No próximo dia 10 de agosto o Festival Internacional de Cinema Locarno,
na Suíça, vai exibir "Das Ruínas a Rexistência", curta-metragem inédito,
com cerca de 13 minutos de duração, feito pelo cineasta e escritor
Carlos Adriano, em colaboração com Décio Pignatari.
"Conheço o Adriano há muito tempo e gosto de suas experimentações. Eu
digo que esse filme que ele fez é cubista-caleidoscópico", conta
Pignatari, que cedeu fotos suas a Adriano, além de pedaços de filmes em
16mm, que o próprio poeta rodou nos anos 50, em Osasco, e ainda
registros feitos na casa do artista plástico Alfredo Volpi (1896-1988).
Arisco quando se trata de homenagens públicas, Pignatari vem aventando a
idéia de aceitar de Carlos Adriano um tributo aos seus 80 anos, na forma
de um filme. O roteiro, que ele mesmo gostaria de escrever, seria
inspirado em "Édipo-Colono", uma das tragédias da Trilogia Tebana,
escrita em no século 5 a.C. por Sófocles, e composta ainda pelas peças
"Édipo-Rei" e "Antígona".
Pignatari diz que quer fazer uma alegoria dos seus 80 anos através do
Édipo. "Como ele, não quero ser enterrado em dados lugares. Sou a favor
de uma Brasil internacional, pertenço à mesma linhagem de Oswald de
Andrade, e não quero que meu cadáver seja apropriado de modo medíocre
por patrioteiros."
(©
Folha de S. Paulo)
Prestes a
completar 80
anos , Décio
Pignatari não
quer celebrar
data nem
cinqüentenário
da poesia
concreta ; ele
diz que não
guarda rancor do
inimigo íntimo
Ferreira Gullar,
critica a
arquitetura e vê
vanguardismo na
moda
EDUARDO
SIMÕES
NOEMI JAFFE
ENVIADOS
ESPECIAIS A
CURITIBA
No dia 20
deste mês, o
poeta,
dramaturgo,
crítico,
tradutor e
professor Décio
Pignatari chega
aos 80 anos,
firme no
propósito de
fugir de
homenagens à
efeméride
pessoal. E
também às
profissionais.
Convidado para
participar de
uma exposição
sobre os 50 anos
da poesia
concreta, que
será aberta dia
15, no Instituto
Tomie Ohtake,
Pignatari já
avisou que não
vai. Mas está
colaborando com
o evento para o
qual realizou
uma série de
gravações de
seus poemas.
O concretista
pretendia passar
o aniversário na
Cidade do
México, ao lado
do segundo neto,
Rafael, que faz
um ano no dia
19. Como não
conseguiu tirar
o visto a tempo,
ficará em
Curitiba, onde
vive desde 1999.
"Vou passar
aqui tomando um
champanhe
português, na
tranqüila
solidão, olhando
o "big brother"
Niemeyer", diz,
referindo-se ao
"olho" do Museu
Oscar Niemeyer,
próximo de onde
mora.
No Paraná
desde que se
aposentou da
Faculdade de
Arquitetura e
Urbanismo da
USP, Pignatari
dá aulas no
mestrado em
Comunicação e
Linguagem da
Universidade
Tuiuti.
Avesso a
rememorações e
entrevistas, o
poeta abriu uma
generosa exceção
e conversou por
mais de três
horas com a
Folha.
Relembrou o
rompimento
político e
estético com os
neoconcretos,
movimento
encabeçado pelo
poeta Ferreia
Gullar. Falou
sobre a segunda
parte de sua
trilogia feita
para o teatro,
iniciada com
"Céu de Lona"
(2004),
concluída há
pouco mais de um
mês na Itália.
Explicou ainda
como será o
livro que
reunirá sua
correspondência
com os irmãos
Augusto e
Haroldo de
Campos
(1929-2003), com
quem fundou a
poesia concreta
no Brasil.
E mais: o poeta
dos textos
verbais, visuais
e sonoros diz
que, no Brasil,
a única
vanguarda que
houve nos
últimos tempos
foi a silente
moda: "Ela me
espantou. É
realmente uma
linguagem de
vanguarda". Por
fim, Pignatari
sintetizou seus
80 anos numa de
suas caras
palavras-valise:
"oitentação".
Leia a seguir
a entrevista.
FOLHA - O
senhor e os
irmãos Augusto e
Haroldo de
Campos serão
homenageados a
partir do dia 15
de agosto com
uma exposição no
Instituto Tomie
Ohtake sobre a
poesia concreta.
Pretende vir a
São Paulo?
DÉCIO PIGNATARI
- Eu não
vou. Já avisei
ao [curador]
Walter Silveira.
Eu não sou
contra. Falo
apenas: "Vocês
usem o material,
façam, podem
fotografar. Não
gosto muito de
homenagens e não
participo.
Recentemente,
por acaso,
fizeram uma
homenagem a mim
da qual eu
gostei, aqui na
Universidade
Tuiuti do
Paraná, onde eu
estou já há oito
anos. Eu revi
toda a minha
gente, alunos ou
colegas, de São
Paulo e Rio.
Fizeram uma
homenagem visual
que me agradou.
Primeiro, porque
os dois
[organizadores]
tinham sido
alunos meus. Os
melhores alunos
que tive, não só
aqui, mas em
toda
pós-graduação
nos últimos 30 e
tantos anos. Mas
não quero saber
de comemoração.
FOLHA -
A idéia de
reconhecimento
não interessa ao
senhor? Não se
incomoda, por
exemplo, com o
fato de Ferreira
Gullar, que
assinou em 1959
o "Manifesto
Neoconcreto",
ser mais aceito
pela academia e
pela crítica
geral como um
grande poeta
brasileiro, ao
passo que a
poesia concreta
não tem o mesmo
espaço?
PIGNATARI -
Não me incomodo.
É algo natural.
O signo novo é
sempre
minoritário.
FOLHA -
Mas até hoje?
PIGNATARI -
Sim, porque ele
[Gullar] fez de
tudo, ele
ingressou no
Partidão
[comunista].
Inicialmente até
chegamos a
trabalhar
juntos. Mas,
posteriormente,
acho que o
Gullar repensou:
"Eu tenho
condições de ser
o dom Pablito
Neruda do
Brasil". Então
ele entrou para
o Partidão,
porque, para
você fazer
carreira, o
Partidão era
ótimo, tinha
meios de
promover.
Falando aquela
linguagem social
e politicamente
correta, você
tinha muito mais
chance.
FOLHA -
Como foi o
rompimento com
Gullar?
PIGNATARI -
Nós fomos
inimigos
íntimos, o
Gullar e eu. Mas
eu não briguei
com ele
pessoalmente. Eu
brigo e depois
dou risada, não
quero saber de
guardar rancor
pessoal. Não é
necessário
publicar, mas o
[o poeta Manuel]
Bandeira certa
vez falou: "O
Gullar estava se
afogando, e
vocês [os
concretos] o
puxaram pelo
cabelo". O
Gullar é uma
espécie de
buscapé sem o
rabo, que de
repente você não
sabe para que
lado vai. Ele já
percorreu todos
os caminhos. Ele
tinha talento,
publicou "A Luta
Corporal", que é
um livro
importante, que
antecedeu a
nossa
publicação. Mas
o "Manifesto
Neoconcreto",
depois, não foi
um rompimento.
Foi luta pelo
poder. Depois
que o [poeta]
Mário Faustino
[1930-1962], que
estava no
"Jornal do
Brasil", morreu,
aí o Gullar e os
cariocas tomaram
o poder e
fizeram o racha.
FOLHA -
Quais eram as
diferenças
políticas e
estéticas entre
o grupo paulista
e Gullar?
PIGNATARI -
O Gullar tinha
de fazer versos,
não podia fazer
poesia concreta.
Eu queria poesia
concreta
participante. E
fiz, escrevi a
"Stela Cubana
Número Quatro"
apoiando Fidel
Castro. Mas eu
queria um
engajamento
seguindo o que
dizia
Maiakóvski, ou
seja: "Não há
obra
revolucionária
sem forma
revolucionária".
Era isso o que
nós seguíamos e
acrescentamos ao
"Plano Piloto"
da poesia
concreta. Em
1965, no
entanto, depois
que surgiu a
ditadura
brasileira, nós
tomamos uma
posição de
formação de
frente ampla. Eu
falei: "Chega de
briga". E fui
falar com o
Gullar.
(©
Folha de S. Paulo)
Pignatari
afirma que mais
importante que
ser novo é ter
poesia de alto
repertório; para
ele, número 1
foi Sousândrade
Correspondência
com os irmãos
Campos,
organizada em
livro, mostrará
nascimento da
poesia concreta
e "xingatórios"
DOS ENVIADOS A
CURITIBA
Leia abaixo a
continuação da
entrevista com
Décio Pignatari.
FOLHA - Os
irmãos Campos
tinham uma
relação
diferente do
senhor com a
idéia de
reconhecimento
da poesia
concreta?
PIGNATARI -
Bom, o Augusto
se queixa em
relação ao
reconhecimento.
Eu não quero
saber disso, não
me importo. Não
existe vanguarda
majoritária. O
signo novo não
pode ser
majoritário. O
novo põe em
questão o que
foi feito antes.
Imagine o
Picasso chegar
em 1958 e fazer
50 anos do
quadro "Les
Demoiselles
d'Avignon". Não
basta ser
simplesmente de
vanguarda. O
importante é
você ter uma
poesia de alto
repertório. Só
isso.
FOLHA -
E quais são seus
critérios para
avaliar os
repertórios?
PIGNATARI -
Eu costumo
perguntar aos
meus alunos ou
em conferências:
sabem quantos
brasileiros lêem
"Os Lusíadas"
por ano?
Dezessete. Eu
fiz as contas,
incluindo os
departamentos de
literatura. Para
mim, que tenho
Camões como
número 1, não
adianta 17 lerem
"Os Lusíadas" ao
ano. Porque,
para mim, o
cotejo é sempre
internacional.
Se você me
perguntar qual é
o maior poeta do
Brasil, eu vou
responder: "O
que você está
querendo
dizer?".
É um problema de
teoria da
informação. Eu
não gosto de
falar em
primeira,
segunda ou
terceira
categoria. E sim
em primeiro
nível, segundo
nível e terceiro
nível. Você tem
grandes, ótimos
criadores, mas
muito poucos de
primeiro nível,
como Dante e
Mallarmé.
No segundo nível
está a grande
maioria dos
grandes
escritores,
especialmente
prosadores, como
Dostoiévski,
Faulkner,
Tolstói, que era
um plagiário.
Eles são todos
excelentes
criadores, que
fizeram grandes
obras de segundo
nível.
FOLHA -
E, no Brasil,
quem temos no
primeiro nível?
PIGNATARI -
Nós temos os
grandes, mas
eles justamente
não estão nos
departamentos de
letras. O número
1 do século
passado se chama
Joaquim de
Sousândrade. E
quem é que vai
ler? Quem é que
entende? A
penetração da
informação nova
é muito lenta,
demora até
entrar no
"mainstream".
Ele está sendo
publicado agora.
Ninguém entende
o que aquele
homem está
falando...
FOLHA -
Mas esse
problema é
historicamente
típico do Brasil
ou do mundo em
geral?
PIGNATARI -
Não, isso existe
em geral. Vi
gente
extraordinária
que foi
reconhecida
muito depois.
Nos séculos 17 e
18, ninguém lia
Shakespeare. Na
Inglaterra,
Shakespeare não
existia. Acho
que mal era
representado.
Ele foi
ressuscitado no
Romantismo.
FOLHA-
Mas, no Brasil,
há mais autores
de primeiro e
segundo níveis?
PIGNATARI -
Você tem os
grandes
criadores do
século 20, como
não? É uma pena
que Álvares de
Azevedo tenha
morrido tão
cedo. Esse era
um byroniano,
tinha talento
demais. Assim
como o Castro
Alves, que eu
adorava na
adolescência. E
o século 20
produziu os
grandes poetas
do Brasil. O
Drummond não
deve nada a
Octavio Paz.
Selecionando
bem. João Cabral
é poeta
realmente de
primeiro nível,
no Brasil, de
segundo nível
mundial. Ele não
chega a ser
nenhum Mallarmé,
não chega a um
Cummings, a um
Pound, não chega
a um Elliot, que
para mim é
grande mesmo,
até maior que
Pound. Eu não
engulo os cantos
inteiros do
Pound.
FOLHA -
E na prosa?
Guimarães Rosa
está entre os
primeiros?
PIGNATARI -
Aqui, Guimarães
Rosa em
primeiro,
Dyonélio Machado
em segundo, e
depois vêm todos
os nordestinos.
Ou seja, vêm aí
José Lins do
Rego, os bons.
Você tem alguns,
mas tem de
selecionar as
obras deles, mas
você tem
Graciliano
Ramos, José
Lins, o
Guimarães
Rosa... . Quando
li "Sagarana",
eu falei: "Mas
que coisa
absurda, esse
sujeito misturou
Rui Barbosa com
Euclides da
Cunha.
"Sagarana" para
mim é
detestável, mas
ele surpreendeu
com "Grande
Sertão:
Veredas". Aí ele
sabia quem era
Joyce, ele sabia
quem é Camões,
ele realmente
sabe quem é
Euclides.
FOLHA -
Esse tipo de
avaliação não
parece ter eco
no meio
acadêmico
brasileiro...
PIGNATARI -
No Brasil, você
sempre caminha
para uma coisa
que é muito
pobre. Faz-se
literatura
comparada, mas
se foge como o
diabo da cruz
dos juízos de
valor. Aí, vem
um Harold Bloom
[críticos
literário
norte-americano]
e espanta todo
mundo porque ele
fala mesmo "é
bom" e "eu
gosto". E é
preciso, senão
como é que você
vai orientar os
mais novos? Nós
nos
perguntávamos,
Augusto, Haroldo
e eu, nas nossas
reuniões: o que
queria dizer um
grande poeta
brasileiro? O
que queria dizer
um grande autor
brasileiro? Se
começarmos a
cotejar
internacionalmente,
onde ele
ficaria? O
Antonio Candido,
que foi meu
orientador na
academia, acabou
transformando os
setores de
letras no mesmo
que eram os
catedráticos.
Quer dizer, um
nacionalismo que
não faz muito
sentido e onde
você até procura
evitar estudar,
por exemplo, as
influências
estrangeiras
sofridas por um
escritor
brasileiro.
FOLHA -
O sr. poderia
dar um exemplo?
PIGNATARI -
Por exemplo, a
influência do
Joyce no Rosa.
Eu defendi e dei
cursos durante
décadas sobre
"Os Ratos", do
Dyonélio
Machado. Só esse
livro do
Dyonélio,
gaúcho, já vale
toda aquela
festa
nordestina, que,
de resto, fez
trabalhos
interessantes,
não importa se é
best-seller. Se
é sucesso, é
sucesso, por que
não? Não sou
contra fazer
sucesso.
Escritores como
Erico Verissimo
e Jorge Amado
eram
best-sellers,
foram os
primeiros
best-sellers
brasileiros. Mas
não atingem,
para mim, nenhum
deles, o valor
de "Os Ratos",
que pegou no ar,
naturalmente, o
romance em 24
horas do James
Joyce, não é?
Ele fez ali algo
extraordinário.
FOLHA -
Como será o
livro de cartas
que a Unicamp
está preparando?
PIGNATARI -
A [pesquisadora]
Maria Eugênia
Boaventura, que
fez o "O Salão e
a Selva", a
biografia de
Oswald de
Andrade, está
cuidando disso.
O que pode ter
interesse para
pesquisadores no
futuro é a
correspondência
minha com os
Campos. Eu na
Europa, eles em
São Paulo, entre
1954 e 1956.
Eram cartas
assim de dez,
12, 15 páginas,
e eu
datilografava
todas, eu não
escrevia à mão.
Tenho muitas
delas, pois eu
tirava cópia, à
máquina mesmo,
com carbono. E
era uma briga
danada,
discussões de
tudo o que você
pode imaginar,
até xingatórios.
E imbatível
mesmo é o
Haroldo. Só o
Haroldo sozinho,
meu Deus, só a
correspondência
do Haroldo deve
ter 2.000
cartas.
Nessa
correspondência
se vê tudo, o
nascimento da
poesia concreta
praticamente.
Aquilo que
antecedeu
também, porque
eu tinha sonhado
mesmo em ir
embora do
Brasil. Era
natural, para
alguém que
admirava poetas,
escritores e
artistas de
fora, querer
conhecer que
mundo é esse.
Gente que eu
admirava. Que
primeiro mundo
era esse? Era a
Europa.
FOLHA -
E como estas
suas viagens à
Europa
influenciaram a
poesia concreta
que estava por
vir?
PIGNATARI -
Eu fiquei um ano
em Paris, seis
meses em
Munique, me
interessava
muito por
desenho
industrial. Eu
já estava ligado
ao grupo de
artistas
concretos que
tinha já uma
visão do design.
Fui justamente
para a Alemanha
para conhecer a
recém-inaugurada
Hochschule für
Gestaltung, a
escola superior
da forma que
tinha sido
inaugurada pelo
[designer,
arquiteto e
artista plástico
suíço] Max Bill
[1908-1994]. E
aí tive minha
primeira
conversa com
[poeta boliviano
de origem suíça
Eugen] Gomringer
[1925-], quando
nos demos conta
de que o nosso
caminho era o
mesmo. Foi uma
maravilha essa
descoberta.
Então, primeiro
Gomringer.
Segundo, pela
primeira vez eu
ouvi falar em
semiótica e
Charles Sanders
Peirce. E,
terceiro, a
primeira vez em
que eu ouvi
falar em
cibernética, por
meio de um
livrinho do
Norbert Wiener
que ficaria
famoso:
"Cibernética e
Sociedade - O
Uso Humano de
Seres Humanos".
Essas duas
informações,
mais a ligação a
Gomringer, foram
fundamentais.
FOLHA -
Em 2004, o
senhor lançou
"Céu de Lona",
primeira parte
da trilogia que
investiga as
relações entre
intelectuais e
suas mulheres.
Como andam a
segunda e
terceira partes?
PIGNATARI -
Eu havia
começado a
segunda parte em
Ferrara, em maio
do ano passado,
e agora voltei
lá para
concluir.
Chama-se "Viagem
Magnética", que
trata da Nísia
Floresta, a
grande, a
primeira
feminista
brasileira. Ela
e o Auguste
Comte [filósofo
francês fundador
do Positivismo],
que, na verdade,
aparece bem "en
passant". Ela
mesma nunca foi
positivista. A
história é bem
outra. Uma
professora de
Minas, a
Constância Lima
Duarte, me cedeu
muito material.
Mas ela fez todo
o trabalho
oficial,
politicamente
correto. Eu vou
fazer uma obra
de ficção, onde
vão acontecer
coisas
espantosas. Não
é a Nísia
histórica que
aparece. É uma
peça
eroticamente
muito forte.
É uma peça de
idéias, não de
uma pessoa. E a
terceira vai ser
sobre Kierkgaard
e Regine Olsen,
e vai se chamar
"O Salto", que é
uma das idéias
fundamentais do
Kierkgaard. Você
chega no momento
da angústia
absolutamente
necessária. Você
não vai sair
dela sem dar "o
salto", que para
ele é Deus.
FOLHA -
Como gostaria
que as peças
fossem encenadas
e por quem?
PIGNATARI -
Com a maior
liberdade. E
pelo Bob Wilson,
porque foi ele
que marcou a
minha mudança
para o teatro.
Estava em São
Paulo, quando vi
sua montagem de
"Quando
Despertamos de
entre os
Mortos", de
Ibsen. Era o que
eu queria, as
falas e os
gestos são
deslocados. O
texto vinha de
três fontes
diferentes. Pô,
eu fiquei
apaixonado pelo
Bob Wilson.
FOLHA -
No Brasil, não
acha que tem
alguém que seja
capaz?
PIGNATARI - O
Antunes. Embora
ele hoje seja
uma lástima.
Eles só são bons
na primeira
peça, depois, um
desastre.
Folha -
Nem o Zé Celso?
PIGNATARI -
O Zé Celso não.
O Zé Celso fez
"O Rei da Vela"
e mais alguma
coisa. O Zé
Celso é
abominável.
Abominável nos
últimos 20 anos.
Eu fazia crônica
na Folha quando
fiz crítica a
ele. Ele ficou
uma vara.
Mandava sujeitos
me telefonar, me
xingar de tudo
quanto era nome.
É uma baixaria
baseada na
ignorância. A
gente do teatro
brasileiro é
muito ignorante.
FOLHA -
Das lutas nas
décadas de 50,
60, cuja riqueza
o senhor exalta,
o que restou?
PIGNATARI -
Ficou o que você
desfruta hoje.
Ficou um outro
Brasil. Já é um
outro Brasil,
ainda em nível
de C para B. Mas
é um outro
Brasil. Você não
tem idéia do que
era. Não tem nem
idéia do que era
namorar e casar
naquele tempo.
Não tem idéia da
estupidez, dos
preconceitos em
relação a tabus
sexuais, tabus
da virgindade. O
número de
estudantes
universitários,
naquele tempo,
eu calculo,
devia ser cem
mil. Hoje
caminhamos para
4 milhões.
FOLHA-
E o que restou
das vanguardas?
PIGNATARI -
Não, não há
mais. Vai haver
muitas
vanguardas. Não
há mais a idéia
de uma única
vanguarda. São
muitos focos que
podem ser
vanguarda. No
Brasil,
infelizmente,
ficamos para
trás numa delas
e para a frente
noutras. Por
exemplo, o
Brasil ficou
para trás na
arquitetura,
cultivando o
concreto que faz
o edifício pesar
500 vezes mais.
FOLHA-
E em que
vanguarda o
Brasil está
presente?
PIGNATARI -
Logo vão acabar
com ela também,
mas a única
vanguarda que
houve nesses
últimos tempos,
por incrível que
pareça, e que me
espantou, foi a
moda. A moda me
espantou. Todos
os desfiles de
moda. Meu deus
do céu, eles
fazem aquelas
roupas incríveis
e todo mundo se
pergunta: mas
ninguém vai
vestir isso?
Justamente essa
moda é uma
linguagem de
vanguarda. Eu
não conheço bem,
mas eu vejo os
desfiles, as
fotos, as coisas
incríveis que
acontecem na
moda, pombas. A
moda como roupa
experimental.
Acho espantoso
como linguagem a
moda.
(©
Folha de S. Paulo)
Exposição
será aberta no
dia 15, no Tomie
Ohtake
DA REPORTAGEM
LOCAL
No próximo
dia 15, o
Instituto Tomie
Ohtake, em São
Paulo, vai
inaugurar uma
grande exposição
sobre a poesia
concreta. Todo
andar térreo
será ocupado, o
que inclui o
saguão e quatro
salas.
Uma das salas
terá caráter
propriamente
histórico,
reunindo uma
cronologia do
movimento,
livros,
documentos
originais e
alguns vídeos.
No saguão do
instituto serão
expostos poemas
em grandes
dimensões,
alguns deles em
versão
tridimensional,
amplificando um
dos princípios
do movimento,
que era a imagem
da escrita.
Também haverá
uma sala
dedicada à
exibição de
vídeos e filmes
relacionados ao
concretismo, com
obras, entre
outros, dos
cineastas Julio
Bressane e Ivan
Cardoso.
Numa outra sala,
a mostra reunirá
projeções de
poemas
sonorizados,
alguns criados
ou recriados em
linguagem
digital -caso de
obras de Augusto
de Campos, que
há anos adotou o
computador como
ferramenta para
suas criações.
Além dos poemas,
o grupo concreto
desenvolveu uma
intensa
atividade de
tradução, focada
especialmente
nos autores dos
quais retiravam
inspiração. Uma
sala será
dedicada
exclusivamente
às traduções,
nas quais será
possível não
apenas ver os
trabalhos como
ouvir a voz dos
tradutores e a
de alguns de
seus
"traduzidos",
como Ezra Pound.
Completam a
exposição uma
série de
vitrines com
material
histórico
relativo aos
diversos temas.
O instituto
também abrigará
debates em torno
do movimento e
de seus
desdobramentos,
e será lançado
um site com a
produção e a
história do
concretismo.
(©
Folha de S. Paulo) |