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Spike Lee recorda que as
previsões da meteorologia eram bem claras |
Cineasta
denuncia o descaso na tragédia causada pela passagem do furacão
Katrina há um ano, na cidade que é berço da música negra
Luiz Zanin
Oricchio, enviado especial
VENEZA, Itália -
Para Spike Lee não foi o furacão Katrina que causou tantas mortes e
destruição em New Orleans, um ano atrás - foi a incúria e o descaso
humanos. O desinteresse do governo está por trás do destino dos negros
e dos pobres, que foram atingidos por uma catástrofe natural. Esse tom
político domina o vasto documentário "When the Leeves Broke: a Réquiem
in Four Acts" (Quando os Diques se Rompem: um Réquiem em Quatro Atos),
com exatos 255 minutos de duração, ou seja 4 horas e 15 minutos.
Nesse tempo todo, Lee ouve a palavra
de sobreviventes e de algumas autoridades (entre elas, o prefeito de
New Orleans, mas também Bush e Condoleezza Rice). Mostra cenas
impressionantes de devastação e não poupa o espectador das imagens
mais duras de cadáveres boiando no rio ou decompondo-se à luz do dia.
Ou seja, faz o trabalho sujo que as emissoras de televisão não fizeram
na época, ou mesmo depois de tudo o que Aconteceu.
Previsões a meteorologia eram bem
claras
Lee recorda que as previsões da
meteorologia eram bem claras, o furacão que se aproximava tinha força
máxima e nem por isso medidas de proteção foram tomadas com
antecedência. Quando foram, já era tarde demais. Pelo menos para a
parte da população que não tinha como fugir por conta própria, os
pobres, velhos, os doentes. Esses foram ficando para trás e sofreram
as conseqüências. Mostra também o durante e o depois, quando o socorro
aos que ficaram ilhados não chegou a tempo, nem houve mantimentos ou
remédios para todos que deles necessitavam. As cenas impressionam.
Fora do contexto, pareceriam imagens vindas da África e não do país
mais rico e poderoso do planeta.
"Essa é uma realidade que tomamos
todo o cuidado de esquecer", diz Spike Lee. "A América é o país mais
poderoso do mundo, mas existe muita pobreza dentro dela, e há uma
coisa que precisa ser dita com todas as palavras: Bush não tem o menor
interesse por essa parte da população, seja ela branca ou preta"
afirmou na entrevista concedida em Veneza.
Spike Lee disse que buscou realmente
causar impacto político com esse filme. "O trabalho de reconstrução de
New Orleans está todo ainda por ser feito; no ritmo que vai, não
ficará concluído nem em dez anos", disse.
Filme passou na rede de TV HBO no
aniversário da catástofe
O filme foi exibido nos Estados
Unidos dia 29 de agosto (quando se completou um ano do furacão) na
rede de TV HBO e, segundo Lee, "causou grande embaraço a Bush e seu
estafe". "Espero mesmo que se sintam incomodados e acelerem os
trabalhos de reconstrução da cidade." Disse que, se pudesse, amarraria
Bush e seu secretariado na cadeira e os obrigaria a ver aquelas
imagens - "como naquela cena de ´A Laranja Mecânica´, de Kubrick".
O diretor de "Faça a Coisa Certa"
disse ainda que os estragos do Katrina, junto com o "fiasco no
Iraque", serviram para abrir os olhos da população americana para a
realidade do governo Bush. "Acho que as pessoas se iludiram e
reelegeram Bush na comoção do 11 de setembro e agora estão se dando
conta do erro que cometeram", disse.
As mais de quatro horas do filme se
dedicam a mostrar exatamente a indignação dos moradores de New Orleans
com o descaso do governo diante da catástrofe. Katrina assume uma
função tristemente didática, ao mostrar com muita clareza o caráter
classista do governo federal norte-americano. "Bush governa para quem
tem conta bancária alta e não para a maioria da população", denuncia o
cineasta.
Cidade de Louis Armstrong e berço
da música negra
"When the Leeves Broke" não
apresenta apenas momentos de devastação e cenas tristes. Há toda uma
enorme seqüência dedicada à fantástica cultura de New Orleans, um
melting pot de influências negras, indígenas e européias.
É lá o berço da grande música negra
e foi onde nasceu Louis Armstrong, um dos grandes músicos do século.
É lá que acontece o carnaval, o
Mardi Gras, e onde as bandas acompanham os enterros com músicas
tristes e voltam do cemitério tocando temas alegres. "Para mostrar que
ficamos tristes porque a pessoa morreu e ao mesmo tempo estamos
contentes e gratos por que a conhecemos em vida", diz um dos
personagens.
Essa tradição tem também o sentido
de que a vida segue, apesar de tudo. Impossível assistir a esse filme
sem se indignar com essa história de descaso e, ao mesmo tempo,
sentir-se apaixonado por aquela cidade e a sua gente.
(©
Agência Estado)
Brian De Palma vai
rodar próximo filme em Veneza
O
cineasta, que compete no 63.º Festival de Cinema de Veneza com o filme
"A Dália Negra", vai rodar na cidade "Toyer", a continuação de "Os
Intocáveis"
ANSA
VENEZA, Itália -
O cineasta Brian De Palma, que nesta quarta-feira apresentou, na
abertura do 63.º Festival de Cinema de Veneza o filme "A Dália Negra",
voltará para Veneza para rodar seu próximo trabalho. Trata-se de
"Toyer", a continuação de "Os Intocáveis", sua obra-prima de 1987 que
tem um elenco de peso: Sean Connery, Robert De Niro, Kevin Costner e
Andy Garcia.
"Conto a ascensão de Al Capone e a
sua relação com Jim Malone, o personagem que foi de Sean Connery no
primeiro filme. A nova história terminará no dia do massacre de São
Valentino", adiantou De Palma.
A produção, que é uma adaptação do
romance de Gardner McKay e deverá chegar aos cinemas italianos em
2007, foi definida pelo diretor como "um filme da atmosfera de horror
ambientada em Veneza, durante o carnaval".
No elenco de "Toyer" estão previstos
até agora Colin Firth e Juliette Binoche. A cenografia é de Gardner
McKay.
(©
Agência Estado)
"Hollywoodland",
exibido em Veneza, retoma a trama noir
O filme
baseado em fatos reais traz Ben Affleck no papel de George Reeves,
cujo assassinato é investigado pelo detetive Louis Simo (um brilhante
Adrien Brody)
Luiz Zanin
Oricchio, enviado especial
VENEZA, Itália -
Pode ser que o noir não esteja na moda e tudo não passe de
coincidência. Mas, como explicar que, depois de "A Dália Negra", de
Brian De Palma, o concorrente seguinte de Veneza seja este
"Hollywoodland", de Allen Coulter, mais ou menos sobre o mesmo
período, e também com o mesmo clima e mesma localização geográfica, lá
mesmo na indústria dos sonhos Los Angeles?
Bem, coincidência ou revival, o fato
é que "Hollywoodland" se parece muito a um Chinatown dos anos 2000, e
inspirado num fato real, o assassinato de George Reeves (Ben Affleck).
Reeves era o Super-Homem da série de TV, encontrado com uma bala na
cabeça, um suicídio aparente. Quem entra no caso é o detetive
particular Louis Simo (um brilhante Adrien Brody), a pedido da mãe do
ator, que não acredita que o filho tenha se matado.
"Hollywoodland" tem todas as
características de um noir, e mais ainda, a noção crítica de que a
indústria da fama produz milionários e também produz miseráveis, uma
consciência que Hollywood já tinha desde, pelo menos, "O Crepúsculo
dos Deuses", de Billy Wilder. Aqui será a figura do detetive (como
Jack Nicholson, na "Chinatown" de Roman Polanski) a descer aos
infernos de uma sociedade movida pelo glamour. E pela corrupção. Não
faltam ingredientes clássicos como a mulher vampiresca (Diane Lane)
casada com um produtor voraz (Bob Hoskins), tão impiedoso com o mundo
quanto compreensivo com a esposa. Também está lá a imprensa mundana,
numa prefiguração do que seria a época da celebridade que é a nossa.
Em entrevista, Brody comentou que o
drama do personagem de Reeves, no fundo, é o de todo ator: "Nosso
objetivo, nessa profissão, é criar um nível de credibilidade que, bem
sucedido, acaba fazendo com que o público confunda o personagem com o
sujeito real, de carne e osso." Essa confusão do público entre o real
e o imaginário que lhe é servido cobra seu preço. O filme trabalha
justamente nesse nível, no desejo pela fama, que acaba devorando muita
gente no mundo do show biz. "Nesse sentido", acho que quis fazer um
filme sobre a busca da identidade, que atinge dois homens, o ator
George Reeves e o detetive Lous Simo" diz o diretor Allen Coulter
sobre este que é o seu longa-metragem de estréia. De fato, Reeves é o
ator que não se conforma em ser apenas um Super-Homem da TV e quer
mais. Simo também quer ser um super-homem em seu campo de atividade.
Não hesita em descer aos infernos para isso e também terá seu preço a
pagar. Um belo filme, com um pé no aspecto trágico da indústria da
fama.
Lennon - É curioso que a história da
morte violenta de um ídolo popular tenha lembrado também um outro bom
filme exibido na véspera, o documentário "The US vs John Lennon". O
ex-Beatle John Lennon, como se lembra, foi assassinado a tiros em Nova
York, onde morava. O crime chocou o mundo em 1980, mas o documentário
de David Leaf e John Scheinfeld recorda que Lennon era, havia muito,
figura indesejada nos Estados Unidos. Por seu apoio às manifestações
contra a Guerra do Vietnã, e por outras atitudes libertárias malvistas
pelo FBI, Lennon sofreu pressões e um longo processo de expulsão dos
Estados Unidos, que só teve fim com a renúncia de Nixon no desfecho do
caso Watergate.
O filme é um documento bastante vivo
sobre a época, sobre aquele arco do tempo que vai dos anos 60 aos 80,
ou seja, do sonho à queda na real. Era um tempo em que ainda se
acreditava em causas coletivas e no processo de liberação dos
indivíduos e da sociedade. Concorre na mostra Horizontes, a mesma do
brasileiro "O Céu de Suely", de Karim Aïnouz, que tem sessão marcada
para sábado que vem, no fim do festival.
Também nesta mostra Horizontes
compete "Infamous", de Douglas McGrath, nova interpretação da história
do escritor Truman Capote. Inspirado no livro de George Plimpton sobre
o autor de "A Sangue Frio", McGrath recria a atmosfera frívola de
Manhattan e depois a opressiva do Kansas, para onde Capote foi em
busca da história que faria sua fama - o assassinato de uma família
inteira numa até então sossegada cidade do interior.
O diretor põe ênfase na
homossexualidade do personagem, e seu envolvimento afetivo com um dos
assassinos, Perry, um modo talvez utilitarista de obter confissões
interessantes para o livro. O filme apresenta um tom trágico,
insinuando que o sucesso também cobrou seu preço a Capote, que
tornou-se decadente após a publicação e o êxito de "A Sangue Frio".
Nada mais escreveu de significativo. Passou a beber cada vez mais e
publicou apenas coletâneas de artigos pelo resto da vida.
De certa forma, os filmes americanos
apresentados até agora, tão diferentes entre si, falam sempre disso,
do preço da fama, do fardo que significa obter sucesso em sociedade
tão competitiva. Devem saber do que estão falando.
(©
Agência Estado)
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