Em ´ As Correntes da Inquisição´, o italiano
Valerio Evangelisti consolida seu estilo
literário que funde História e ficção ´pulp´
Nicolau Eymerich, inquisidor dominicano que
viveu no século XIV, ganhou nova vida nos
últimos anos. A ressurreição foi providenciada
pelo escritor italiano Valerio Evangelisti, no
livro “O Inquisidor” (Conrad Editora, 37
páginas, R$ 37). O que poderia ser um
romance-histórico convencional (gênero que tem
dado bons resultados, comerciais, para as
editoras) ganhou a forma de uma ficção pop.
Nela, as referências históricas convivem com os
elementos de ficção-científica, do fantástico e
do suspense político. São esses os ingredientes
utilizados em “As Correntes da Inquisição”,
recém-lançada continuação das aventuras de
Eymerich, também editada pela Conrad.
Aqui, mais uma vez, Evangelisti demonstra
segurança ao controlar tramas paralelas,
separadas por séculos. Assim, são engenhosamente
ligados seres fantásticos (ou seres humanos de
aspecto monstruoso) na Idade Média; experimentos
científicos em um castelo romeno, nos anos 1960;
o surgimento de um padre do século XIV nos
últimos anos do século XX; e a “limpeza racial”
promovida pelos nazistas.
Valerio Evangelisti faz parte de uma movimento
na literatura italiana de “new weird”,
caracterizado por uma espécie de realismo
fantástico originado de fusões de gêneros como o
romance histórico e a crônica política.
No Brasil, além dos dois livros sobre Eymerich,
foi publicado o romance “Black Fag”, com uma
forte crítica política voltada para o
imperialismo contemporâneo.
Escritura pop
Elogiado pela crítica européia, Valerio
Evangelisti não deve ser levado tão a sério -
pelo menos, no que diz respeito à sua série
sobre Eymerich. Não é recomendável ir com sede
de “alta literatura” ao pote. Aqui, o italiano
é, sobretudo, um escritor do universo pop que
abre mão de inovações estéticas para se
concentrar, exclusivamente, em uma boa história
de mistério.
O trunfo de Evangelisti reside nessa
despretensão. Escrevendo sobre religião,
história e conspiração, consegue fazer uma
literatura de entretenimento que passa longe da
vulgaridade de um Dan Brown, e seu “O Código da
Vinci”. A aventura de Evangelisti não tem a
pretensão de alimentar o repertório dos amantes
de conspirações mundiais. A surpresa fica por
conta da criatividade - ou seja, da arte - de
seu autor - e é aqui que o escritor revela sua
grandeza. (DR)
ROMANCE
"As Correntes da Inquisição"
Valerio Evangelisti
312 páginas
R$ 42
CONRAD
2007
(©
Diário do Nordeste)
Ao escrever sobre a Itália de Mussolini,
ocupada pelos nazistas, Elio Vittorini
(foto) recria o
romance e denuncia os absurdos na luta pela
liberdade
Não poucas vezes, os exageros e deslizes de
intelectuais foram justificados por seus adeptos
como conseqüências do contexto -
sócio-político-cultural. Sartre defendeu o
governo de Stalin, que derramou o sangue das
antenas da raça, na finada URSS. Os tempos eram
outros e o comunismo significava outra coisa - é
o que dizem. Ok, mas seu amigo Albert Camus
enxergou a loucura stalinista, sem precisar
abrir mão de sua militância, nem de suas
convicções comunistas.
Elio Vittorini pertence a essa segunda categoria
de intelectual. Como Camus, se aqueceu com o
calor do momento, posicionou-se ideologicamente,
mas não apelou para maniqueísmos, nem perdeu a
dimensão dos problemas a serem superados.
“Homens e Não” (1945), escrito à época da
ocupação nazista na Itália, é uma obra que
retrata esta particularidade do pensamento e da
ação de Vittorini.
O escritor ficou conhecido, em 1941, por seu
“Conversa na Sicília”. Neste, com toques
autobiográficos, Elio Vittorini expôs os
horrores de uma terra violentada por um regime
de extrema direita. O livro (que foi publicado
no Brasil pela Cosac Naify) desagradou os
fascistas e levou Vittorini a viver escondido,
mas ainda assim ligado aos rebeldes.
“Homens e Não” é considerado o primeiro romance
da Resistência Italiana. No livro, o escritor
conta as histórias de um grupo de guerrilheiros
na luta contra o nazifascismo que então oprimia
Itália. Vittorini trabalha não só a dimensão
política, como a humana dos envolvidos no
conflito.
A história é ambientada em Milão e tem como
protagonista Ene 2, escolhido para comandar um
grupo de resistentes na cidade ocupada. Entre
pequenos atentados contra autoridades nazistas,
ele reencontra Berta, seu antigo amor, a quem
não conseguira esquecer.
Prosa de invenção
O grande trunfo de Elio Vittorini como escritor
é que, a despeito de sua militância real, sua
literatura não é panfletária. Ele tematiza,
também, os conflitos internos, as perturbações
éticas e psicológicas dos resistentes. Afinal, o
nazista morto em um atentado é um homem e,
portanto, o conspirador é um assassino.
O romancista mostra a força de sua escritura
quando, com sofisticação, entrelaça as vivências
políticas e particulares dos personagens. De
repente, as falhas de Ene 2 como amante, por
exemplo, estão ligadas a frieza dele exigida em
sua condição de guerrilheiro.
É esta fusão que dá a “Homens e Não” o clima do
absurdo, tão característico das obras do já
citado Albert Camus. A náusea de uma realidade
em que os homens deixam de ser o que são (dai o
título finalizado por uma negativa) faz
Vittorini se distanciar de alguns aspectos o
neo-realismo italiano, escola a qual esteve
ligado.
O absurdo também é refletido no texto, feito de
estilhaços, seqüências curtas, que lembram a
escrita telegráfica de Oswald de Andrade.
Vittorini conta, quase tudo, por diálogos. A
descrição de as ações e os cenários assume um
papel secundário. E é pela forma que Vittorini
apresenta o principal de suas idéias política.
Afinal, o prosa fragmentária é o retrato de uma
realidade feita em pedaços pela insanidade
mecânica da guerra.
DELLANO RIOS
Repórter
ROMANCE: Cosac Naify 2007 - 264 páginas
- R$ 40. "Homens e Não", de Elio Vittorini
(©
Diário do Nordeste) |