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Prodi defende, para a UE, "uma Constituição limitada aos grandes princípios"

Romano Prodi


Salvatore Aloïse, Jean-Jacques Bozonnet e Arnaud Leparmentier

Em entrevista, o chefe do governo italiano analisa os próximos passos da integração européia, os problemas que ele encontrou em seu país desde que assumiu a presidência do Conselho, e explica as particularidades da Itália em relação aos seus vizinhos.

Le Monde - Durante a crise no Líbano, a Itália voltou a ocupar um lugar importante na cena diplomática. Essa iniciativa foi tratada como prioridade para mostrar o advento de um pós-Berlusconi?

Romano Prodi -
Não existe nenhuma vontade de revanche nem de mudança a qualquer custo. O que existe é uma escolha política precisa, que foi repetida ao longo da minha campanha eleitoral, em favor do multilateralismo, em sintonia com as Nações Unidas, e de um empenho em consolidar uma política européia comum. O caminho será longo, mas a política italiana é assim mesmo. Isso não significa uma hostilidade em relação aos Estados Unidos. Quando eu era presidente da Comissão européia, nós colaboramos na implementação da luta anti-terrorista e em projetos tais como o Galileo [sistema europeu de navegação par satélite]. Eu mostrei minha oposição num único ponto: a guerra
no Iraque. Hoje, chegou o momento de recompor uma política estrangeira
européia, num ambiente de amizade com os Estados Unidos. No caso do Líbano, foram estes pontos que nortearam a minha ação.

Le Monde - O senhor não chegou a temer uma nova divisão da Europa, entre outros por causa da posição da França?

Romano Prodi -
O processo foi complicado, mas nunca houve nenhuma linha divergente clara. Desta vez, a Europa não ficou dividida. Eu talvez tenha tido o mérito de ir em frente tranquilamente, enquanto os outros ainda estavam se decidindo, mas nunca houve qualquer oposição com a França.

Le Monde - Para promover a retomada do processo da integração européia, o ministro do Interior, Giuliano Amato, propôs a constituição de um grupo de "sábios".

Romano Prodi -
Esta iniciativa, à qual eu sou favorável, não poderá propor uma nova Constituição européia, mas ela será útil para reabrir o debate, sabendo-se que nada poderá ser feito até as eleições [presidenciais] francesas [de 2007]. O debate político pode ser retomado, em particular com propostas de princípio que poderão ser apresentadas em 25 de março de 2007, por ocasião do cinqüentenário do Tratado de Roma [pacto fundador do Mercado Comum europeu]. Em minha opinião, é possível elaborar um texto inspirado no projeto constitucional, porém muito simplificado. A terceira parte não pode
ser aprovada tal como ela se encontra. Pessoalmente, estou inclinado a
apoiar uma Constituição limitada aos grandes princípios. Mas é preciso rever também determinados aspectos operacionais. Desde a passagem da Europa dos Seis para aquela dos Quinze, a solidariedade instintiva que permitia tomar decisões por unanimidade já havia se tornado difícil. Na Europa dos 25, e depois dos 27, a unanimidade é o bloqueio absoluto.

Le Monde - O senhor chegou a ficar irritado com as críticas da Comissão européia em relação à insuficiência das suas medidas de economias no seu projeto de orçamento para o exercício de 2007?

Romano Prodi -
Eu fui professor por um tempo suficiente. Agora que eu estou na posição do aluno, eu entendo bem os erros que um professor pode cometer. É preciso ter o mesmo rigor para com todos. Quando eu era
presidente da Comissão, eu nunca escondi a minha oposição à derrogação
concedida à França e à Alemanha. Eu sei que eu tenho uma dívida mais elevada do que estes dois países, que eu devo me comportar de maneira mais rigorosa em relação às regras européias. Aliás, eu venho tentando introduzir na Itália a idéia de que essas regras têm um caráter restritivo, que obriga a fazer sacrifícios. Isso porque ter uma moeda única sem algumas regras econômicas comuns não funciona. E eu nunca escondi o meu ceticismo em relação à eficiência do processo de Lisboa [estratégia de política econômica e de desenvolvimento da UE que foi definida no Conselho europeu de Lisboa, em março de 2000], porque as comparações européias e a boa vontade não podem servir como regras duradouras.

Le Monde - Além do saneamento das contas públicas, o que o senhor
pretende fazer para reconduzir a economia italiana até o pelotão de frente europeu?

Romano Prodi -
Este é o ponto o mais difícil. A Itália tem fraquezas enormes. A evolução recente da produtividade tem sido ruim. Nós perdemos quase todas as nossas grandes empresas. As nossas 2.000 a 2.500 pequenas e médias empresas têm um bom potencial, mas elas são pequenas demais no quadro da globalização. Elas têm um problema de tamanho e para promover a inovação. Para a pesquisa científica, nós nos inspiramos no exemplo do plano Beffa [que fundou a Agência da Inovação Industrial]. Nós vamos diminuir o custo do trabalho, reduzindo os encargos. Por fim, um esforço será feito no sentido de favorecer as fusões das pequenas empresas entre elas, principalmente as empresas familiares.

Le Monde - Como fazer as "escolhas corajosas" quando se dispõe de uma maioria política estreita?

Romano Prodi -
Certas escolhas são mesmo difíceis, mesmo com uma
maioria confortável. Veja a Alemanha que dispõe de uma coalizão muito ampla. Os primeiros atos de liberalização que nós implementamos, e que dizem respeito às farmácias, aos táxis, às profissões liberais, etc., não são medidas menores. A coalizão tem sido unânime. Nada garante que haja resistências mais fortes dentro de uma coalizão de vários partidos do que com um só partido, porém composto de correntes diversas.

Le Monde - Em matéria econômica e social, a democrata-cristã Angela
Merkel poderia apresentar uma linguagem próxima á sua. O que é ser de
esquerda na Europa?

Romano Prodi -
Nós nos tornamos o país da Europa onde as desigualdades são as maiores. Para a Itália, ser de esquerda é querer restabelecer uma melhor redistribuição das riquezas. Além disso, existe na Itália uma evasão fiscal que não é encontrada em nenhum outro lugar. Berlusconi chegou a declarar que 40% da renda dos italianos escapavam do imposto. Ser de esquerda é buscar restabelecer a justiça no plano da repartição do esforço, sem, contudo, voltar atrás no plano social; é tornar o desenvolvimento de um país compatível com a manutenção das conquistas sociais.

Le Monde - Como definir a necessidade de solidariedades hoje, num mundo globalizado?

Romano Prodi -
Em relação a este aspecto, a União Européia é de
esquerda. É a única estrutura mundial dentro da qual as zonas as menos
desenvolvidas cresceram mais do que as zonas desenvolvidas, graças aos
fundos estruturais e a uma política regional séria. Um país desprovido de infra-estruturas tal como a Espanha transformou-se num país ultra moderno graças aos fundos europeus.

Le Monde - O sul da Itália é o exemplo oposto disso.

Romano Prodi -
É por culpa nossa. A Itália não soube tirar proveito dos Fundos europeus. Eles foram mal gerenciados, com a exceção de algumas regiões pouco conhecidas tais como a Basilicate ou o Abruzzo. Nós deveremos empenhar grandes esforços para mudar, mas a primeira coisa a fazer é reconhecer que nós desperdiçamos meios enormes.

Le Monde - A Itália chega a se sentir vítima do nacionalismo econômico francês no caso GDF-Suez [a companhia energética italiana Enel havia feito uma oferta de fusão com a GDF, mas foi descartada em proveito de Suez]?

Romano Prodi -
Para passarmos da fase de empresas nacionais para aquela de campeões europeus, nós precisamos de um processo equilibrado. Um país não pode ser apenas o caçador e um outro apenas a presa. A EDF (Electricité de France) tem 20% do mercado da energia na Itália. Seria do interesse da França que a Itália possa exercer um papel na emergência de empresas européias, em particular no setor da energia. Nós entendemos que é preciso deixar o mercado resolver essas coisas por ele mesmo, mas uma assimetria total e contínua não é politicamente aceitável. A reação da França de criar o grupo GDF-Suez em resposta à ofensiva da Enel reproduz esta assimetria. O interesse da França seria de negociar com sabedoria esta passagem rumo ao mercado europeu.

Le Monde - Em relação às questões de sociedade, tais como o casamento homossexual, o que o senhor acha da evolução da Espanha de Zapatero?

Romano Prodi -
De um país ao outro, as sociedades são muito diferentes. Na Itália, a nossa coalizão tomou um outro caminho, diferente da via muito radical de Zapatero. Em relação a essas questões, eu não vejo, no curto prazo, a possibilidade de uma política européia comum. As escolhas são relacionadas à cultura, aos aspectos religiosos de cada um. Nos Estados Unidos, alguns Estados têm a pena de morte, e outros não: isso não chega a questionar a unidade do país.

Le Monde - O programa do PS [o Partido Socialista francês] lhe parece adaptado à Europa e à globalização?

Romano Prodi -
A esquerda francesa não tem uma atitude homogênea, pró ou anti-européia. A relação da França com a Europa é mais complexa do que a da Itália. Nós somos europeus por definição. A França era um país moderno antes da Europa. Sem a Europa, a Itália ainda seria um país rural e fora do mundo. É muito mais difícil para a esquerda francesa ter um programa fortemente europeu. Aliás, para a direita também, a atitude em relação á Europa é muito diferente no interior de um mesmo partido. Em nosso país, é diferente; a entrada na zona do euro foi objeto de uma imensa satisfação. O país saía da sua exceção e se juntava aos outros. Mesmo se Berlusconi, depois disso, agiu de maneira a denegrir este evento, isso foi um grande momento de unidade nacional.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

(© Le Monde)


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