O compositor Amilcare
Ponchielli, aujtor da ópera La Gioconda
Montagem reapareceu 37 anos depois e agradou,
apesar de defeitos na encenação e no equilíbrio entre vozes e orquestra
Embora não seja realmente música de primeira, é
inegável o rendimento cênico de La Gioconda, de
Amilcare Ponchielli, graças à sua profusão de melodias atraentes
e às possibilidades que oferece a seus intérpretes. Em compensação, essa
típica "ópera de cantores" precisa de um elenco muito bom para manter-se
de pé. Foi o que aconteceu, sábado, na estréia, no Municipal, dessa
ópera que São Paulo não via há 37 anos (a última vez foi em 1969).
Vinda de Manaus, a produção de Alejandro Chacón foi montada em torno da
soprano brasileira Eliane Coelho, estrela da Ópera de Viena. Ela fez da
protagonista uma caracterização rica em coloridos, dando tratamento de
grande relevo a seus melhores momentos: o dueto com Laura, no segundo
ato; e sobretudo a ária "Suicidio!", o dueto e o trio do quarto ato. Com
controle absoluto da tessitura pré-verista da personagem, em que há
temíveis saltos de oitava, e uma presença em cena que impõe respeito, a
interpretação de Eliane Coelho foi de alto nível.
A beleza do timbre e o domínio da escrita garantiram à Laura de Denise
de Freitas estar em perfeito pé de igualdade com a grande diva. Além de
uma execução impecável da oração "Stella del marinar", Denise se saiu
muito bem na grande confrontação de Laura, no segundo ato, com a
Gioconda - na qual está presente, todo o tempo, a marca de Carlos Gomes
- e também nos duetos com Enzo e Alvise.
Foi notável a forma como Regina Elena Mesquita mobilizou os recursos de
sua fase atual de carreira, para compor, de maneira muito convincente, o
perfil de La Cieca, a mãe da Gioconda. Também o baixo Luiz Ottavio Faria
fez, com muita propriedade, o marido de Laura, Alvise, tirando o melhor
partido possível de "S, morir ella dè", ária que, musicalmente, é muito
fraca.
Barnaba é mais um papel de barítono feito por Licio Bruno em tempos
recentes. A voz volumosa e bem projetada, a boa presença em cena fazem
com que ele o realize de forma basicamente satisfatória. Mas, ao ouvir
os agudos laboriosos de "O monumento", ou a última nota de "Pescator,
affonda l'esca", que saiu gritada e esgarçada, é o caso de se perguntar
quanto tempo mais a sua voz privilegiada há de agüentar os esforços a
que está sendo submetida.
É muito bonito o timbre de Kalúdi Kalúdov. Mas falta à sua voz, de
natureza mais lírica, a pasta de tenor spinto requerida por Enzo . Não
foi má a sua participação na estréia, embora tenha sido apenas correta a
sua interpretação de "Cielo e mar", o ponto culminante de seu papel. Ele
é também prejudicado por seu restrito desempenho em cena - e, nisso, a
direção de atores de Chacón em nada o ajudou. Enzo e Laura não se vêem
há muito tempo. Há sentido em que, ao se verem, esses dois amantes
apaixonados ficarem plantados, como dois postes, em pontos extremos do
palco, olhando fixamente para o maestro?
Essa foi, de resto, uma tônica do espetáculo, e só à experiência maior
de Eliane Coelho devemos ela ter sido a única que se movimentava no
palco com maior desenvoltura. Embora apoiada em bonitos cenários de
Marcos Flaksman e figurinos adequados de Adán Martinez, a encenação de
Chacón é de um estilo velhusco, com uso estático do coro, e algumas
tolices: na cena da festa, por exemplo, Alvise está à espera de seus
convidados, mas o primeiro casal que entra passa por ele sem
cumprimentá-lo. Isso sem mencionar certas escorregadelas de mau gosto,
como a da óbvia solução de luz para o final do segundo ato.
Mau gosto, porém, que perde longe para a bisonha coreografia da "Dança
das Horas". Além de muito feia, ela pouco tem a ver com o contexto da
ópera - em que pese a idéia do pêndulo, os ginastas dependurados do
teto, que parecem querer sugerir a passagem do tempo -, e destoa do
estilo da encenação, expondo os pobres membros do Balé da Cidade a um
exercício de aeróbica vagamente ridículo (inversamente, a Furlana do
primeiro ato, usando figuras da Commedia dell'Arte, funcionou melhor).
Se excetuarmos a freqüência com que foi deficiente o controle do
equilíbrio vozes/orquestra, resultando em uma execução às vezes muito
truculenta - o que pode ser dito também do Coral Lírico -, a Sinfônica
Municipal ofereceu execução de muito bom nível; e foi fluente a condução
do maestro José Maria Florêncio, com eventuais achados muito bonitos nas
passagens mais líricas. Graças, sobretudo, ao nível de conjunto de seus
solistas , La Gioconda retorna de forma honesta ao palco do Municipal.
SERVIÇO: La
Gioconda. Teatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo, s/n.º, 3222-8698.
Hoje e 6.ª, 20h30; dom., 17 h. R$ 20 a R$ 40