaço
para filmes
complexos foi
diminuindo em escala
mundial, ao mesmo
tempo em que
Hollywood se
revitalizava pelo
novo cinema de ação,
com filmes como
Guerra nas Estrelas
e Indiana Jones. Os
chamados “tempos
mortos” foram
eliminados e a ação
tornou-se contínua.
O próprio cinema
europeu declinou e
novas gerações de
realizadores
mostraram-se
incapazes de
substituir os
antigos mestres.
Começava uma nova
era, hostil à
reflexão, a
narrativas
lacunares, a
qualquer coisa que
pareça estranha,
lenta ou complexa.
Não saberemos jamais
que tipo de carreira
Bergman ou Antonioni
teriam feito caso
houvessem nascido
mais tarde e
começado a filmar em
época tão
antiintelectual como
a nossa. Mas, enfim,
a obra fica e é ela
que conta.
(©
Agência Estado)
Em uma geração
de quebradores
de regras,
Antonioni foi um
dos mais
subversivos e
venerados
Rick Lyman*
Michelangelo
Antonioni, o
diretor italiano
cujos cânticos
frios de
alienação foram
pedras
fundamentais do
cinema
internacional
nos anos 60,
inspirando doses
iguais de
admiração,
acusação e
confusão, morreu
na segunda-feira
(30/07) em sua
casa em Roma,
informou a
imprensa
italiana na
terça-feira. Ele
tinha 94 anos.
Ele morreu no
mesmo dia que
Ingmar Bergman,
o cineasta sueco
que morreu em
sua casa na
Suécia.
"Com Antonioni,
não apenas
perdemos um dos
maiores
diretores vivos,
mas também um
mestre do cinema
moderno", disse
o prefeito de
Roma, Walter
Veltroni. Seu
gabinete disse
estar planejando
que o corpo de
Antonioni seja
velado na
quarta-feira,
informou a
agência de
notícias
"Reuters".
|
|
Michelangelo
Antonioni
dirigiu
clássicos
como
"Blow
Up" e "A
Aventura" |
Alto, cerebral e
resolutamente
sério, Antonioni
remonta um tempo
em meados do
século passado
em que ir ao
cinema tinha uma
finalidade
intelectual,
quando passagens
propositadamente
opacas em filmes
reconhecidamente
difíceis
provocavam
longas noites de
discussão em
cafés de
calçada, e
quando diretores
da moda como
Antonioni, Alain
Resnais e
Jean-Luc Godard
eram seguidos à
beira-mar em
Cannes por
cinéfilos
empunhando
câmeras e
exigindo saber o
que raios
queriam dizer
com seus mais
recentes
ultrajes.
Antonioni
provavelmente é
mais conhecido
por "Blow-Up -
Depois Daquele
Beijo"
("Blow-Up"), um
drama de 1966
situado em
Londres sobre um
fotógrafo de
moda que passa a
acreditar que
uma foto que
tirou de dois
amantes em um
parque público
também mostra,
escondida ao
fundo, evidência
de um
assassinato. Mas
sua verdadeira
contribuição
duradoura ao
cinema está em
sua trilogia
anterior -"A
Aventura"
("L'Avventura"),
de 1959; "A
Noite" ("La
Notte"), de
1960; e "O
Eclipse"
("L'Eclisse"),
de 1962 - que
explora a visão
central
atormentada do
cineasta de que
as pessoas se
tornaram
emocionalmente
desconectadas
umas das outras.
Esta visão de
distanciamento
das pessoas foi
expressa perto
do final de "A
Noite", quando
sua estrela
Monica Vitti
observa: "Toda
vez que tento me
comunicar com
alguém, o amor
desaparece".
Em uma geração
de quebradores
de regras,
Antonioni foi um
dos mais
subversivos e
venerados. Ele
desafiou o
público de
cinema com um
foco intenso em
personagens
intencionalmente
vagos e um
desdém por
convenções
padrões como
trama, ritmo e
clareza. Ele
levantava
questões e nunca
as respondia,
fazia seus
personagens
agirem de forma
autodestrutiva e
deixava de
explicar porquê,
e estendia suas
tomadas por
tanto tempo que
os atores às
vezes saíam do
personagem.
Tudo fazia parte
do plano do
diretor. Como
Antonioni
explicou: "Os
efeitos
posteriores de
uma cena de
emoção, me
ocorreu, também
podem ter
significado,
tanto sobre o
ator quanto
sobre o avanço
psicológico do
personagem".
Antonioni também
rompeu outras
convenções.
Muitos de seus
cortes, durações
de cena e
movimentos de
câmera eram
altamente
idiossincráticos
e ele
freqüentemente
posava seus
personagens de
forma altamente
formal. Ele
usava
enquadramentos
de ponto de
vista apenas
raramente, uma
prática que
ajudava a erguer
uma barreira
emocional entre
o público e seus
personagens
enigmáticos.
"O que é
impressionante
nos filmes de
Antonioni não é
o fato de serem
bons", escreveu
o estudioso de
cinema Seymour
Chatman. "Mas o
fato de terem
sido feitos".
Talvez o momento
definidor da
carreira de
Antonioni tenha
ocorrido na
noite em que "A
Aventura" foi
exibido no
Festival de
Cinema de Cannes
em 1960. Grande
parte do público
abandonou a
sessão e
ocorreram muitas
vaias e apupos.
O diretor e
Monica Vitti
acharam que suas
carreiras tinham
acabado.
Mas
posteriormente
naquela noite,
Roberto
Rossellini e um
grupo de outros
cineastas e
críticos
influentes
esboçaram uma
declaração que
divulgaram na
manhã seguinte.
"Cientes da
importância
excepcional do
filme de
Michelangelo
Antonioni, 'A
Aventura', e
estarrecidos
pelas
demonstrações de
hostilidade que
provocou, os
críticos e
membros da
profissão abaixo
assinados estão
ansiosos em
expressar sua
admiração pelo
realizador deste
filme",
escreveram.
Nascia uma das
grandes lendas
do cinema
iconoclasta - o
fato de ser
vaiado em Cannes
poder se tornar
um emblema de
honra.
"A Aventura"
ganhou o Prêmio
Especial do Júri
do festival e se
tornou um
sucesso
internacional de
bilheteria,
provocando um
debate furioso.
Alguns acharam o
filme sem
sentido; outros
leram montes de
significados em
suas lânguidas
situações
difíceis.
Antonioni
ganhava
reputação
internacional.
No ano seguinte,
a influente
revista
britânica de
cinema "Sight
and Sound"
realizou uma
pesquisa
envolvendo 70
importantes
críticos de todo
o mundo e eles
não apenas
apoiaram "A
Aventura", mas
também o
consideraram o
segundo maior
filme já feito,
atrás apenas de
"Cidadão Kane".
Após conquistar
sua reputação no
início dos anos
60, Antonioni
surpreendeu a
muitos ao tentar
fazer filmes com
o apoio de
Hollywood. Mais
surpreendente,
talvez, tenha
sido o fato de
ter obtido assim
seu maior
sucesso
comercial com
"Blow-Up -
Depois Daquele
Beijo" em 1966.
"Meus assuntos
são, de forma
geral,
autobiográficos",
ele escreveu
certa vez. "A
história é
inicialmente
construída por
meio de
discussões com
um colaborador.
No caso de 'O
Eclipse', as
discussões
levaram quatro
meses. O roteiro
foi então
escrito, por mim
mesmo, levando
talvez 15 dias.
Meus roteiros
não são roteiros
formais, mas sim
diálogos para os
atores e uma
série de
anotações para o
diretor. Quando
a filmagem tem
início, há
invariavelmente
uma grande
quantidade de
mudanças. Quando
eu chego ao set
de uma cena, eu
insisto em
permanecer
sozinho por pelo
menos 20
minutos. Eu não
tenho idéias
preconcebidas de
como a cena será
feita, mas
aguardo para que
venham as idéias
que me dirão
como começar."
O mundo em um
filme de
Antonioni "é um
mundo de pessoas
alienadas umas
das outras",
escreveu Andrew
Turner em seu
livro "World
Film Directors"
(1968). "Suas
ações não têm
significado ou
coerência, e
mesmo a mais
fundamental das
emoções, o amor,
parece
insustentável."
Os
entrevistadores
descobriram que
Antonioni era um
entrevistado
frio, combativo.
"Mesmo quando
está contando
histórias sobre
si mesmo, o
rosto de
Antonioni mantém
sua expressão
habitualmente
séria", escreveu
Melton S. Davis
em um perfil de
1964 para "The
New York Times
Magazine".
"Preciso nos
modos,
conservador no
vestir e sereno
ao falar, ele
poderia ser
considerado um
banqueiro ou
marchand de arte
recontando um
negócio
fracassado."
Mas Antonioni
também podia ser
graciosamente
encantador. Às
vezes, disseram
entrevistadores,
os olhos verdes
vivos do diretor
se suavizavam e
seus lábios se
curvavam em um
sorriso que
alguns
descreviam como
irônico, outros,
como frio.
Michelangelo
Antonioni nasceu
em 29 de
setembro de 1912
em uma família
abastada de
proprietários de
terras em
Ferrara, no
norte da Itália,
uma cidade que
descreveu como
uma "cidadezinha
maravilhosa na
planície de
Pádua, antiga e
silenciosa". Por
volta dos dez
anos, lembrou
sua família,
Michelangelo
começou a
desenhar
fantoches e a
construir
modelos de
cenários para
eles.
Posteriormente,
na adolescência,
se tornou
interessado em
pintura a óleo,
preferindo
retratos a
paisagens.
Ele freqüentou a
Universidade de
Bolonha e obteve
um diploma de
economia e
comércio em
1935. Mas foi na
universidade que
ele também
começou a
escrever
histórias e
peças e a
dirigir algumas
delas. Ele foi o
fundador da
trupe teatral da
universidade e
um de seus
principais
campeões de
tênis. Ele
também escreveu
críticas severas
a filmes de
gênero, tanto
americanos
quanto italianos
para o jornal
local, e decidiu
experimentar
dirigir um
filme.
Antonioni queria
fazer um
documentário
realista sobre
um asilo de
loucos local. Os
pacientes o
ajudaram a
montar o
equipamento.
Então ele
acendeu os
fortes
holofotes.
Os pacientes se
descontrolaram,
ele escreveu
posteriormente,
"e seus rostos -
que antes
estavam calmos,
se tornaram
convulsivos e
devastados. E
então foi nossa
vez de ficarmos
petrificados. O
cameraman nem
mesmo teve força
para parar sua
câmera, nem eu
fui capaz de dar
qualquer ordem.
Foi o diretor do
asilo que
finalmente
gritou 'Parem!
Apaguem as
luzes!' E na
sala semi-escura
nós podíamos ver
uma enxurrada de
corpos se
retorcendo como
se estivessem
nos últimos
espasmos da
agonia da
morte".
Antonioni
decidiu
abandonar o
cinema.
Em 1940, aos 27
anos, ele se
mudou para Roma
para trabalhar
como secretário
do conde Vittori
Cini. O emprego
não durou muito.
Ele trabalhou
como caixa de
banco e se
juntou à equipe
da revista
"Cinema",
editada por
Vittorio, filho
de Benito
Mussolini.
Durante este
período,
Antonioni deixou
sua aversão a
dirigir e fez um
curso no
Instituto de
Cinema
Experimental.
Ele escreveu
alguns roteiros,
incluindo "Un
Pilota Ritorna",
em 1942, em
colaboração com
outro amigo
diretor, Roberto
Rossellini.
Em 1943,
Antonioni voltou
a Ferrara e
encontrou um
marchand local
disposto a
financiar seu
primeiro filme,
um documentário
chamado "Gente
del Po", sobre
as vidas
miseráveis dos
pescadores
locais. As
forças de
ocupação alemãs
destruíram
grande parte do
filme, apesar de
alguns pedaços
terem
sobrevivido e se
tornado um
curta-metragem
de nove minutos
que antecedeu
"Quando Fala o
Coração" de
Alfred
Hitchcock, no
Festival de
Cinema de
Veneza, em 1947.
FILMES DE ANTONIONI |
Monica Vitti em "A Aventura", que ganhou prêmio em Cannes
|
Jeanne Moreau e Marcello Mastroianni em "A Noite"
|
"Deserto Vermelho" traz Monica Vitti novamente como protagonista
|
Jack Nicholson e Maria Schneider no filme "Profissão: Repórter"
|
Depois da
guerra,
Antonioni
escreveu mais
críticas de
cinema e
continuou
fazendo
documentários de
curta-metragem,
tudo isto
enquanto se
tornava cada vez
mais cético em
relação ao
movimento
neo-realista,
que dominava o
cinema italiano,
e seu foco
incansável nas
condições
sociais
precárias. Ele
ansiava por
olhar além
destas coisas,
olhar dentro dos
corações dos
indivíduos.
"Seus filmes
eram sobre
varredores de
rua, não sobre
varrição de
rua", como
colocou o
crítico de
cinema Robert
Haller. Mas
ninguém lhe
permitia fazer
os filmes que
queria fazer.
"Por dez anos,
os filmes me
forçaram não a
usar idéias, mas
palavras vazias,
esperteza, senso
comercial,
paciência,
estratagemas",
escreveu
Antonioni em uma
introdução a uma
coleção de seus
roteiros, de
1963. "Eu sou
tão escassamente
dotado de tais
dons que me
recordo de tal
período como
sendo o mais
doloroso de
minha vida."
Aos 38 anos,
Antonioni
encontrou apoio
para seu projeto
mais ambicioso,
de ficção,
"Crimes da Alma"
("Cronaca di un
Amore"). Sobre
um homem e uma
mulher tramando
matar o marido
desta, ele
provou ser o
primeiro exemplo
da abordagem de
Antonioni. No
filme, o marido
morre, mas não
se sabe se foi
assassinado,
cometeu suicídio
ou morreu por
acidente. Toda
esta trama então
desaparece e o
filme passa a se
concentrar nas
emoções dos
amantes.
Assim como em
filmes
posteriores de
Antonioni, os
cenários eram
desoladores, as
cenas compostas
de forma
exagerada, as
tomadas durando
um pouco mais
que o
necessário. O
filme conquistou
o Grande Prêmio
Internacional do
Festival de
Punta del Este
em 1951.
Em 1954, seu
casamento de 12
anos com Letizia
Balboni acabou.
Ela contou
posteriormente
aos
entrevistadores
que o diretor
tinha se tornado
cada vez mais
distante. "Nós
vivíamos em
silêncio", ela
disse. "Nós
chegamos ao
ponto em que nos
comunicávamos
por meio dos
personagens que
ele criava e
sobre os quais
queria meu
conselho. Ele só
tem um meio de
se expressar:
seu trabalho. O
que ele faz é
com que seus
atores vivam as
crises
emocionais em
seus filmes,
vivendo as
crises de sua
própria vida".
Antonioni
mergulhou em
profunda
depressão. Sua
insônia piorou.
Ele
freqüentemente
passava as
primeiras horas
da madrugada
escrevendo
roteiros.
Em 1955, no auge
de sua crise,
Antonioni
realizou seu
primeiro triunfo
artístico
importante. "As
Amigas" ("Le
Amiche") era
sobre vidas
mundanas, sem
amor, de um
grupo de
mulheres de
classe média em
Turim. Ele
conquistou um
Leão de Prata no
Festival de
Cinema de
Veneza.
Antonioni
começou a
experimentar
mais com
improviso no set
de filmagem. "É
apenas quando
pressiono meu
olho contra a
câmera e começo
a mover os
atores que tenho
uma idéia exata
da cena", ele
escreveu. Ele
usou esta
técnica
extensamente em
"O Grito" ("Il
Grido"), em
1957,
provavelmente o
mais sinistro de
seus filmes.
Foi enquanto
filmava "O
Grito" que
Antonioni
conheceu uma
jovem atriz de
teatro chamada
Monica Vitti,
que se tornaria
sua maior e mais
duradoura
estrela, e sua
companhia quase
constante
durante grande
parte dos anos
60.
Por dois anos,
Antonioni não
conseguiu
encontrar um
produtor que o
financiasse.
Finalmente, em
1959, ele
encontrou alguém
e concluiu um
roteiro que
estava na sua
cabeça há muito
tempo. Mas "A
Aventura" quase
morreu antes de
nascer.
Cronicamente
carente de
recursos, seu
produtor acabou
abandonando o
projeto enquanto
Antonioni e os
atores estavam
trabalhando em
uma ilha próxima
da Sicília.
"Chegou ao ponto
de não haver
comida", lembrou
Antonioni. "Uma
equipe nos
deixou. Nós
conseguimos
outra equipe e
ela também
partiu. Eu tinha
20 mil metros de
filme e os
atores
permaneceram, de
forma que
coloquei a
câmera no meu
ombro e
continuei
filmando". No
final, um novo
produtor
apareceu.
"A Aventura"
provou ser o
ponto de virada
de sua carreira
e amplamente
considerada a
obra-prima de
Antonioni.
Como acontece na
maioria dos
filmes de
Antonioni, ele
se concentra nas
vidas
confortáveis,
debilitadas, de
italianos
abastados, neste
caso um grupo de
amigos em uma
viagem de iate.
Sem aviso,
durante uma
visita a um
atol, um deles,
uma mulher
emocionalmente
perturbada
chamada Anna,
simplesmente
desaparece. Ela
teria se afogado
porque seu amor,
Sandro (Gabriele
Ferzetti),
parecia sem
pressa para se
casar com ela?
Teria se atirado
de um penhasco
em um acesso de
tédio? Teria
sido engolida
pelo tubarão que
disse ter visto?
Ou teria fugido
em outro barco?
A pequena ilha é
revistada.
Chove. A polícia
chega. Então,
gradualmente,
Sandro
desenvolve uma
atração pela
melhor amiga de
Anna, Claudia
(Vitti). Ela
resiste, então
cede a ele. No
final, eles
esquecem
totalmente Anna.
A busca é
abandonada.
Sandro trai
Claudia sem
motivo aparente.
Nós nunca
descobrimos o
que aconteceu
com Anna.
Em "A Aventura",
a técnica
singular de
Antonioni pode
ser vista em sua
plenitude. "O
senso dominante
de alienação
transmitido por
'A Aventura' é
tanto produto do
estilo do filme
quanto de seus
eventos ou
diálogos",
escreveu Turner.
O diretor
encontrou
rapidamente
financiamento
para seus
próximos dois
filmes, que
exploravam ainda
mais os temas de
alienação
introduzidos em
"A Aventura" e
que ele disse
posteriormente
que deveriam ser
vistos como uma
trilogia.
Em "A Noite",
Marcello
Mastroianni
interpreta um
autor com
bloqueio de
escritor
sofrendo em um
casamento sem
amor com Jeanne
Moreau. Ele
conhece uma
jovem em uma
festa,
interpretada por
Vitti, que ele
acredita
personificar a
criatividade que
o abandonou. O
filme conquistou
o Urso de Ouro
do Festival de
Cinema de
Berlim, em 1961.
"O Eclipse"
tratava mais
diretamente dos
efeitos
alienantes da
riqueza
material,
acompanhando o
caso amoroso de
uma jovem mulher
de gostos
simples - Vitti
de novo - e um
corretor da
Bolsa ávido por
dinheiro (Alain
Delon).
O final do filme
é bastante
discutido.
Abandonando os
personagens
principais, o
filme acaba com
uma montagem de
vários minutos
de duração
composta de 58
tomadas, a
maioria delas em
uma esquina ou
perto dela onde
os amantes
costumavam se
encontrar. Água
verte de um
barril. Os
freios de um
ônibus chiam.
Uma fonte é
desligada. Um
avião sobrevoa
acima.
Finalmente, com
a esquina escura
e vazia, a
câmera dá um
zoom até a luz
branca,
aniquiladora, de
uma iluminação
de rua. Fim.
Antonioni disse
que pretendia
que o final
mostrasse "o
eclipse de todos
os sentimentos"
e o via como uma
coda tanto para
o filme quanto
para toda a
trilogia. Mas
ele também
queria que
pessoas
diferentes
interpretassem
sua obra de
formas
diferentes.
"Pode haver
significados,
mas eles são
diferentes para
cada um de nós",
ele disse a um
entrevistador.
Em 1964,
Antonioni fez
seu primeiro
filme colorido,
"O Deserto
Vermelho" ("Il
Deserto Rosso"),
com Richard
Harris. Ele
também era
estrelado por
Vitti, como uma
mulher que se
tornava cada vez
mais perturbada.
Para espelhar
seu estado
mental, o
diretor usou a
cor de formas
bastante
incomuns,
fazendo com que
as casas e mesmo
as árvores
fossem pintadas
de cores vivas e
então mudando
estas cores de
uma cena para
outra.
Em meados dos
anos 60,
Antonioni era um
dos diretores de
cinema mais
famosos e
controversos do
mundo; seus
filmes eram
exibidos
regularmente no
circuito mundial
de festivais e o
autor era tema
de inúmeros
ensaios e
artigos de
revista.
Inevitavelmente,
um estúdio de
Hollywood, neste
caso a MGM, o
chamou. Nem tão
inevitavelmente,
Antonioni
aceitou,
assinando um
contrato de três
filmes.
"Blow-Up" foi
seu primeiro
esforço para o
estúdio. Filmado
em inglês, com
os astros
britânicos David
Hemmings e
Vanessa Redgrave
no auge da cena
fashion da
Swinging London,
"Blow-Up" se
tornou o maior
sucesso do
diretor. Também
era,
estilisticamente,
diferente de
seus filmes
anteriores, com
uma trama mais
convencional e
andamento mais
rápido, apesar
de ainda
fundamentalmente
ambíguo.
Após seu sucesso
comercial e de
crítica,
Antonioni viajou
para os Estados
Unidos para
fazer seu
primeiro filme
de grande
orçamento e
escolheu o
movimento de
protesto
estudantil como
assunto.
"Zabriskie
Point" (1970)
foi o resultado
e foi um
desastre.
Apesar de alguns
críticos
estrangeiros
terem elogiado o
filme, ele foi
quase que
universalmente
atacado nos
Estados Unidos.
"Para muitos
críticos,
parecia que o
diretor, que
começou a década
no controle
absoluto de seu
meio, a
estivesse
terminando em
algo parecido
com confusão
total", escreveu
Turner.
"Zabriskie
Point" foi um
fiasco de
bilheteria para
a MGM, um dos
maiores
fracassos
financeiros da
época. Antonioni
ficou devastado
e, de muitas
formas, sua
carreira nunca
se recuperou.
Certamente, seu
período criativo
mais fértil
tinha acabado.
Ele fez seis
filmes nos anos
60, muitos deles
considerados
obras-primas,
mas faria apenas
mais três filmes
no quarto de
século que se
seguiu.
Mas Antonioni
reconquistou
parte de seu
respeito
anterior junto
aos críticos em
1975, com
"Profissão:
Repórter" ("The
Passenger),
estrelado por
Jack Nicholson
como um repórter
no Norte da
África que
assume a
identidade de um
traficante de
armas. O filme
termina com a
famosa tomada
contínua de 10
minutos na qual
Nicholson é
visto em seu
quarto de hotel,
esperando para
ser morto. A
câmera se afasta
do quarto e
vagueia pelo
pátio. Pessoas e
objetos entram e
saem da cena
contínua até a
câmera completar
o círculo,
entrando
novamente no
quarto de hotel
para encontrar
Nicholson morto.
"'Profissão:
Repórter' não
deixa dúvida da
maestria de
Antonioni",
escreveu o
crítico de
cinema David
Thomson, que o
chamou de "um
dos grandes
filmes dos anos
70".
Após "Profissão:
Repórter",
Antonioni
anunciou que
queria dedicar
algum tempo para
estudar novas
tecnologias e
passou cinco
anos fazendo
isto, até que
Vitti pediu para
que voltasse à
direção com um
filme para a
televisão
italiana em
1980, chamado "O
Mistério de
Oberwald" ("Il
Mistero di
Oberwald").
Rodado em vídeo
e transferido
para filme, ele
era
substancialmente
mais leve que
seus trabalhos
anteriores.
Isto, ele disse,
lhe permitiu
"escapar da
dificuldade do
compromisso
moral e
estético, do
desejo obsessivo
de se
expressar". Ele
recebeu uma fita
de prata por
efeitos visuais
no Festival de
Veneza em 1980,
mas teve pouco
impacto
internacional.
Antonioni fez
seu último filme
comercial em
1982,
"Identificação
de uma Mulher"
("Identificazione
di una donna"),
sobre um homem
que tem um caso
com duas
mulheres após a
morte de sua
esposa. Ele
conquistou o
Grande Prêmio do
Festival de
Cannes naquele
ano.
Em 1985,
enquanto
trabalhava na
adaptação
cinematográfica
de um conto que
escreveu em
1976, Antonioni
sofreu um
derrame e o
projeto foi
colocado de
lado. Ele se
casou no ano
seguinte pela
segunda vez, com
Enrica Fico, e
viveram
tranqüilamente
em um
apartamento em
Roma. Ela estava
ao lado dele
quando morreu,
informou a
agência de
notícias
italiana "Ansa".
Ele não teve
filhos.
Após o derrame,
Antonioni
trabalhou em um
documentário da
televisão
italiana sobre a
Copa do Mundo de
1990, mas não
trabalhou
novamente no
cinema até 1995,
quando
produtores
italianos
conseguiram lhe
tirar da
aposentadoria
para fazer "Além
das Nuvens" ("Al
di là delle
Nuvole"),
baseado em um
livro de seus
contos. Mas
devido à
enfermidade de
Antonioni, o
diretor alemão
Wim Wenders o
ajudou e foi
listado como seu
co-diretor.
Desde o derrame,
Antonioni tinha
dificuldade de
falar mais que
poucas palavras
de uma vez, de
forma que grande
parte do
trabalho foi
feito por sua
esposa, Enrica,
que interpretava
energicamente as
exigências do
diretor. O filme
foi estralado
por Jeanne
Moreau e Jeremy
Irons. O
ressurgimento de
Antonioni levou
a Academia de
Artes e Ciências
Cinematográficas
a lhe conceder
um Oscar
honorário pelo
conjunto da obra
em 1995.
Antonioni voltou
a dirigir em
seus 90 anos.
Ele colaborou
com Steven
Soderbergh e
Wong Kar-wai, o
diretor de Hong
Kong, em uma
trilogia sobre
amor e
sexualidade
chamada "Eros",
que foi lançada
em 2004. Ele
também dirigiu
um curta chamado
"Lo Sguardo di
Michelangelo".
Para seus
defensores, como
David Thomson,
"o fato do maior
cineasta vivo do
mundo ser
incapaz de
trabalhar é um
tema adequado
para uma de suas
meditações".
Para Thomson,
"os enigmas da
obra de
Antonioni estão
sujeitos ao
tempo da mesma
forma que
monumentos estão
à erosão, e os
feitos de alguns
filmes podem
compensar ou
explicar os
aparentes, ou
iniciais,
limites de
outros. Por
exemplo,
'Profissão:
Repórter' nos
ajudou a ver o
anseio pela fuga
e espaço em 'A
Aventura' e
ilumina a
persistência da
vida no final de
'O Eclipse'. Eu
suspeito que os
melhores filmes
de Antonioni
continuarão
crescendo e
mudando, como as
dunas ao longo
dos séculos no
deserto. Neste
processo, se
restarem olhos
para ver, ele se
tornará um
padrão para
beleza".
Mas para outros
Antonioni
permanece não
apenas
enigmático, mas
também
inacessível no
final.
Um entrevistador
lhe pediu para
olhar para trás
para sua vida.
"Em um mundo sem
cinema, o que
você teria
feito?" lhe foi
perguntado.
Antonioni
respondeu:
"Cinema".
*
Christine Hauser
e Graham Bowley
contribuíram com
reportagem para
este artigo
Tradução:
George El Khouri
Andolfato
(©
UOL Mídia Global)
Autores
da
Sétima
Arte
JOSÉ
AUGUSTO LOPES
Repórter
Com o
falecimento esta
semana dos
cineastas Ingmar
Bergman e
Michelangelo
Antonioni,
reduz-se o
número de
expoentes do
chamado cinema
de autor
Para Jean
Luc-Godard,
diretor de
´Acossado´ e um
dos papas da
Nouvelle Vague
francesa, a
expressão
´cinema de
autor´ é
inapropriada. No
caso de
aceitá-la,
surgiria também
a necessidade da
criação de
rótulos como
´livro de autor´
e ´teatro de
autor´. Na
concepção de
Godard, a
definição seria,
além de
pretensiosa, um
tanto indefinida
em sua essência.
A maioria dos
cinéfilos e
críticos
discorda da
opinião do
polêmico
cineasta
francês.
Questiona-se
qual outra
expressão
definiria melhor
o estilo
inconfundível,
original - e
facilmente
reconhecível -
de diretores
como Ingmar
Bergman,
Michelangelo
Antonioni,
Federico
Fellini, Luchino
Visconti ou
Alfred
Hitchcock.
O sueco Bergman
e o italiano
Antonioni,
falecidos na
semana passada,
não se admiravam
mutuamente. O
primeiro
declarava
abertamente não
gostar dos
filmes de
Michelangelo por
considerá-los
´lentos e
cansativos´.
Opiniões à
parte, nada
desmerece o
imenso valor e a
indiscutível
criatividade dos
dois diretores,
ambos
diretamente
responsáveis
pela
consolidação
conceitual do
cinema como a
Sétima Arte.
Nascido na
Suécia, em 1918,
Ingmar Bergman
dirigiu mais de
50 filmes e 125
produções
teatrais,
legando ao
cinema clássicos
do porte de
´Morangos
Silvestres´,
´Cenas de um
Casamento´, ´A
Fonte da
Donzela´,
´Gritos e
Sussurros´ e
´Fanny e
Alexandre´. Seu
reconhecimento
internacional
ocorreu em 1956
com ´O Sétimo
Selo´,
ambientado na
Idade Média ao
tempo da peste
negra. O filme
mostra um
cruzado à
procura de Deus
e do sentido da
vida, a jogar
xadrez com o
estranho
personagem da
Morte. Por essa
realização,
Bergman ganhou o
Prêmio do Júri
no Festival de
Cannes.
Semelhanças e
diferenças
Embora em grande
parte de suas
criações a obra
de Bergman
priorizasse o
diálogo para
expor os grandes
impasses e
conflitos do
relacionamento
humano, não
apenas entre um
homem e uma
mulher, como fez
de maneira
brilhante em
´Cenas de um
Casamento´, mas
também entre
outros tipos de
aproximação, a
exemplo de uma
mãe (Ingrid
Bergman) e sua
filha (Liv
Ullmann), no
magnífico
´Sonata de
Outono´, um de
seus principais
filmes era
significativamente
denominado ´O
Silêncio´.
Bergman é
considerado, por
boa parte da
crítica
internacional,
como o mais
perfeito de
todos os
cineastas. Dele
disse o também
diretor Woody
Allen: ´É
provavelmente o
maior artista do
cinema, desde a
invenção da
câmera
cinematográfica´.
Apesar de
perfeccionista e
amante do rigor
nos detalhes,
Ingmar jamais
conseguiu ser
supérfluo e
nunca fez uso de
desnecessários
maneirismos
barrocos. As
imagens e sons
se combinam à
perfeição em
suas
obras-primas, e
sempre abordam,
principalmente,
a tragédia da
dificuldade de
comunicação e
integração entre
as pessoas.
Já Michelangelo
Antonioni
(1912-2007)
caracterizou-se
como o grande
encenador da
solidão em si
mesma, com seus
planos longos,
narrativa sem
pressa,
caminhadas
solitárias e
personagens na
interminável
busca do
´outro´. Entre
seus mais
famosos filmes,
estão ´O Grito´,
´A Aventura´ e
´A Noite´
(considerados a
trilogia da
alienação),
´Blow-Up´,
´Zabriskie
Point´, ´O
Deserto
Vermelho´,
´Profissão:
Repórter´.
Apesar de se
proclamar um
intelectual
marxista,
persistem sérias
dúvidas a
respeito de suas
reais convicções
políticas. Ao
contrário dos
neo-realistas
italianos
Roberto
Rossellini e
Vittorio De Sica
(em sua primeira
fase), e ainda
mais distante do
assumidamente
esquerdista Pier
Paolo Pasolini,
que abordavam em
sua obra
personagens
marginalizados
pela sociedade,
Antonioni dava
preferência aos
tipos da elite e
da burguesia
urbana.
Luchino
Visconti, outro
iniciado no
neo-realismo,
progressivamente
acrescentou aos
temas sociais do
início de sua
carreira (´A
Terra Treme´) o
requinte das
próprias origens
nobres, expondo
de maneira
sofisticada (´O
Leopardo´,
´Sedução da
Carne´), mas
sempre
enfaticamente
crítica, os
problemas
fundamentais do
homem em face da
sociedade,
geralmente
injusta e eivada
de
discriminações,
na qual ele está
inserido.
Mesmo vitimado
por um derrame
cerebral, há
mais de 20 anos,
Michelangelo
Antonioni
continuou
produzindo. Seu
último filme foi
´Eros´ (2004),
em parceria com
Steven
Soderbergh e Kar
Wai Wong. A
despedida de
Ingmar Bergman
deu-se com
´Sarabanda´
(2003), um drama
familiar muito
elogiado pela
crítica.
Estilos
autorais
A expressão
´cinema de
autor´
consolidou-se
durante o auge
da Nouvelle
Vague francesa
(alguns afirmam
haver sido usada
pela primeira
vez pelo crítico
André Bazin).
Famosos
diretores como
François
Truffaut (´Os
Incompreendidos´),
Alain Resnais
(´Hiroshima, Meu
Amor´), Jean-Luc
Godard (´A
Chinesa´), Louis
Malle (´Ascensor
para o
Cadafalso´) e
Claude Chabrol
(´Os Primos´),
entre outros,
imprimiram em
suas criações a
marca
característica
da liberdade de
filmar, isenta
dos
convencionalismos
e padrões
estereotipados
vigentes na
época.
Certos
estudiosos da
Sétima Arte
afirmam,
entretanto,
sempre ter
existido o
cinema autoral.
D. W. Griffith
(1875-1948) é
reputado como a
figura
provavelmente
mais importante
do cinema
estadunidense e
o realizador que
mais influenciou
o cinema em todo
o mundo. Seus
principais
filmes foram ´O
Nascimento de
Uma Nação´
(acusado de ter
conteúdo
racista),
´Intolerância´ e
´Lírio Partido´,
rodados na
segunda década
do século
passado, ainda
na fase do
cinema mudo.
Griffith mostrou
a importância do
Primeiro Plano e
da montagem
paralela de
ações
diferentes,
dando fim à
imobilidade da
câmera e criando
a necessidade de
um enquadramento
rigoroso. Em
síntese, criou a
linguagem e a
gramática do
cinema.
Em ´Cidadão
Kane´, Orson
Welles quebrou,
enfaticamente, o
desenrolar
cronológico da
narrativa.
Inovou, também,
no
plano-seqüência
e na
profundidade do
campo visual,
criando um
inédito senso de
perspectiva na
tela.
São também
inconfundíveis
os estilos de
Fellini, com seu
exuberante
universo
onírico; a
poética da
crueldade sempre
presente em Pier
Paolo Pasolini.
E ainda a carga
expressivamente
original do
tratamento
cinematográfico
desenvolvido por
Murnau
(´Aurora´),
Alfred Hitchcock
(merecidamente
chamado de
´mestre do
suspense´),
Dreyer (´A
Paixão de Joana
D´Arc´), Akira
Kurosawa
(´Rashomon´, ´Os
Sete Samurais´)
e o sempre
citado russo
Sergei
Eisenstein (´O
Encouraçado
Potemkim´,
´Ivan, o
Terrível´), com
seus
expressionistas
arroubos visuais
de intensa
plasticidade,
embasados em
forte convicção
política e até
hoje imitados
por vários
cineastas, mais
de 50 anos após
sua morte.
Também é
imprescindível
citar Stanley
Kubrick (´2001 -
Uma Odisséia no
Espaço´, ´O
Iluminado´,
´Doutor
Fantástico´),
autor de genial
coerência, a
despeito da sua
sistemática
abordagem de
temas bastante
diversificados.
Outro cineasta
pleno de
personalidade
própria é o
americano John
Ford (´No Tempo
das
Diligências´,
´Rastros de
Ódio´), mestre
do gênero
faroeste
(´western´).
Personalíssimo
pela viva
integridade de
suas
panorâmicas,
geralmente
focadas na
paisagem agreste
do antigo Oeste
dos EUA, Ford
sempre foi
fascinado pelos
sentimentos da
coragem e do
medo. Ele também
imprime suas
características
autorais numa
rara economia de
expressão e
pelos planos
fixos, sempre
filmados da
distância exata.
Comentários
adicionais não
são necessários
para Charles
Chaplin (´Luzes
da Cidade´, ´Um
Rei em Nova
York´), pois ele
foi, na
abrangência mais
ampla do
conceito, o
´autor´ absoluto
de todos os seus
filmes, nos
quais era o
roteirista,
intérprete,
produtor,
diretor e
criador da
trilha musical.
Autores
de hoje
Haja ou não o
´cinema de
autor´, quais os
diretores, ainda
atuantes, cujas
realizações
revelariam de
pronto a
´griffe´ de seu
criador? O
talento na ampla
utilização de
todos os
recursos
enriquecedores
de uma narrativa
cinematográfica
é a
característica
marcante de
Martin Scorsese,
perfeccionista
na mais ampla
acepção do
termo. O
universo
multicolorido e
´kitsch´ de
Pedro Almodóvar
também o destaca
como um autor
singular. Há
ainda Francis
Ford Coppola,
diretor de ´O
Poderoso
Chefão´,
unanimemente
considerado um
dos melhores
filmes de todos
os tempos.
Roman Polanski
revelou-se
excelente e
original em ´A
Faca na Água´,
´O Bebê de
Rosemary´ e ´A
Dança dos
Vampiros´, mas
parece haver
perdido a
inspiração e,
mesmo com uma
aparente
retomada de
estilo no
recente ´O
Pianista´,
esteve
irreconhecível
em ´Oliver
Twist´. Merecem
também ser
citados Emir
Kusturica, Spike
Lee, Bertolucci,
Wim Wenders,
Herzog... Mas,
na verdade, nada
há de
absolutamente
empolgante, à
altura, por
exemplo, de um
Fritz Lang, de
um Otto
Preminger ou de
um Robert
Altman. Até
mesmo os meninos
e meninas de
ouro do Clint
Eastwood já
apresentam um
certo sabor
´déjà vu´.
Woody Allen
acerta aqui e
ali, porém hoje
se repete muito
e está longe do
cineasta que um
dia realizou
´Annie Hall´ e
´Manhattan´.
Talvez apenas
Coppola
encontre-se à
altura daqueles
que construíram
um conjunto de
obras além da
dimensão
restrita de uma
competência
circunstancial.
Todo cinéfilo
convicto, apesar
de tentar
enganar-se, sabe
bem no íntimo
que o cinema
segue o caminho
ao qual nem
mesmo a Grande
Arte logrou
escapar. Da
mesma forma que
os melômanos
sentem que não
haverá um outro
Verdi, e os
artistas
plásticos já
desistiram de
esperar por um
herdeiro do
imensurável
talento de
Picasso, os
leitores
brasileiros
ainda esperam o
milagre de um
novo Guimarães
Rosa e os fãs da
música erudita
aguardam o
reflorescer da
Sagração da
Primavera.
O resto é
suspirar de
inelutáveis
saudades por
Ingmar Bergman e
Michelangelo
Antonioni. E
reverenciar, com
os devidos
louvores, o
indiscreto
charme de Luís
Buñuel, a
ousadia
alucinada de
Glauber Rocha, o
senso de humor
cortante de
Billy Wilder. Se
possível,
revendo o
inigualável
´Amarcord´,
expressão que
significa, no
genuíno dialeto
de Fellini, as
três palavrinhas
mágicas do
universo
proustiano. ´Eu
me lembro...´.
(©
Diário do Nordeste)
Fotogramas da
incomunicabilidade
A obra de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni foi marcada pelo silêncio, a solidão, a incomunicabilidade e a efemeridade da vida
A morte, ao retirar de nosso convívio artistas como Ingmar Bergman e Michelangelo Antinioni, criadores da arte e da inspiradores da capacidade de criação do homem, faz bater uma reflexão sobre o sentido e a efemeridade da existência. Impossível não sentir a melancolia, a lágrima, o pesar. Não o lamento, pois há algo de nobre na morte. Acalentam alguns que a Ciência, em futuro indefinido, deverá dar um xeque-mata na morte, como tenta desesperadamente o bergmaniano Antonius Block (Max Von Sydow) em ´O Sétimo Selo´. O tempo, até lá, dirá se verdadeiro ou falso.
Bergman e Antonioni, nascidos na segunda década do século passado, nos deixam na alvorada do novo milênio. Antonioni, aos 94, Bergman, aos 89. Em comum em suas filmografias, a antecipação aos dramas humanos a partir das mudanças regidas pelos anos 60.
Ernest Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni tratavam de temas distintos e comuns como criadores da arte. O mesmo caminho: praticaram o cinema de autor. O sueco, formado em artes pela Universidade de Estocolmo, adotou a dramaturgia, o teatro e o cinema, onde iniciou a carreira imediatamente ao pós-guerra, ainda em 1945. O italiano trocou a economia, pela qual se formara na Universidade de Bolonha, pela crítica de cinema, e nele ingressou ainda durante a 2ª. Guerra Mundial, em 43, com documentários, embora o primeiro longa ´Crimes D´Alma´, só viesse oito anos depois.
Enquanto Bergman, filho de pai protestante com o qual manteve uma relação de amor e ódio, tratava com certa obsessão de temas como a morte e a possibilidade da existência de Deus, questionando o criador que colocara e abandonara o filho à própria sorte num planeta em meio milhões de semelhantes completamente diferentes entre si, Antonioni, filho de modesta família de classe média, explorava, como nenhum outro, a incomunicabilidade e o vácuo entre as pessoas. Bergman via a diversidade humana como a angústia da existência, Antonioni a via como um fosso infinito entre os semelhantes. Em comum aos dois, a solidão e o silêncio.
Condição humana
Bergman e Antonioni adentraram ao estudo da condição humana por meio diversos. Bergman explora e busca entendê-la através das questões metafísicas e existenciais. Bergman situa na mulher esse ponto de partida. Antonioni, por sua vez, desce às relações entre as pessoas, captura o vazio da vida em sociedade, revela a incapacidade do casamento em unir as pessoas, emerge a solidão como a companheira humana e questiona o sentido de realidade - expressada pela fotografia em ´Blow Uo - Depois Daquele Beijo´.
Curiosamente, a busca de ambos segue um único rumo: entender a existência humana. Bergman e Antonioni exploram, buscam, questionam, reviram os três elementos: o homem, a sociedade e o sentido da existência. Esbarram na realidade e situam na limitada condição humana as suas inquietações: somos humanos, frágeis e imperfeitos. É por esta imperfeição que Bergman se inquieta com Deus. Como pode um Deus perfeito criar um filho tão imperfeito, complicado, diversificado, capaz de amar e odiar, de amar e de trair, de amar e manipular, de amar e de matar? Antonioni não se importa com Deus, mas com as pessoas e suas condições, as paixões, a solidão, a fragilidade das relações, a infidelidade, a política e a relevância da cor na realidade.
A política e a partida
A política não se ausenta nas obras dos cineastas. Curiosamente, a grande criação política de Bergman, ´O Ovo da Serpente´ (79), uma angustiante reconstituição do ascensão do nazismo, é menosprezada por grande parte da crítica, talvez pela presença de David Carradine. Uma injustiça.
Antonioni tem em ´Zabrieskie Point´ (69), ´O Passageiro: Profissão Repórter´ (75) e ´O Mistério de Oberwald´ (80) seus exemplares políticos. O primeiro retrata o movimento da contracultura nos EUA através de um casal, uma secretaria idealista e um militante radical; no segundo, Jack Nicholson, um jornalista, assume a personalidade de outra pessoa; e no terceiro, Mônica Vitti (na época casada com o diretor) refugia-se num castelo após a morte do marido e inimigos políticos planejam o seu assassinato. Para Antonioni, ´O Passageiro´ é sua obra mais bem acabada, tanto ´estilística´ quanto ´política´.
Antonioni e Bergman tiveram serenas saídas deste mundo. Bergman, segundo a filha Eva, uma morte ´calma e suave´ na ilha sueca de Faro, onde vivia sozinho desde 1995 quando perdeu a quinta esposa, a condessa Ingrid Karlebo von Rosen. O mestre italiano tranquilamente, em casa, na companhia da mulher, Enrica Fico. Deixam como herança, obras de arte, as quais, no entanto, poderemos ter em casa e apreciá-las a qualquer momento. Não poderiam deixar legado melhor à posteridade.
PEDRO MARTINS FREIRE
Crítico de Cinema
INGMAR BERGMAN
Quem quiser conhecer uma obra básica de Bergman, a recomendação é começar por ´Morangos Silvestres´ (57) e ´Sorrisos de uma Noite de Amor´ (55), passando para obras mais densas como ´A Fonte da Donzela´ (59), ´O Silêncio´ (62), ´Quando Duas Mulheres Pecam´ (66), ´A Hora do Amor´ (71), ´Gritos e Sussurros´ (73) e os obrigatórios ´Cenas de um Casamento´ (76) e ´Fanny & Alexander´ (82).
ANTONIONI
Recorra-se à sua obra básica, a trilogia ´A Aventura´ (59), ´A Noite´ (60) e ´O Eclipse´ (61) e os obrigatórios ´Deserto Vermelho´ (64), ´Blow Up´, ´Zabriskie Point´ (79), ´Passageiro: Profissão Repórter´ (75), ´O Mistério de Oberwald´ (80) e ´Identificação de uma Mulher´ (82), além, evidentemente, de ´Além das Nuvens´ (95), feito com o auxílio de Wim Wenders, após o derrame que, ironicamente, tirou do poeta da incomunicabilidade a capacidade de falar.
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Diário do Nordeste)
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