Maquete para mosaico foi descoberta pelo filho do
pintor e será executada em igreja da PUC, no Rio, no início do ano que
vem
Lilian Primi
Portinari vai renascer - e isso significará
ainda mais do que a louvável e massiva divulgação de sua obra pela
telenovela Páginas da Vida, na galeria de arte fictícia da personagem de
Ana Paula Arósio. O renascimento se dará numa pequena sala, em meio à
poeira de construção e graças à magia de um mosaico. O Instituto Itaú
Cultural financia a execução, 49 anos depois, de uma maquete para
mosaico desenhada em 1957 pelo mestre dos murais, até hoje inédito. A
obra vai decorar a fachada frontal da nova igreja da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) do Rio, com inauguração prevista para o
começo do próximo ano, no câmpus da Gávea.
A mágica está na possibilidade de resgate, pois, como nas esculturas, os
mosaicos são executados por profissionais especializados ou artesãos, a
partir de um desenho do artista. Os grandes mestres europeus dão a esse
desenho o nome de 'cartão'. Portinari chamava-os 'maquete'. Ou seja,
tudo vai ser feito do jeito que ele queria e como se ele estivesse mesmo
vivo.
João Cândido Portinari, filho do pintor e também curador de sua obra,
encontrou a maquete de Jesus entre os Doutores, de 1957, durante o
levantamento do acervo do pai, uma atividade a que se dedica há quase 20
anos. 'Propus doar o mural à PUC, que nos acolheu e tem nos apoiado
desde o início', diz. Das 5.025 obras encontradas e catalogadas pelo
Projeto Portinari, apenas seis são mosaicos - e três nunca saíram do
papel.
A maquete do mural foi feita com óleo sobre tela de 60 cm x 72 cm e
mostra Jesus de túnica vermelha e doces cachos negros caindo pelos
ombros, cercado por criaturas de faces atormentadas e pés mal
implantados.
O orçamento do mural ficou em R$ 161 mil, valor que inclui, além do
trabalho de montagem, as pastilhas, compradas na Itália e a iluminação.
Segundo o presidente da mantenedora da PUC-RJ, padre Pedro Guimarães
Ferreira, depois de pronto vai valer R$ 2,6 milhões 'conforme avaliação
da Bolsa de Artes do Rio'. A igreja inteira vai custar R$ 2,5 milhões.
(©
Agência Estado)
Portinari era
apaixonado pelas pastilhas de Revena
Desenho
da maquete do artista será reproduzido em mural com 3,70 metros de
largura por 4,50 metros de altura
Lillian Primi
SÃO PAULO - O
pequeno desenho da maquete inédita de Portinari será reproduzido em
mural com 3,70 metros de largura por 4,50 metros de altura. ´A igreja
foi projetada como na Idade Média. É enorme´, conta o padre Pedro
Guimarães Ferreira, da PUC-RJ. O projeto de arquitetura, com 600 m2,
foi escolhido por concurso, assim como as três estátuas previstas para
o altar.
´Para o mosaico seguimos a
orientação dos técnicos´, conta o padre. João Cândido Portinari,
diretor do Projeto, não conseguiu descobrir onde o pai iria construir
o mural, mas tem certeza que deveria ser feito com as pastilhas de
vidro fabricadas em Ravena, cidade do Norte da Itália, localizada à
beira do Mar Adriático.
Um dos mais bem-sucedidos exemplos
de arte cristã nos séculos cinco e seis, os mosaicos se desenvolveram
em Ravena como resultado da fusão de estilos italianos e orientais.
Foi em Ravena que os artesãos usaram pela primeira vez cubos de vidro
colorido como tesselas, que acabaram com as limitações para uso de
mosaico em pisos, impostas pela pouca durabilidade dos materiais.
Os fundos de pedra calcária ou
mármore foram substituídos primeiro pelos azuis, depois pelos
dourados, dando brilho às composições e a mesma luminosidade dos
interiores das igrejas bizantinas.
´Eles têm uma grande paleta de
cores. Escolhemos mais de 100 para esse trabalho´, conta a arquiteta
Isabel Ruas, que dará vida à maquete de Portinari. Isabel foi
escolhida pela sua formação, focada nos mosaicos. Seus estudos sobre o
assunto resultaram na tese de mestrado ´Painéis em Mosaico na
Arquitetura Moderna Paulista´, defendida na USP em 2000. Além disso, é
discípula de Antonio Carelli, mestre na tradição de Ravena, que ainda
vive. Mora em Caraguatatuba, no Litoral Norte de São Paulo, e
recentemente retomou o trabalho com mosaicos.
´Carelli viveu em Paris nos anos 50,
trabalhando com o grupo da Escola de Arte Aplicada italiana´, conta. A
linguagem do mosaico moderno se renovou em Paris nessa época, a mesma
do mural de Portinari. ´Ele se apaixonou pelo efeito de cor e brilho
dessas pastilhas´, garante João.
Isabel pretende
usar o corte das tesselas, que devem ser pequenas na tradição
italiana, para reproduzir os movimentos do pincel de Portinari.
(©
Agência Estado)
Polêmica dificulta
execução de outra maquete
Pintor teria criado desenho para capela do
Palácio do Alvorada, mas Niemeyer alega desconhecimento
'Aí vai a minha opinião.
É estranho que depois de quase 50 anos apareça um desenho de Portinari
para a capela do Alvorada. Nunca tinha visto esse desenho, e é sem ele
que a capela foi tombada. E o pior é que não vejo nenhuma relação das
duas versões da foto com a capela.
Cordialmente,
Oscar Niemeyer'
Os desenhos a que Niemeyer se refere são as outras maquetes para
mosaico encontradas por João Cândido Portinari, que teriam sido
criadas para o altar da capela do Palácio do Alvorada. 'Esta obra ,
Jesus e os Apóstolos, foi encomendada a Portinari em 1957 pelo grupo
que construiu Brasília', diz João, que desde 2004 tenta executá-las.
'Tivemos uma chance na restauração do Palácio (entregue em abril).
Todas as instâncias aprovaram, mas nada aconteceu', diz.
'Iria corrigir a inexplicável ausência de Portinari em Brasília.
Afinal ele viveu a aventura modernista ao lado de Lúcio Costa, Oscar
Niemeyer, Bruno Giorgi e Burle Marx', argumenta o mosaicista Henrique
Gougon, companheiro de João na luta pela execução das maquetes. João
já cogitava que o veto poderia ter sido de Niemeyer. 'Levei a ele a
documentação, incluindo cartas e o desenho que meu pai fez, à mão, do
altar. Não me respondeu até hoje e acredito que essa tenha sido uma
forma educada de recusar', diz. E como o arquiteto é o 'pai da
criança', João se calou.
Mas a reportagem procurou por Niemeyer: 'Nunca vi esses desenhos. Não
vou mexer. As pessoas gostam assim', foi a primeira resposta. Em
seguida, Niemeyer aceitou ver as cópias que estavam em poder do
Estado, que foram enviadas por e-mail junto com uma cópia da carta
escrita por ele a Israel Pinheiro, que chefiava a Companhia
Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), em fevereiro de
1958, em que dá sua opinião e trata de detalhes da proposta. O
trabalho seria pago em três vezes, em parcelas de Cr$ 500 mil, Cr$ 200
mil e Cr$ 800 mil. A resposta veio dois dias depois (a que está em
destaque no início deste texto).
A reportagem ligou ainda uma vez e perguntou: a relação que o senhor
diz não existir é conceitual ou física? Explica-se: Niemeyer deu uma
entrevista em 1957 ao crítico Jayme Maurício, dizendo que Portinari
faria 'a decoração da capela de Brasília, com murais em
preto-e-branco, lineares apenas, pelas paredes, um grande vitral no
teto, além de azulejos dourados que fará vir da Itália'. E o desenho
apresentado agora a Niemeyer, de fato, não se parece em nada com essa
descrição. Niemeyer respondeu ao Estado que 'Portinari foi meu amigo,
trabalhamos juntos, mas esses desenhos eu nunca vi.'
Diante da insistência da repórter - 'Mas o João Cândido disse que
entregou toda a documentação ao senhor...' -, ele se esquiva: 'Não
conheço esses desenhos', repete, ignorando a pergunta. Um direito que
lhe reserva a idade avançada, já perto dos 100 anos, a completar no
ano que vem. A ligação foi encerrada sem que os motivos que levam o
arquiteto a impedir a realização de obra inédita do companheiro e
amigo ficassem claras.
José do Nascimento Júnior , diretor do departamento de Museus e
Centros Culturais do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), diz que
estuda uma forma de viabilizar a execução dessas maquetes. 'Podemos
encontrar outro lugar, no Palácio mesmo. O importante é dar uma
solução que agrade a todos', diz.
(©
Agência Estado)
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