Cineasta Michelangelo Antonioni morre na Itália aos
94 anos
Foto: AP
Em carreira de seis décadas,
autor lançou clássicos como
'Blow-up - Depois Daquele
Beijo' e 'A Aventura'
ROMA - Michelangelo Antonioni, um dos cineastas mais famosos e
influentes da Itália, morreu aos 94 anos, informaram nesta terça-feira,
31, autoridades municipais de Roma. As causas não foram divulgadas, mas
segundo declaração da esposa do diretor, a atriz Enrica Fico, ao jornal
La Repubblica, ele morreu tranqüilamente em sua casa, em
Ferrara, na noite de segunda-feira.
Considerado o pai cinematográfico da alienação e angústia modernas,
Antonioni teve uma carreira de seis décadas, que incluiu clássicos como
Blow-up - Depois Daquele Beijo e A Aventura.
"Com Antonioni, não se perdeu somente um dos
maiores diretores vivos, mas também um mestre da
tela moderna", afirmou o prefeito de Roma,
Walter Veltroni. Antonioni morreu no mesmo dia
em o cinema perdeu o lendário diretor sueco
Ingmar Bergman, aos 89 anos.
Os filmes deliberadamente lentos e oblíquos
de Antonioni nem sempre agradavam ao público,
mas obras como A Aventura tornaram-no
um ícone entre diretores como o norte-americano
Martin Scorsese, que o descrevia como um poeta
com uma câmera.
Início da
carreira
Antonioni nasceu em 29 de setembro de 1912 na
cidade de Ferrara, no norte da Itália. Ele
começou a carreira de cineasta como crítico,
criticando ferozmente as comédias italianas da
década de 30. Na década de 40, cursou a Escola
Nacional de Cinema da Itália e se tornou
roteirista, colaborando com diretores como
Roberto Rossellini e Enrico Fulchignoni.
Na região onde nasceu, realizou seu primeiro
documentário, A Gente do Pó, finalizado
em 1947. Após a 2.ª Guerra Mundial, trabalhou
como roteirista em Trágica Perseguição,
de Giuseppe de Santis (1946) e em Abismo de
um Sonho, de Fellini (1952).
O primeiro filme de Antonioni foi Crimes da
Alma (Cronaca di un Amore), em 1950, mas o
reconhecimento internacional viria em 1960, com
A Aventura, que ganhou o Prêmio da
Crítica do Festival de Cannes.
Depois de A Aventura vieram O
Eclipse (1962) que, entre outras coisas,
estreitou sua ligação, pessoal e profissional,
com a atriz Mônica Vitti, sua musa. O
Deserto Vermelho, de 1964, também com
Mônica como protagonista, marca a passagem do
diretor para os filmes em cores.
Reconhecimento
Com Blow-up - Depois Daquele Beijo
(1966), seu primeiro filme em inglês, foi
indicado ao Oscar de melhor diretor. Mas só
recebeu a estatueta em 1995, em um prêmio por
toda a sua carreira. Falado em inglês e
ambientado na agitada Londres dos anos 1960, o
filme transformou-o em figura "cult" para
cinéfilos e cineastas.
Em seguida vieram O Dilema de Uma Vida
(1964) e Zabriskie Point, filmado nos
Estados Unidos em 1970 e que mostra o movimento
de contracultura no país. Outra de suas obras
foi realizada em parceria com o alemão Wim
Wenders, Além das Nuvens (1995). O
filme se baseia em um livro do cineasta
italiano.
Em 1983, o diretor sofreu um acidente
vascular cerebral que o fez perder a fala. Seu
corpo será velado nesta terça-feira e, depois,
levado para Ferrara, sua cidade natal, onde na
quinta-feira ocorrerá o enterro.
Confira sua filmografia:
2004 - Eros (Eros)
2004 - Lo Sguardo di Michelangelo
2001 - Il Filo Pericoloso Delle Cose 1995 - Além das Nuvens (Al Di là
Delle Nuvole)
1993 - Noto, Mandorli, Vulcano, Stromboli,
Carnevale
1989 - 12 Registri Per 12 Città
1989 - Kumbha Mela
1982 - Identificação de Uma Mulher
(Identificazione Di una Donna)
1981 - O Mistério de Oberwald (Il
Mistero di Oberwald)
1975 - Passageiro - Profissão: Repórter
(Professione: Reporter)
1972 - China (Chung Kuo - Cina)
1970 - Zabriskie Point (Zabriskie
Point)
1966 - Blow-up - Depois Daquele Beijo
(Blow-up)
1965 - As Três Faces de Uma Mulher (I
Tre Volti)
1964 - Deserto Vermelho (Il Deserto
Rosso)
1962 - O Eclipse (L'eclisse)
1961 - A Noite (La Notte)
1960 - A Aventura (L'avventura)
1957 - Il Grido
1955 - As Amigas (Le Amiche)
1953 - Amores na Cidade (L'amore in
Città)
1953 - Os Vencidos (I Vinti)
1953 - A Dama Sem Camélias (La Signora
Senza Camelie)
1950 - La Funivia del Faloria
1950 - La Villa Dei Mostri
1950 - Crimes D'alma (Cronaca Di Un
Amore)
1949 - L'amorosa Menzogna
1949 - Bomarzo 1949 - Regazze in Bianco
1949 - Sette Canne, Un Vestito
1949 - Superstizione 1948 - Nettezza Urbana
1948 - Oltre L'oblio
1948 - Roma-Montevideo
1943 - Gente del Po
Confira análise filme a
filme de Michelangelo Antonioni
Um dos cineastas que fez
a Itália ter o melhor cinema do mundo entre
os anos 60 e 70
Luiz Zanin
Oricchio, do Estadão
SÃO PAULO - Que é isso, 2007?
Um dia anunciamos a morte de Ingmar Bergman e no
seguinte, a de Michelangelo Antonioni. Vão-se,
praticamente juntos, dois dos últimos mestres de
uma fase áurea do cinema. Antonioni tinha 94
anos, estava doente havia muito tempo e morreu
em sua casa, em Ferrara, na terça, 31. Não
falava desde quando sofreu um acidente vascular
cerebral em 1985. Já nessas condições visitou o
Brasil, em 1994. Esteve em São Paulo e daqui
seguiu para o Festival de Gramado, onde foi
homenageado. Foi personagem principal de uma
noite inesquecível, a projeção, no Palácio dos
Festivais, de uma de suas obras-primas, A
Noite.
A Aventura (1959),
A Noite (1960), O Eclipse
(1961), filmes que formavam a chamada "trilogia
da incomunicabilidade" e fizeram a fama de
Antonioni naquela virada dos anos 50 para os 60.
O curioso é que o rótulo de "cineasta da
incomunicabilidade", bem acolhido durante algum
tempo, depois passou a enfastiá-lo. Dizia, com
razão, que tudo o que procurava com seus filmes
era justamente se comunicar com o público. Mesmo
que essa comunicação falasse exatamente dessa
impossibilidade de um encontro completo e pleno
entre as pessoas.
Casal
moderno
Antonioni, assim como seus
amigos Fellini e Visconti, veio da escola
neo-realista, a mais fértil do cinema italiano
dos anos 40-50. Mas, em seguida desenvolveu
estilo e preocupações temáticas próprias. Assim
como Bergman, tinha interesse pelas situação do
homem em sociedade e, sobretudo, as complicadas
relações do casal moderno. Também como o mestre
sueco, Antonioni tentou compreender a alma
feminina, mesmo sabendo que tal tarefa é sempre
destinada ao fracasso, como aliás já sabia o
próprio Freud.
Muitos outros são seus filmes
importantes, como o angustiado Deserto
Vermelho, com Mônica Vitti, ou o formidável
Passageiro: Profissão Repórter, que
filmou com Jack Nicholson no papel principal. E
que papel! Nicholson nunca fez nada melhor do
que esse personagem que troca de identidade com
outro e leva a farsa dessa segunda pele até as
últimas conseqüências.
Parceria com Wenders
Outros pontos altos de
Antonioni são Blow Up - Depois Daquele Beijo
(1966), livre adaptação do conto de Julio
Cortázar, Las Babas Del Diablo, e
Zabriskie Point (1969), com seu
final apocalíptico. Faria ainda as primeiras
experimentações com vídeo em O Mistério de
Oberwald
(1980), voltando ao seu universo preferencial
com Identificação de Uma Mulher (1982).
Depois do longo silêncio causado pela doença,
retorna à direção, mas desta vez a quatro mãos,
com Wim Wenders, com Além das Nuvens, a
adaptação de um texto próprio, Bowling Sul
Tevere. Já
bastante doente, em cadeira de rodas, comparece
ao Festival de Veneza de 2005 para acompanhar a
projeção e o debate de Eros, no qual
assina o episódio O Fio Perigoso das Coisas.
É o último que se vai do
grande grupo de diretores que fizeram a Itália
ter, entre os anos 60 e 70, o melhor cinema do
mundo.
Confira análise filme
a filme
As Amigas
Baseado num texto de Cesare
Pavese, Antonioni coloca sua câmera no mundo da
moda de uma cidade industrial como Turim. No
interior desse microcosmo, surge um tema
inesperado, o suicídio, que era, como se sabe,
uma questão crucial para o próprio Pavese. Na
vida das amigas que se dedicam à moda, todas
conseguem resolver-se, de maneira melhor ou
pior. Menos uma, Rosetta (Madeleine Fischer), a
mais sensível, talvez a melhor de todas e que,
por isso, não encontra seu lugar no mundo. O
impossível lugar no mundo - um tema de
Antonioni, por definição.
A Aventura
A vida dissoluta dos ricaços
é mostrada neste passeio a uma ilha vulcânica.
Um misterioso acontecimento perturba o ambiente:
Anna (Lea Massari) desaparece na ilha e ninguém
consegue encontrá-la. O que poderia ser apenas
um thriller, transforma-se, sob o toque de
Antonioni, em um campo de batalha existencial,
no qual os personagens se confrontam com suas
ambigüidades, sua fragilidade, seu egoísmo, sua
relação sempre insuficiente em relação ao outro.
A Noite
Marcello Mastroianni e Jeanne
Moreau formam esse belo par, porém já bastante
entediados pelo simples motivo de estarem
juntos. No início da história, eles visitam um
amigo, que está à morte em um hospital.
Confrontam-se com o inevitável, com o término de
toda experiência humana, mas nem por isso
deixarão de entediar-se, com tudo e em
particular, um com o outro. São bonitos, não têm
grandes problemas de sobrevivência e, no
entanto, não encontram um lugar no mundo. Essa é
uma questão de Antonioni: que lugar ocupamos num
mundo hostil?
O Eclipse
Monica Vitti vem de um
relacionamento complicado e tenta um novo affair
com um jovem corretor de bolsa de valores,
vivido por Alain Delon. Mas o caso não progride.
Há uma cena antológica, quando se faz um minuto
de silêncio na bolsa de Milão em honra de um
corretor que morreu, e logo a seguir a balbúrdia
do pregão se impõe. O final é um dos mais belos
- e melancólicos - da história do cinema. Não há
saída para o casal, nem para nada. E a própria
natureza parece morrer quando o eclipse solar
vai causando o escurecimento da cidade.
O Deserto Vermelho
Um dos grandes trabalhos de
Monica Vitti, atriz com quem Antonioni foi
casado. Ela faz a dona de casa angustiada, que
não sabe direito de onde lhe vem tanto mal-estar
diante do mundo. A trilha sonora inusual, a
fotografia em cores de Carlo Di Palma, valem ao
filme uma ambientação muito marcante. É mais uma
tentativa de retratar a vida alienada na
sociedade contemporânea. Monica não sabe a razão
da sua infelicidade. E essa é a tese de
Antonioni, não sabemos o porquê, ele está oculto
e faz parte da própria alienação.
Blow Up - Depois
Daquele Beijo
David Hemmings e Vanessa
Redgrave estão no elenco deste que é um dos mais
emblemáticos títulos dos anos 1960. Hemmings faz
o fotógrafo de moda que, casualmente, descobre
um crime quando revela uma de suas fotos, feita
num parque público. O filme capta a agitação da
Swinging London, mas é muito mais do que um
documentário de época. Adaptado de Las Babas del
Diablo, conto do argentino Julio Cortázar,
procura ser um estudo sobre aquilo que vemos e
deixamos de ver na sociedade contemporânea. É
também uma reflexão sobre o olho moderno - o da
câmera por excelência. O crime, "oculto", se
desvela apenas para as lentes de Hemmings. O
cinema também teria essa função, de olhar
contemporâneo, testemunha da imagem num mundo
que não quer ver.
Zabriskie Point
É o único filme
norte-americano de Antonioni e representa sua
imersão nos valores da contracultura próprios da
época. O filme tem um
aproach
não-realístico dessa realidade social e
esse ponto foi apontado como motivo para o seu
fracasso comercial. Usa na trilha sucessos da
época dos Rolling Stones e Pink Floyd. O
apocalipse nuclear, ainda um fantasma da época
da época da guerra fria aparece no horizonte
deste filme ousado, talvez não tão rigoroso do
ponto de vista formal como os outros, mas ainda
assim encantador. Como tudo o que Antonioni fez,
presta-se (também) como comentário à sua época.
O Passageiro -
Profissão: Repórter
Talvez o melhor trabalho de
Jack Nicholson no cinema seja neste filme de
Antonioni. Inspirado em O Finado Mattia Pascal,
de Pirandello, trata da troca de identidade.
Nicholson faz o personagem dado como morto e
assume a identidade de outro. Passa a viver a
vida alheia até descobrir que está metido numa
aventura perigosa e que pode terminar mal. Mesmo
assim a leva até as últimas conseqüências. Um
dos trabalhos mais brilhantes de Antonioni no
plano formal, tem um dos finais mais conhecidos
entre os cinéfilos, um longo plano em que a
câmera passeia do interior de um quarto de
hotel, sai à pracinha e volta ao aposento, como
se atravessasse as grades da janela.
Além das Nuvens
Esse filme de episódios é
co-dirigido por Wim Wenders, pois Antonioni, já
doente, não poderia assumi-lo sozinho. John
Malkovich faz o papel de um diretor e funciona
com elo entre as histórias. É obviamente, um
alter ego de Antonioni. Nesses episódios
prevalece a atmosfera básica que costumamos
encontrar em seus filmes: a angústia, o
sentimento de estranheza do mundo, a falta de
sentido das coisas. As histórias são tiradas de
um livro do próprio Antonioni,
Quel Bowling Sul
Tevere: Crônica de
um Amor Que jamais Existiu, A Garota, O Delito,
Este Corpo de Lama e não Me Procure.
Eros (Episódio ‘O Fio
Perigoso das Coisas’)
Último trabalho de Antonioni,
neste filme de episódios, partilhado com Wong
Kar Wai e Steven
Soderbergh. No de Antonioni, temos a história de
um casal, que fica fascinado pela mesma mulher.
Não sabemos bem como Antonioni o dirigiu, doente
e envelhecido que estava. No entanto, o filme
tem pontos de contato com sua obra, em especial
na temática, mas também no clima levemente
perverso que se desencadeia assim que o homem e
a mulher acabam caindo na mesma rede erótica da
estranha. O interessante é que o filme utiliza a
canção Michelangelo Antonioni, composta por
Caetano Veloso em homenagem ao mestre.
Cineasta que retratou a mediocridade do destino
humano, o italiano Michelangelo Antonioni, aos
94 anos
Luiz Zanin Oricchio
Que é isso, 2007? Ontem tivemos de anunciar a
morte de Ingmar Bergman e hoje, a de
Michelangelo Antonioni. Vão-se, praticamente
juntos, dois dos últimos mestres de uma fase
áurea do cinema. Antonioni tinha 94 anos, estava
doente havia muito tempo e morreu em sua casa,
em Ferrara. Não falava desde quando sofreu um
acidente vascular cerebral em 1985. Já nessas
condições visitou o Brasil, em 1994. Esteve em
São Paulo e daqui seguiu para o Festival de
Gramado, onde foi homenageado. Foi personagem
principal de uma noite inesquecível, a projeção,
no Palácio dos Festivais, de uma de suas
obras-primas, A Noite.
A Aventura (1959), A Noite (1960), O Eclipse
(1961), filmes que formavam a chamada 'trilogia
da incomunicabilidade' e fizeram a fama de
Antonioni naquela virada dos anos 50 para os 60.
O curioso é que o rótulo de 'cineasta da
incomunicabilidade', bem acolhido durante algum
tempo, depois passou a enfastiá-lo. Dizia, com
razão, que tudo o que procurava com seus filmes
era justamente se comunicar com o público. Mesmo
que essa comunicação falasse exatamente dessa
impossibilidade de um encontro completo e pleno
entre as pessoas.
Antonioni, assim como seus amigos Fellini e
Visconti, veio da escola neo-realista, a mais
fértil do cinema italiano dos anos 40-50. Mas,
em seguida desenvolveu estilo e preocupações
temáticas próprias. Assim como Bergman, tinha
interesse pelas situação do homem em sociedade
e, sobretudo, as complicadas relações do casal
moderno. Também como o mestre sueco, Antonioni
tentou compreender a alma feminina, mesmo
sabendo que tal tarefa é sempre destinada ao
fracasso, como aliás já sabia o próprio Freud.
Muitos outros são seus filmes importantes, como
o angustiado Deserto Vermelho, com Mônica Vitti,
ou o formidável Passageiro: Profissão Repórter,
que filmou com Jack Nicholson no papel
principal. E que papel! Nicholson nunca fez nada
melhor do que esse personagem que troca de
identidade com outro e leva a farsa dessa
segunda pele até as últimas conseqüências.
Outros pontos altos de Antonioni são Blow Up -
Depois Daquele Beijo (1966), livre adaptação do
conto de Julio Cortázar, Las Babas Del Diablo, e
Zabriskie Point (1969), com seu final
apocalíptico. Faria ainda as primeiras
experimentações com vídeo em O Mistério de
Oberwald (1980), voltando ao seu universo
preferencial com Identificação de Uma Mulher
(1982). Depois do longo silêncio causado pela
doença, retorna à direção, mas desta vez a
quatro mãos, com Wim Wenders, com Além das
Nuvens, a adaptação de um texto próprio, Bowling
Sul Tevere. Já bastante doente, em cadeira de
rodas, comparece ao Festival de Veneza de 2005
para acompanhar a projeção e o debate de Eros,
no qual assina o episódio O Fio Perigoso das
Coisas.
É o último que se vai do grande grupo de
diretores que fizeram a Itália ter, entre os
anos 60 e 70, o melhor cinema do mundo.