A recente morte do músico, autor, compositor e intérprete Sérgio
Endrigo enche de tristeza e lembranças uma geração que, a partir dos
anos 60, incorporou canções como Io che amo solo te e
Canzone per te - seus maiores êxitos brasileiros - à trilha
musical de seu tempo.
A primeira delas, música e letra de Endrigo, foi
lançada no Brasil em 1963, quando nosso mundo musical se compunha de
sons que vinham desde os Beatles até Henri Mancini; desde a bossa nova
e a Garota de Ipanema (já em processo de exportação) até a
jovem guarda, em pré-alvorada; desde os românticos franceses
(Aznavour, Becaud) e italianos (Nico Fidenco, Peppino di Capri e o
próprio Sérgio Endrigo) até os Festivais da Canção e seus conhecidos
desdobramentos. Foi naquele concorrido contexto, que a delicada Io
che amo solo te nasceu com fôlego de sedução que lhe vem
garantindo renovadas gravações.
Com Canzone per te (Endrigo, Bardoti e
Bacalov), Sérgio venceu o Festival di Sanremo de 1968. E, no gostoso
tempero da vitória, um sabor brasileiro: o rei Roberto Carlos foi o
intérprete. Também esta tem sido retomada com razoável regularidade.
Sérgio Endrigo vinha ao Rio de Janeiro todos os
anos. Hospedava-se sempre em Ipanema. Sua rotina exigia muitas
caipirinhas e chopes de noite (e de dia também), churrasco e feijoada
(cujos ingredientes levava aos montes para a Itália ), muitos papos
(adorava contar piadas) e uma boa caminhada pela praia.
Cariocamente, Endrigo levava apenas alguns
instantes para passar da mais pueril retração à intimidade de
amigos-de-infância. E gargalhava com os casos que ele mesmo contava.
Como aquele em que sua mãe esbravejava quando um irreverente hóspede -
o velho amigo Vinicius de Moraes - resolvia passear nu pela vila
romana e respondia às justas reclamações da pobre senhora com os
repetidos dissílabos: ''bruxa, bruxa''. Ou, ainda, quando, num
restaurante com Chico Buarque, contou-lhe sobre um amigo, na Itália,
com quem saía para jantar. E o comensal era de tal sorte sovina que, à
simples aproximação do garçom, com a conta, abaixava-se sob a mesa a
mexer nos sapatos, só voltando ao lugar uma vez seguro de que a conta
estava paga. Pois bem, ao final do jantar com Chico, quando o garçom
trouxe a conta, explodindo em risos, Endrigo flagrou o querido amigo
mexendo nos sapatos.
Carioca pelo amor ao Rio e pelo jeito-de-ser,
Vinicius lhe dedicou uma letra com música de Toquinho: o Samba prá
Endrigo. Nos versos, é como se o poeta emprestasse palavras à
expressão de sentimentos do outro: ''Quando chego ao Rio/Eu me arrepio
de ver tanta coisa linda solta no ar/ Eu, que vim do frio, me
delicio/A ponto de ter vontade de não voltar...'' E por aí segue essa
verdadeira diplomação.
O artista italiano Sérgio Endrigo nasceu em 15 de
junho de 1933 e morreu no último 7 de setembro, sem ter realizada uma
grande vontade: fazer um concerto no Rio. Lamentavelmente, o destino
não agendou.
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JB Online)