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Naturezas-mortas de Morandi ganham mostra

 

Estação Pinacoteca exibe apenas oito trabalhos do importante pintor italiano

Exposição, que fica em cartaz até setembro, tem outras 24 obras de artistas como De Chirico, Carrà, Semeghini e Severini


DA REPORTAGEM LOCAL

Nos últimos seis anos, a arte italiana tem ganhado destaque nas mostras da Pinacoteca do Estado. Depois de Giacomo Balla, em 2000, Carlo Carrà e De Chirico, entre outros, na exposição "Novecento Sudamericano", e Mario Merz, em 2003, agora é a vez de Giorgio Morandi, um dos mais respeitados pintores do século 20, ser apresentado na Estação Pinacoteca.

Trata-se de uma exposição camerística, a se notar pelo número de obras do artista que dá título à mostra, "Giorgio Morandi e a Natureza-Morta na Itália": são apenas oito assinadas por ele, além dos 24 trabalhos de outros 15 artistas, como Gino Severini e Pio Semeghini.

Morandi (1890-1964) é artista com grande presença nos anos 50 no Brasil. Participou da primeira Bienal de São Paulo, em 1951, com 19 obras; depois, com 25 trabalhos na 2ª Bienal, em 1953, e 30 na quarta, em 1957, quando ganhou o Grande Prêmio. Dessa última leva, a mostra na Pinacoteca apresenta a tela "Vaso de Flores".

O que une Morandi à natureza-morta? "Para este artista a natureza-morta é uma maneira de ser, é um filtro através do qual a realidade é lida, interpretada e sublimada", diz o curador Renato Miracco, no catálogo da exposição.

Após as vanguardas artísticas no início do século, como o futurismo, a pintura italiana ganhou traços conservadores, marcada pelo figurativismo, o que ocorreu em grande parte pela adesão de vários artistas ao fascismo, entre eles Morandi.

Sua obra, no entanto, graças à sensação de calma meditação que envolve seus quadros, é comparada à de Cézanne.

Entre os temas usados pelo artista, o que de fato o torna reconhecido é a representação de garrafas, recipientes, vasos e jarras. Morandi os comprava de segunda mão para depois retratá-los em telas. Na exposição, cinco obras pertencem a esse universo do artista. O pintor brasileiro Paulo Pasta, que realiza um claro diálogo com a obra do italiano, irá expor seus trabalhos no mesmo andar da mostra de Morandi, em duas semanas.

Entre os demais artistas presentes na mostra, um dos destaques fica com Giorgio de Chirico (1888-1978), para quem "os motivos das naturezas-mortas são os signos passionais de um alfabeto metafísico, signos de um código moral e estético das representações com as quais construímos na pintura uma nova psicologia metafísica das coisas". (FABIO CYPRIANO)

GIORGIO MORANDI E A NATUREZA-MORTA NA ITÁLIA
Quando:
abertura hoje (para convidados), das 19h30 às 22h; ter. a dom., das 10h às 18h; até 3/9
Onde: Estação Pinacoteca (lgo. General Osório, 66, centro, SP, tel. 0/xx/ 11/3337-0185)
Quanto: R$ 4; grátis aos sábados

(© Folha de S. Paulo)


Em busca da essência das coisas

Morandi fez de objetos do cotidiano signos da sensibilidade moderna sem desprezar a tradição

Antonio Gonçalves Filho

Um pintor figurativo capaz de influenciar toda uma geração de pintores abstratos sem nunca ter abandonado os objetos de sua adoração parece algo improvável como um ateu ajoelhado diante da imagem de um santo. Mas ele existiu. Giorgio Morandi era seu nome. O pintor italiano, morto em 1964, está sendo homenageado com uma exposição que reúne não só algumas de suas melhores obras como pinturas, desenhos e mosaicos de seus contemporâneos. Giorgio Morandi e a Natureza-Morta na Itália, a mostra que será aberta hoje, para convidados, na Estação Pinacoteca, revela como sua influência marcou profundamente os pintores de sua geração (e as outras que viriam). E, em especial, atesta a maestria de Morandi no gênero natureza-morta, uma das razões de todo o barulho que se faz quando se fala das silenciosas pinturas do artista de Bolonha.

As melhores pinturas da mostra pertenceram ao historiador Roberto Longhi (1890- 1970), um dos grandes críticos italianos ao lado de Giulio Carlo Argan (1909-1992). Longhi foi colecionador e amigo de pintores como Morandi e Carrà. Foi graças a ele que o Brasil acabou descobrindo sua arte. O crítico insistiu que o pintor participasse da 4ª Bienal de São Paulo, em 1957, onde ganhou sala especial, garantindo a Morandi o prêmio de pintura na mostra internacional. Ele, que havia participado da primeira edição (1951), esteve também presente com cinco obras na 2ª Bienal (em 1953), levando para casa o prêmio de gravura.

Morandi e a Natureza-Morta na Itália apresenta ainda uma seleção (um tanto irregular) de 24 obras de outros 14 artistas que Longhi ajudou a divulgar. Com curadoria do crítico Renato Miracco e de Maria Cristina Bandera, diretora da Fundação de Estudos da História da Arte Roberto Longhi, de Florença, a exposição traz oito obras fundamentais na trajetória de Morandi, pertencentes à fundação e a colecionadores particulares. Além delas, exibe 24 outros trabalhos assinados por contemporâneos seus que se dedicaram ao tema da natureza-morta: De Chirico, Severini, Carrà, De Pisis, Manzù, Semeghini e Cesetti, entre outros (leia texto abaixo).

A associação já foi tentada há dez anos aqui mesmo, só que com artistas brasileiros, na exposição Morandi no Brasil, realizada no Centro Cultural São Paulo. Nela, reuniram-se artistas que, marcados pela obra de Morandi, dialogaram com ela trabalhando em registro similar: Iberê Camargo, Milton Dacosta, Amilcar de Castro, Eduardo Sued, Paulo Pasta e Tunga, entre outros. Os discípulos tardios fora daqui são inúmeros e, para citar apenas um pintor que ainda deve muito às descobertas de Morandi, Sean Scully parece o exemplo mais acertado. O contemporâneo irlandês faz pela faixas o que Morandi fez pelas garrafas, transportando-as para um mundo emudecido, fora da realidade circundante.

Scully é um abstrato com um pé no real. Não tem pudor de revelar suas fontes (janelas e portas). Morandi , antecipando Scully, busca um momento quase hierofânico em objetos banais como garrafas, vasos e candeeiros, o momento em que revelam sua existência, ou ganham "vida própria", para usar uma expressão do curador Miracco. O crítico resiste a chamar de naturezas-mortas essas composições de Morandi, preferindo denominá-las "mortas-vivas". Com justa razão. O existencialismo de Morandi se define na mesma relação do ateu do início deste texto: sua crença neoplatônica nos objetos é principalmente a fé na sobrevida dessas garrafas como signos de uma vitória sobre a morte.

Entretanto, como observou Michela Scolaro, curadora de outra mostra de Morandi (no Masp, em 1997), os protagonistas dessas obras não são elementos metafísicos, mas perfeitamente reconhecíveis, "sem quaisquer inclinações à simbologia". Scolaro reitera a posição de Argan. Este jurava que Morandi ria quando alguém falava do seu "amor" por esses objetos. Ele não os amava, absolutamente, defendia o crítico. Retirava deles seu caráter poético para fazer de bules, xícaras, lamparinas, vasinhos e garrafas entidades a que se pudesse agregar um valor ético.

Morandi pintou mais de mil telas e atravessou os 50 anos mais dinâmicos da arte do século 20, lembra o curador da mostra, "sem se deslumbrar com as vanguardas". Fiel a seus princípios, colecionava esses objetos humildes e inúteis em seu quartinho para que fossem testemunho de uma melancolia doméstica que conduz ao confronto com o real. É nesse processo do conhecimento da realidade que Morandi arma o cenário de sua peça metafísica. Nela, os protagonistas saem do cotidiano para entrar na história rumo à essência das coisas.

(SERVIÇO)Giorgio Morandi e a Natureza-Morta na Itália. Estação Pinacoteca. Largo General Osório, 66, 3337-0185. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. R$ 4 (sáb. grátis). Até 10/9

(© Agência Estado)

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