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Aïnouz leva segundo longa a Veneza

O Céu de Suely, filme de Karim Aïnouz


"O Céu de Suely", novo título do diretor de "Madame Satã", estréia hoje na mostra italiana e chega ao Brasil em novembro

Filme propõe reflexão sobre a ética e o desejo ao contar a história de uma mulher que negocia o próprio corpo para viabilizar o sonho de migrar


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O 63º Festival de Veneza põe fim hoje à espera pelo segundo longa do diretor brasileiro de origem argelina Karim Aïnouz. "O Céu de Suely" terá sua primeira exibição pública na seção "Horizontes" da mostra.

Em seu filme de estréia, Aïnouz refez na ficção a trajetória de um anti-herói da vida real. "Madame Satã" (2002) foi reconhecido por recontar com brilho a trajetória do malandro carioca João Francisco dos Santos (1900-1976) e, por meio dela, jogar luz sobre um aspecto da "marginalidade" brasileira.

O acerto do primeiro título de Aïnouz fez com que fosse aguardado com interesse o segundo, "O Céu de Suely", em que o diretor decidiu "contar a história de um não-herói".

O filme foi convidado para o Festival de Cannes (17 a 28/5), mas não ficou pronto a tempo. "Aïnouz faz parte dos que representam o futuro", declarou à Folha o diretor-artístico de Cannes, Thierry Frémaux.

Mas se a carreira de Aïnouz aponta para o futuro do cinema, em "O Céu de Suely" ele aborda uma questão que julga oportuna do presente: "Acho que falar de ética hoje é algo importante", afirma.

É de uma ética particular que trata "O Céu de Suely", que a Folha assistiu em sessão apenas para a imprensa, na semana passada, em São Paulo.

Antes de passar à história, é preciso esclarecer que os principais atores do filme emprestam seus próprios nomes aos personagens. Assim, Hermila é o nome da protagonista, interpretada por Hermila Guedes -que acompanha hoje o diretor na sessão em Veneza.

Com um filho pequeno, Hermila deixa São Paulo e faz o caminho de volta ao Nordeste, até Iguatu, sua cidade natal, no sertão do Ceará. O marido deveria ir um mês depois. Não vai.

"O Céu de Suely" passa a ser então a história do encontro de Hermila com a desilusão amorosa, de seu reencontro com um lugar onde quase nada acontece e de seu permanente desejo de encontrar um lugar no mundo. Não será Iguatu.

Mas, para chegar ao ponto mais distante de Iguatu que seja possível alcançar de ônibus, é preciso dinheiro -que Hermila não tem nem conseguirá economizar com seu trabalho no posto de gasolina da cidade .

É quando ela faz sua fantasia (de escape) coincidir com a fantasia sexual dos homens da cidade. Hermila inventa a personagem Suely e rifa "uma noite no paraíso" (daí um dos significados do título do filme).

Por decisão de Aïnouz, acompanhamos a trama sempre pela ótica de Hermila. "Contar a história do não-herói de um ponto de vista subjetivo, estar do lado dela o tempo todo era um dos desejos centrais desse filme."

Outro desejo era o de "retratar o sertão como um espaço metafórico, mais do que físico", objetivo que o diretor consegue realizar plenamente. Não há um só olhar apiedado para a paisagem humana e geográfica de Iguatu.

Foi para mais bem integrar os atores aos personagens e à cidade que o diretor optou por chamar os personagens pelo nome de quem os interpreta.

Era uma tentativa de "eliminar a distância entre o ator e o personagem e também um flerte com o hiper-realismo, um exercício de mentir bem", diz.
Aïnouz sabe que a experiência se beneficia de não haver "nomes superconhecidos" no elenco, embora reúna um time de grandes talentos.

Hermila Guedes, a caroneira no furgão de "Cinema, Aspirinas e Urubus" (Marcelo Gomes), volta a encontrar João Miguel, o sertanejo Ranulpho no filme de Gomes, agora como um piloto de moto-táxi. O resto é o filme. E não é pouco.

(© Folha de S. Paulo)


Festival presta homenagem a Joaquim Pedro

DA REPORTAGEM LOCAL

O 63º Festival de Veneza não escalou títulos brasileiros para a sua competição principal, pelo cobiçado troféu Leão de Ouro, jamais obtido pelo Brasil.

"O Céu de Suely", de Karim Aïnouz, presente no festival, participa da seção paralela "Horizontes".

O diretor do festival, Marco Muller, no entanto propõe aos participantes da mostra "a redescoberta" de um dos mais importantes autores brasileiros.
Expoente do cinema novo, Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988) ganha retrospectiva de sua obra. Os títulos agora em cartaz no Lido, ilha-sede do festival, foram recém-restaurados digitalmente.

Em abril passado, durante o congresso da Federação Internacional do Arquivo Fílmico, realizado em São Paulo, o resultado da restauração digital da obra de Joaquim Pedro, coordenada por seus filhos, foi exibido pela primeira vez.

O trabalho recuperou das ameaças de deterioração e esquecimento longas e curtas, como "Guerra Conjugal" (1975, 90 min), "A Linguagem da Persuasão" (1970, 11 min), "O Poeta do Castelo" (1959, 11 min) e "Os Inconfidentes" (1972, 77 min), que competiu em Veneza.

(© Folha de S. Paulo)


Veneza: Sonia Braga conta como foi ser dirigida por Ethan Hawke

Bianca Kleinpaul - O Globo

RIO - Sonia Braga se surpreendeu com a rapidez que "The hottest state", rodado em janeiro, ficou pronto.

O filme vai ser exibido esta sexta-feira em Veneza? Que maravilha! - diz ela, explicando que o diretor do filme é super organizado. - Ethan (Hawke) sabe o que faz. Além de autor do livro e do roteiro é diretor. Praticamente filmou editando.

"The hottest state", baseado no livro homônimo de Hawke e lançado esta sexta em Veneza na mostra não-competitiva Horizonte, é a mais nova empreitada da atriz brasileira no cinema americano. O filme é "super independente, o que chamamos de sem trailer", diz ela.

Seu papel é pequeno, mas Sonia Braga conta com entusiasmo o quão prazeroso foi conhecer Ethan Hawke. O ator é um relutante astro do cinema americano. Filosófico (vide "Antes do amanhecer", "Antes do pôr-do-sol" e "Waking life", que atuou e co-escreveu os roteiros), virou galã da Geração X. Lançou dois romances e já dirigiu dois filmes: o curta "Straight to one" (1994) e "As paredes do Chelsea Hotel" (2001).

- Ele é um animal do cinema - define Sonia. - Me lembra um pouquinho os anos 60, com aqueles intelectuais super profundos, interessados e bem humorados. Sonia Braga vive a mãe de Sarah, interpretada pela colombiana Catarina Sandino Moreno (de "Maria cheia de graça").

Ethan Hawke se apaixonou pelo trabalho de Catarina e a convidou para o filme, que acabou com o roteiro alterado para a entrada de uma personagem latina. Com isso a necessidade de outra atriz latina para ser a mãe de Sarah. Foi na estréia de "Diários da motocicleta", de Walter Salles, em Nova York, que Ethan conheceu Sonia Braga pessoalmente.

Ele estava com um amigo meu e dei um alô. Quando já estava no Brasil ele pediu o telefone para minha manager e me ligou. "Lembra quando a gente se conheceu? Desde aquela noite estava querendo ter você em um filme meu" - relata Sonia. - Ele é assim, já vai moldando história, elenco... "The hottest state" é uma história de amor entre o jovem americano William Harding (Mark Webber) e Sarah, que não deixou para trás sua origem latina ao contrário da mãe "bem americanizada".

Os casal não se acerta com as diferenças de vida e de origens. Sonia conta que teve uma longa conversa com Hawke sobre relações a dois inspirada pela história do filme. - Eu solteira e ele separado imagina como foi a conversa - diverte-se a atriz. - Engraçado que o personagem que eu mais me identificava era o teenager masculino (o jovem quer consolidar o romance ao contrário de Sarah).

Mas me via como o futuro da garota. Uma romântica que foge de relacionamentos e chega a esse ponto da vida feliz sozinha. E se me chamarem para 'Lost'? Logo agora que estou aqui???

Entre os vários elogios a Ethan Hawke, a brasileira destaca o valor do diretor pelo conjunto de sua equipe. Ela conta que recebeu um pôster com a foto de todos que participaram das filmagens logo após voltar ao Brasil. - Sempre foi um sonho para mim não separar elenco e equipe, cast e crew. Sonia só filmou durante dois dias.

Acredita que apareça apenas em uma cena. Mas diz ter grande prazer em faze parte do "todo". - Não existe pessoas com papéis menores ou maiores. Quando fiz "Beijo da Mulher-Aranha" era uma parte pequena, mas o importante era participar do todo.

O papel de protagonista nem deveria existir. O principal é sempre o filme. Dedicada à sua personagem na novela "Páginas da vida", Sonia Braga pediu "um tempo" à empresária que cuida de sua agenda internacional.

- Vai que aparece uma coisa grande e eu fico tentada -conta rindo.

- E se me chamarem para "Lost"? Logo agora que estou aqui??? Não. Prefiro nem saber. Quando estiver voltando aviso todos.

(© O Globo)

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