Eduardo Fradkin
O
tema do último movimento da 9 sinfonia de Beethoven e a
“Primavera” de “As quatro estações”, de Vivaldi, são provavelmente
os trechos de música clássica mais tocados em todo o mundo, em
rádios, filmes, comerciais de TV, restaurantes, elevadores,
celulares etc.
É difícil passar
algum tempo sem se ouvir a “Primavera” numa propaganda ou num
filme em cartaz nos cinemas. Prova disso é que ela está numa cena
de “Superman — O retorno”, em que o culto vilão Lex Luthor a
escuta a bordo de seu navio enquanto planeja matar bilhões de
pessoas (mas não inspirado por Vivaldi).
“As quatro
estações” agrupadas com duas outras pérolas do período barroco — o
curto “Canon” (ou “Cânone”) de Pachelbel, com sua beleza
concentrada, e o “Concerto de Brandemburgo n 3”, de Bach —
preenchem o livro-CD desta quarta-feira da Coleção Mestres da
Música Clássica, à venda com O GLOBO.
Rousseau fez versão da “Primavera” para flauta solo
Embora seja interpretada por orquestras como uma obra
independente, “As quatro estações” pertencem a um conjunto mais
amplo, chamado “Il cimento dell’armonia e dell’inventione” (“O
desafio da harmonia e da invenção”), uma série de 12 concertos
para um pequeno grupo de músicos com violino à frente. Deles, sete
são descritivos: os quatro que correspondem às estações do ano, um
que retrata uma tempestade marítima, “A caça” e “O prazer”.
Desde o seu
surgimento em 1725, esses concertos se tornaram muito conhecidos,
especialmente na França. Em 1775, o filósofo e músico diletante
Jean-Jacques Rousseau fez uma versão da “Primavera” para flauta
solo. A mesma obra inspirara, dez anos antes, um moteto do
compositor francês Michel Corrette. Entre os admiradores da
“Primavera” estava o rei Luís XV, que freqüentemente pedia que
fosse tocada. No século XX, o argentino Astor Piazzolla prestou um
tributo ao gênio barroco ao conceber suas “Quatro estações
portenhas”.
A obra-prima de
Vivaldi é, além de tudo, um exemplo histórico de “música
programática”, isto é, que evoca idéias extramusicais. No fim da
“Primavera”, por exemplo, há uma agitação que representa uma
tempestade. O próprio compositor deixou indicações pictóricas como
“langor causado pelo calor”, para o “Verão”, e “cão latindo”, para
uma passagem no início da “Primavera”, além de sonetos vinculados
à música. Não foi ele, contudo, quem inventou esse gênero musical,
no qual outros vieram a brilhar posteriormente, incluindo
Beethoven e Tchaikovsky (esse último, curiosamente, tem uma obra
para piano chamada “As estações”, que retrata atmosferas e fatos
associados a cada mês do ano).
“Canon” de Pachelbel é tocado em casamentos
O estilo do italiano Vivaldi influenciou o alemão Johann Sebastian
Bach, o que pode ser percebido em algumas de suas obras
instrumentais, como os “Concertos de Brandemburgo”, principalmente
os de número 1, 3 e 6. A série de seis concertos foi composta para
o margrave de Brandemburgo, Christian Ludwig. Ao lado das seis
suítes para violoncelo solo e das quatro suítes orquestrais, é o
conjunto de obras instrumentais de Bach mais querido pelo grande
público (já os músicos e os ouvintes entendidos poderiam citar
também ”O cravo bem-temperado” e “A arte da fuga”, que são mais
complexos).
O “Canon” de Pachelbel foi composto originalmente para três
violinos e baixo contínuo, no fim do século XVII, porém ganhou
mais volume ao ser adotado por orquestras no século XX. É uma peça
freqüentemente tocada em casamentos e presente em coletâneas de
hits da música clássica.
Desde a década de
1970, passou a ser muito usada também na música popular. Consta
que o grupo vocal pop espanhol Tops foi o primeiro a adaptá-la a
um arranjo popular, numa canção de 1968. No cinema, o primeiro
grande cineasta a usá-la foi o alemão Werner Herzog, no filme “O
enigma de Kaspar Hauser”. Mas o caso mais famoso foi o do filme
“Gente como a gente”, estréia de Robert Redford na direção e
grande premiado no Oscar de 1980. O tema principal do longa era o
“Canon” de Pachelbel.