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Lembrando Sérgio Endrigo

20/09/2005

 

Carlos Alberto Afonso
Professor e diretor da Toca do Vinicius

   A recente morte do músico, autor, compositor e intérprete Sérgio Endrigo enche de tristeza e lembranças uma geração que, a partir dos anos 60, incorporou canções como Io che amo solo te e Canzone per te - seus maiores êxitos brasileiros - à trilha musical de seu tempo.

   A primeira delas, música e letra de Endrigo, foi lançada no Brasil em 1963, quando nosso mundo musical se compunha de sons que vinham desde os Beatles até Henri Mancini; desde a bossa nova e a Garota de Ipanema (já em processo de exportação) até a jovem guarda, em pré-alvorada; desde os românticos franceses (Aznavour, Becaud) e italianos (Nico Fidenco, Peppino di Capri e o próprio Sérgio Endrigo) até os Festivais da Canção e seus conhecidos desdobramentos. Foi naquele concorrido contexto, que a delicada Io che amo solo te nasceu com fôlego de sedução que lhe vem garantindo renovadas gravações.

   Com Canzone per te (Endrigo, Bardoti e Bacalov), Sérgio venceu o Festival di Sanremo de 1968. E, no gostoso tempero da vitória, um sabor brasileiro: o rei Roberto Carlos foi o intérprete. Também esta tem sido retomada com razoável regularidade.

   Sérgio Endrigo vinha ao Rio de Janeiro todos os anos. Hospedava-se sempre em Ipanema. Sua rotina exigia muitas caipirinhas e chopes de noite (e de dia também), churrasco e feijoada (cujos ingredientes levava aos montes para a Itália ), muitos papos (adorava contar piadas) e uma boa caminhada pela praia.

   Cariocamente, Endrigo levava apenas alguns instantes para passar da mais pueril retração à intimidade de amigos-de-infância. E gargalhava com os casos que ele mesmo contava. Como aquele em que sua mãe esbravejava quando um irreverente hóspede - o velho amigo Vinicius de Moraes - resolvia passear nu pela vila romana e respondia às justas reclamações da pobre senhora com os repetidos dissílabos: ''bruxa, bruxa''. Ou, ainda, quando, num restaurante com Chico Buarque, contou-lhe sobre um amigo, na Itália, com quem saía para jantar. E o comensal era de tal sorte sovina que, à simples aproximação do garçom, com a conta, abaixava-se sob a mesa a mexer nos sapatos, só voltando ao lugar uma vez seguro de que a conta estava paga. Pois bem, ao final do jantar com Chico, quando o garçom trouxe a conta, explodindo em risos, Endrigo flagrou o querido amigo mexendo nos sapatos.

   Carioca pelo amor ao Rio e pelo jeito-de-ser, Vinicius lhe dedicou uma letra com música de Toquinho: o Samba prá Endrigo. Nos versos, é como se o poeta emprestasse palavras à expressão de sentimentos do outro: ''Quando chego ao Rio/Eu me arrepio de ver tanta coisa linda solta no ar/ Eu, que vim do frio, me delicio/A ponto de ter vontade de não voltar...'' E por aí segue essa verdadeira diplomação.

   O artista italiano Sérgio Endrigo nasceu em 15 de junho de 1933 e morreu no último 7 de setembro, sem ter realizada uma grande vontade: fazer um concerto no Rio. Lamentavelmente, o destino não agendou.

(© JB Online)


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