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O código Caravaggio

A Prisão de Cristo


Livro "O Quadro Perdido" dá verniz ficcional e detetivesco à busca real pela tela "A Prisão de Cristo", do pintor italiano

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Desaparecido por quase 200 anos, o quadro "A Prisão de Cristo", óleo sobre tela pintado em 1602 pelo italiano Michelangelo Merisi (1571-1610), mas conhecido pelo nome de sua cidade natal, Caravaggio, reapareceu em 1990. À época, a boa nova foi contemplada por jornais e revistas, mas os bastidores da redescoberta do quadro somente ganharam sabor literário quando o americano Jonathan Harr escreveu "O Quadro Perdido".

Lançado nos Estados Unidos no ano passado, o título, que acaba de chegar ao Brasil, foi considerado um dos dez melhores livros de 2005, na categoria de não-ficção, pelo jornal "The New York Times".

Ele tem, no entanto, uma "pegada" ficcional danbrowniana, misturando fatos reais e erudição trocada em miúdos. O prólogo, por exemplo, apresenta, com ares de história de detetive, o especialista em Caravaggio Sir Denis Mahon. Em seguida, vem um capítulo sobre "A Moça Romana", a "heroína" Francesca Cappelletti, 24, estudante de história da arte e pesquisadora que, sugere o narrador, está prestes a fazer uma grande descoberta.

"O quadro perdido e depois recuperado é importante apenas para historiadores da arte, no fim das contas. Tentei fazer com o que o leitor se interessasse pelos personagens, que se importasse com eles", declarou Harr à Folha, explicando o que chama de "textura" ficcional que deu aos fatos.

"Não queria que o livro tivesse a textura clássica de uma não-ficção histórica, mas a de um romance. Sem perder, ao mesmo tempo, a noção de que estava escrevendo sobre pessoas de verdade e que deveria ser o mais preciso possível."

Autor do best-seller "A Civil Action", não-ficção que originou o filme "A Qualquer Preço" (1998), com John Travolta, Harr aprendeu a extrair a textura (ou tempero ficcional das notícias) com sua experiência de colaborador da revista "New Yorker" e da "New York Times Magazine".

Foi para a revista do diário norte-americano, a propósito, que Harr escreveu, em 1994, um artigo sobre a notícia da redescoberta do quadro, numa residência jesuíta de Dublin, na Irlanda, assunto que retomou em 2000, como idéia para um livro, quando convidado para uma temporada no centro de pesquisa Academia Americana, de Roma.

O que mais chamava a atenção de Harr era o fato de que havia muitas cópias da obra, feitas por seus seguidores, além de evidências documentais históricas, dos contemporâneos de Caravaggio. Mas ninguém sabia onde a obra estava.

"E isto fez de "A Prisão de Cristo" a maior descoberta entre as obras de Caravaggio nos últimos 20 anos", ressalta o autor, para quem o quadro também representa um momento de ruptura na trajetória do pintor. "Após seu estágio juvenil, por assim dizer, os quadros de Caravaggio ficaram mais escuros, quando ele tinha cerca de 30 anos. Ele estava amadurecendo", conclui.

Investigação

A redescoberta do quadro segue, no livro, uma cronologia digna de um episódio do seriado "C.S.I.". Tudo começa com Cappelletti e outra jovem pesquisadora, Laura Testa, às voltas com a verificação da autenticidade de outro Caravaggio, "São João". Passa pelo histórico de compras e vendas do quadro e, à medida que telas são examinadas, e as técnicas do pintor, destrinchadas, Harr apresenta outros personagens, como o restaurador Sergio Benedetti, que tem um papel fundamental da "trama" do livro.

Para Harr, no entanto, a trama da redescoberta do quadro não teria a mesma força dramática não fosse a atribulada biografia de Caravaggio, que ele também apresenta.

"Ele é um personagem realmente louco. Acho que parte do fascínio por Caravaggio não vem apenas de seu trabalho, mas de sua vida. As duas coisas caminham juntas. Um cara que morre relativamente jovem, em circunstâncias um tanto misteriosas, depois de uma vida turbulenta e violenta. E que basicamente mudou o curso histórico da arte. Ele era um gênio. E eu não queria fuçar arquivos, seguir outros pesquisadores e escrever uma nova biografia dele. Queria recontar a realidade sem que ela soasse como a narrativa seca de um evento. Queria textura."

O QUADRO PERDIDO
Autor:
Jonathan Harr
Tradução: Adalgisa Campos da Silva
Editora: Intrínseca
Quanto: R$ 44 (292 págs.)

(© Folha de S. Paulo)


Artista teve vida violenta e misteriosa

DA REPORTAGEM LOCAL

Considerado um dos mais famosos e copiados pintores dos primórdios do barroco, no século 17, Michelangelo Merisi da Caravaggio foi bastante requisitado durante a Contra-Reforma, comissionado por uma igreja carente de nova iconografia espiritual. Foi quando pintou cenas religiosas com naturalismo e uso dramático do contraste claro e escuro, técnica de que "A Prisão de Cristo", agora na National Gallery da Irlanda, é exemplar.

O pintor, no entanto, tornou-se mera nota de pé de página para historiadores da arte à medida que seu realismo foi perdendo prestígio nos séculos 18 e 19. Caravaggio só foi redescoberto no século 20, quando o crítico de arte Roberto Longhi declarou, na década de 20, que Vermeer e Rembrandt não teriam existido sem ele, e que a arte de Manet, Courbet e Delacroix teria sido completamente diferente.

Anos mais tarde, foi a questão da sexualidade do pintor e do homoerotismo de suas obras que veio à tona e voltou a chamar a atenção para sua arte. O assunto foi retratado pelo diretor inglês Derek Jarman em "Caravaggio" (1986). No filme, além da mestria do pintor, foi revelada a vida turbulenta e violenta que levou.

Em 1606, teria matado um jovem de nome Ranuccio Tomassoni. Fugiu de Roma para Nápoles, foi preso em 1608 e dois anos depois dado como morto, em datas e circunstâncias que permanecem ainda um enigma.

(© Folha de S. Paulo)


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